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Mapas estatísticos das vilas de São Salvador e São João da Barra

Escrito por Januária Oliveira | Publicado: Quinta, 05 de Janeiro de 2023, 13h55 | Última atualização em Quinta, 05 de Janeiro de 2023, 20h25

Relação das vilas e aldeias que há nos distritos de Vila de São Salvador e Vila de São João da Barra.

Conjunto documental: Mapas estatísticos de autoria de Inácio de Andrada Souto Maior Rendon, Manuel Antunes Ferreira, Alexandre Duarte Azevedo, Fernando Dias Paes Leme, dos engenhos de açúcar, engenhos de aguardente, igrejas, escravos, freguesias, portos, dos distritos da capitania do Rio de Janeiro, entre eles Cabo Frio e Campos dos Goytacazes, enviados ao Marquês de Lavradio pelos mestres de campos responsáveis pelos distritos
Notação: BR_RJANRIO RD 0 RSN 0058
Datas-limite: 1769 [1758-1791]
Título do fundo: Marquês do Lavradio
Código do fundo: RD
Argumento de pesquisa: população, censos
Data:8 de dezembro de 1816
Local: [Rio de Janeiro]
Folha(s): 8 e 8v

 

Veja este documento na íntegra

 

Relação das Vilas e Aldeias que há no distrito

A vila de S. Salvador que fica à margem do rio Paraíba da parte do sul.

A vila de S. João da Barra à margem do mesmo rio pela mesma parte.

A aldeia de Santo Antonio de Guarulhos, que é freguesia e dista meia légua da vila de S. Salvador, à margem do mesmo rio da parte do norte, a qual suposto seja de índios[1], com tudo só tem oriundo dela três e seis entre machos e fêmeas adventícios[2] agregados à mesma, como consta da informação do vigário[3] e toda a mais gente da dita freguesia[4] é de brancos e libertos porque os maios índios todos têm morrido.

A aldeia do capitão Felipe, que se acha no Rio de Janeiro, chamada da Gamboa, de nação Coroado[5], situada à margem do rio Paraíba da parte do sul, em terras que se supõem serem das que Sua Majestade tem na mesma paragem, que se acham por medir e de marcar em distância de sete ou oito léguas da vila, em que se diz tem sete ou oito casais, e mais alguns solteiros de menor, e velhos que são batizados, domésticos e dados com os brancos, além de outros muitos que andam dispersos pelo mesmo sertão[6], divididos em famílias particulares.

Para cima da dita aldeia pela margem do dito rio até Minas dizem que há mais de 60 aldeias do mesmo Coroado, que se compõem cada uma de uma casa grande com poucos casais as mais delas e que algumas têm até meia dúzia de casas, e que todos se comunicam uns com os outros.

Para cima das cachoeiras do rio Muri se há outra qualidade de gentio[7] bravo, a que chamam Puris[8], que dizem anda sempre dispersa pelos matos em guerra com o Coroado que fica entre um e outro rio, de que tem morto muitos, e que não tem aldeia certa.

A aldeia do sertão do rio Macaé da parte do norte, que é freguesia do gentio chamados Guarulhos, um dia de viagem da povoação de Macaé, e tem aldeados entre solteiros e casados 20 ou 25, além de muitos que andam dispersos pelo sertão.

Na foz do rio Macaé acha-se um princípio de povoação[9] com esperança de se fazer

 

[1] ÍNDIOS: europeus, ao chegarem à América, deram a seus habitantes a denominação de índios por pensarem estar pisando terras das Índias. Mesmo depois que suas explorações os levaram a perceber seu engano, os habitantes do Novo Mundo continuaram a ser chamados de índios, imputando o termo às mais diversas populações que habitavam o território, numa clara perspectiva etnocêntrica. Índios eram os não-europeus. A categoria índio abrange populações muito diferentes entre si, quer seja do ponto de vista físico, linguístico ou dos costumes. Contudo, esse termo genérico é amplamente encontrado na legislação e em documentos da coroa portuguesa. Em algumas situações, o termo pode vir associado a qualificações como índios bravos/hostis ou índios mansos. Em outras ocasiões, faz-se uma diferenciação entre os índios tupi, que majoritariamente habitavam a costa brasileira, e tapuias, aqueles não tupi. Todavia, o termo encerra uma natureza homogeneizadora, não raro eivado de preconceitos, que visa omitir o caráter pluriétnico de uma população que girava em torno de cinco milhões em 1500 e que, um século depois se reduziria a quatro milhões pelas epidemias das populações do litoral atlântico, que sofreram o primeiro impacto da civilização. A depopulação prossegue, entre 1600 e 1700, não só pelas doenças, mas pelo trabalho escravo e pelas guerras, reduzindo a população indígena para cerca de dois milhões. Ao final de período colonial, estima-se que essa população estivesse reduzida a um milhão.

[2] ADVENTÍCIO: termo adventício refere-se a algo ou alguém que veio “de fora”, estrangeiro, forasteiro. Os povos de origem latina são adventícios na América, porque não era a raça latina que ocupava o continente quando da sua conquista. Assim, adventício diz respeito a indivíduo ou etnia vinda de outro local, de outra região, e que se fixa no lugar onde se encontra. Os machos e fêmeas adventícios são homens e mulheres que vieram de outra localidade para se instalarem em um novo território ou aldeia.

[3] VIGÁRIO: na hierarquia da Igreja Católica, compete ao bispo diocesano governar a Igreja que lhe foi confiada, com poder legislativo, executivo e judicial. O próprio bispo exerce o poder legislativo e o poder executivo, mas pode dividi-los com os vigários gerais ou episcopais, da mesma forma que o poder judicial pode ser compartilhado com um vigário judicial e juízes. Nas paróquias, os vigários – que também são nomeados pelo bispo – atuam junto aos párocos e ambos precisam estar em comunhão com toda Igreja. O vigário paroquial não trabalha como um subalterno, mas possui todas as responsabilidades para com a evangelização, zelando pela vida pastoral. A área da sua competência pode ser restringida ou ampliada a várias paróquias.

[4] FREGUESIA: em Portugal, as divisões administrativas das províncias estavam organizadas de acordo com a seguinte escala: cidades, vilas, freguesias e aldeias. Cada freguesia possuía uma situação jurídica própria, podendo ser de primeira, segunda ou terceira ordem. A freguesia de primeira ordem agrupava mais de 5.000 pessoas. As de segunda ordem, entre 800 e 5.000, e as de terceira ordem, menos de 800 pessoas. Em cada freguesia havia um regedor que era o representante da autoridade municipal e diretamente dependente do presidente da câmara municipal. O termo paróquia era utilizado como sinônimo de freguesia, na esfera eclesiástica, portanto fregueses, neste caso, são os membros de uma paróquia.

[5] COROADO: designação genérica, atribuída aos povos indígenas não Tupi, da família linguística macro-jê, que habitavam desde o Mato Grosso até o oeste de Santa Catarina, passando por São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Esse nome lhes foi conferido por cortarem os cabelos no meio da cabeça, à maneira dos frades capuchinhos, conservando não mais do que uma calota de cabelos. Tidos pelos agentes do governo colonial como desumanos e intratáveis, os Coroados são descritos pelo botânico francês Auguste Saint-Hilaire (Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: EDUSP, 1975. p. 30), que percorreu a região leste do Brasil na primeira metade do século XIX, como pertencendo “à tribo mais disforme da natureza encontrada durante a minha permanência no Brasil. Aos traços da raça americana, tão diferente da nossa, acresciam uma fealdade peculiar a sua nação: eram de estatura pequena; na sua cabeça, achatada em cima e de um tamanho enorme, mergulhava em largas espáduas; uma nudez quase completa deixava a descoberto sua repelente sujeira; longos cabelos negros caiam em desordem sobre os ombros; a pele de um escuro baço estava salpicada aqui e ali pelo urucu; percebia-se através de sua fisionomia algo de ignóbil, que não observei entre outros índios, e enfim, uma espécie de embaraço estúpido traía a ideia que eles próprios tinham de sua inferioridade. Esse conjunto verdadeiramente horrendo me impressionou muito mais do que esperava, e fez nascer em mim um sentimento de piedade e humilhação”.

[6] SERTÃO: categoria que povoa há muito a historiografia brasileira, desde os primeiros cronistas e viajantes dos séculos XVI ao XIX, até historiadores dos séculos XIX e XX, que o elegeram como objeto de estudo, entre eles Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. É um conceito chave na construção do imaginário regional, na relação de alteridade com o litoral – na qual um define ao outro – e na construção do conceito de nação. Há uma extensa discussão filológica acerca da origem da palavra sertão, e de qual termo latino ela deriva. De deserto ou de certão, em ambas acepções, a ideia que encerra é sempre do interior, local vazio, despovoado, selvagem, distante do litoral, região de fronteira, mas não necessariamente seca, como atualmente se usa para referir à região do semiárido nordestino. No Brasil, é preciso reforçar, não houve um só sertão, mas vários. Desde o início da colonização, o termo aparece no vocabulário daqueles que descreviam as novas terras desbravadas. Ora usado para o interior da capitania de São Vicente, ora para referir às minas gerais, ou para o centro-oeste, em Mato Grosso ou Goiás, era também o interior do Nordeste e as regiões quase inatingíveis da Amazônia. Durante o povoamento, o sertão estava sempre nas franjas das frentes que avançavam em direção ao oeste, se opondo ao litoral. Se a faixa litorânea, mais povoada, representava o ideal de “civilização” – as cidades, o local da administração colonial e do exercício do poder –, por oposição o sertão se definiria como a terra sem lei, inculta, das guerras contra o gentio selvagem, do vazio populacional. No entanto, para aqueles que não encontravam um lugar no mundo da ordem, o sertão também representou a terra promissora, das riquezas ainda inexploradas, da liberdade para escravos e condenados que para lá fugiam, da mestiçagem entre as “raças”, do encontro entre as culturas e línguas. Apesar de em princípio se situar fora da ordem colonial, o sertão estava sempre sendo conquistado, ocupado, em vias de se civilizar, e avançava: a expansão para dentro da colônia era constante e estava diretamente atrelada às atividades econômicas. A produção açucareira interiorizou os engenhos no Nordeste, a mineração promoveu a penetração desde as Minas Gerais até Goiás, os bandeirantes [bandeiras] também foram responsáveis pelo avanço mais ao Sul, desbravando terras e capturando índios, e a pecuária foi um instrumento importante na conquista dos territórios do interior, o gado e as tropas avançando junto com o povoamento. Nas províncias do Norte, a coleta das drogas “do sertão” foi fundamental para a abertura de novos caminhos e a ocupação de regiões distantes e de difícil acesso na mata. Para além de meramente espacial, o sertão é uma categoria cultural que influi até hoje na construção das identidades regionais Brasil afora, na música, na literatura e nas demais manifestações artísticas, seja no interior como no litoral.

[7] GENTIO: a designação foi empregada, ao longo da história da conquista da colônia, para se referir ao índio não cristão, àquele que não havido sido integrado na órbita colonial luso-brasileira. Gentio é um termo usualmente relacionado a “bárbaros”, “selvagens”, “bravos”, “gentio”, ou ainda “tapuia” sem muita distinção, contribuindo para a construção de um recurso jurídico visando a decretação de guerra justa, escravização dos índios e liberação de terras para os colonos. Em carta a Mem de Sá, em 1558, o rei recomenda que os colonos apoiem os jesuítas na tarefa mais importante da política real do Brasil, quer dizer, na conversão dos pagãos “porque o principal e primeiro intento que tenho em todas as partes da minha conquista é o aumento e conservação da nossa santa fé e conversão dos gentios delas”. Em Apontamento de coisas do Brasil (1558), Nóbrega se refere ao gentio como “de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e reparti-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo.” (Ribeiro, D. e Moreira Neto, C.A. A fundação do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1992: 121)

[8] PURIS: grupo indígena do tronco linguístico Macro-Jê, viviam no sudeste da América portuguesa, nos atuais estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, no território banhado pelas bacias dos rios Paraíba do Sul, Grande e Doce. Com população estimada em oito mil pessoas nos anos iniciais de colonização, os relatos sobre os Puris são devidos aos cronistas europeus, que, com frequência, identificavam-nos como bravos, selvagens, guerreiros, indomáveis. É atribuído ao corsário inglês Anthony Knivet o primeiro registro sobre os Puris, quando em expedição pelo vale do rio Paraíba entre os anos de 1596 e 1597. Sucederam-se as notícias de Wilhelm Ludwig von Eschwege e Maximiliano Alexandre Philipp Wied-Neuwied, que os descrevem como de baixa estatura, “robustos, largos, achatados, pescoço curto e grosso, formas arredondadas, pés largos e dedos grandes, pele macia de cor parda-escura, cabelo comprido liso de cor negra, sem cabelo nas axilas e peito, rosto largo, testa estreita, nariz curto, olhos pequenos, boca pequena e dentes claros”, nas palavras dos naturalistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Martius. Além de embates com grupos que habitavam a região, como os Botocudos, os Puris foram alvo de um forte processo de catequização, notadamente em função da mineração, que provocou um extermínio efetuado por expedições desbravadoras. Tidos como extintos, foram identificados, pelo censo do IBGE de 2010, 675 Puris, com maior concentração em Minas Gerais, que guardam a língua, a história, os costumes e outros saberes.

[9] POVOAÇÃO: o início da colonização portuguesa nas Américas, o povoamento não foi visto como um problema, uma vez que o projeto colonizador se voltava para a exploração dos recursos naturais. No entanto, não tardaria que a política de povoamento adotada por Portugal fosse alterada. A preocupação constante com a defesa do território contra invasões estrangeiras e a crescente mestiçagem entre os colonizadores e as naturais da terra impuseram a necessidade da vinda de mulheres brancas, numa tentativa de ocupar demograficamente a colônia. Órfãs, prostitutas, não importava tanto a origem e classe social, a emigração feminina passa a ser estimulada. A opção pela vida religiosa, fosse na metrópole ou na própria colônia, representava uma ameaça às novas necessidades da coroa lusa. Já em 1603, o rei de Portugal manifesta-se em carta régia contra a fundação de um convento feminino no Brasil, alegando ser um obstáculo ao necessário povoamento da colônia. Além de portugueses que vieram para o Brasil colônia, deve-se mencionar a migração açoriana no século XVII em direção ao Pará e Maranhão e no século XVIII para o sul do Brasil, principalmente Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro, a vinda de franceses e holandeses, relacionada sobretudo às ocupações de ambos os países em território brasileiro, e a entrada de suíços, alemães e chineses durante o reinado de d. João VI. É importante destacar, também, o papel da migração forçada de africanos como escravos para a América portuguesa, durante os séculos de colonização, estimada em cerca de 5 milhões de africanos.

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