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Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 28 de Janeiro de 2019, 13h30 | Última atualização em Quarta, 30 de Janeiro de 2019, 11h02

Proclamação oficial impressa

Proclamação do marquês do Maranhão, comandante Cochrane, aos cearenses, publicada pela Imprensa Nacional. Anuncia o fim da autoridade ilegal da Confederação do Equador sobre a província do Ceará. Reconhece a importância da imprensa livre, mas alerta para falsidades e fraudes publicadas, das quais o próprio comandante teria sido alvo.


Conjunto documental: Confederação do Equador
Notação: caixa 742, pct 01
Datas limite:1823-1826
Título do fundo: Confederação do Equador
Código do fundo: 1N
Argumento de pesquisa: Imprensa, jornais e pasquins no reino e na colônia
Data do documento: 27 de outubro de 1824
Local: Ceará
Folhas: -

 

Leia esse documento na íntegra

 

“PROCLAMAÇÃO.

CEARENSES! Ao momento que vós pudeste declarar vossos sentimentos, nobremente vos apresentastes da ocasião para sacudir o jugo da autoridade ilegal que vos oprimia[1], e voltaste ao fácil, e sossegado caminho do dever, e obediência ao vosso Imperador Constitucional[2], debaixo de cujo domínio paternal somente o Brasil poderá gozar da felicidade que resulta da união[3], ausência de guerras civis, e de dissenções, e rivalidades políticas. Esta feliz mudança, e a força com que se efetuou, causaram a maior satisfação ao coração benévolo de S. M. I.[4] o qual, atribuindo todos os erros passados à influência natural das mal representações entre vos espalhadas com tanta arte, e constância, se esquecerá de tudo que aconteceu prévio ao dia glorioso do 18[5] (o qual recordar-se-á como o mais memorável nos anais do Ceará[6]) lembrando-se unicamente do feito que tem coberto de glória vosso Excelente Presidente, e todos aqueles que cooperaram com S. Ex. nessa grande ocasião.

Cearenses! O aconselhar-vos para o futuro guardarem contra as mal representações de fatos que aconteceram para fora dos limites da esfera de vosso conhecimento pessoal, seria supérfluo. Vos mesmo lereis, e conhecereis a Constituição que S. M. I. concedeu a seu Povo, e julgareis então se já em República[7] alguma fora posto em prática constituição mais livre. Vos sabereis apreciar devidamente o valor de uma imprensa[8] livre, porém, ao mesmo tempo, não deixareis de conhecer, e desprezar as falsidades, de que é frequentemente o canal esta mesma imprensa. Já vossa conduta demonstrou que estais prevenido das artes, e fraudes praticadas para vos enganar. E seja-me permitido acrescentar referindo as calúnias de que fui eu mesmo objeto, que somente desejo: que vos, e todos julgueis de mim, e dos meus atos, e procedimentos, pelo que vedes, e não pelas mentiras que fabricaram homens vis, e integrantes de facções estrangeiras, e outras existentes no Brasil.

Cearenses! Resta-vos somente preservar na carreira em que agora com tanta glória entrastes: e debaixo do Governo de S. M. I. achareis protegidas vossas pessoas, e propriedades por justas, e sábias leis, e que gozareis de todas as felicidades nascentes de uma liberdade nacional, e independência verdadeira. Ceará no Palácio do Governo em 27 de outubro de 1824.

Cochran[9] e Maranhão.

Ceará na Tipografia Nacional.”

 

[1] JUGO DA AUTORIDADE ILEGAL QUE VOS OPRIMIA: diz respeito ao governo instalado pelo movimento revolucionário republicano em 1824, conhecido como Confederação do Equador.

[2]IMPERADOR CONSTITUCIONAL: o título de Imperador Constitucional faz referência à primeira constituição do Brasil, outorgada por d. Pedro I em 1824. A assembleia geral constituinte e legislativa do império do Brasil reuniu-se em 1823 para elaborar uma carta para o novo Império, logo após o conturbado processo de independência. No entanto, desentendimentos entre d. Pedro e os deputados constituintes, sobretudo no que diz respeito à limitação do poder do imperador, levaram ao fechamento do Congresso e à outorga da Constituição de 1824. Elaborada por dez juristas de sua confiança – “conselho de notáveis” – que redigiram o texto constitucional, centralizava diversas competências nas mãos do imperador através da criação do poder Moderador. Conhecido como quarto poder, era exercido exclusivamente pelo monarca, que poderia interferir no legislativo, judiciário e executivo, encontrando-se acima destes. A constituição de 1824 e seu poder moderador vingaram até o fim do Império em 1889, e foi a constituição brasileira de mais longa duração até os dias atuais.

[3]SOMENTE O BRASIL PODERÁ GOZAR DA FELICIDADE QUE RESULTA DA UNIÃO: a expressão diz respeito à manutenção da unidade territorial do Império brasileiro após o processo de independência, em contraste com a fragmentação hispano-americana. A ausência de uma autoridade central na América espanhola devido às invasões napoleônicas deu lugar a revoluções generalizadas por toda colônia, resultando na formação de vários reinos. Já a centralização do Império brasileiro, simbolizada pela figura do Imperador, teria permitido manter o Brasil unido, apesar da grande dilatação do território ocorrida durante o período colonial e de movimentos que abalaram tal unidade, como foi o caso da Confederação do Equador. Existia uma grande preocupação com a preservação da integridade territorial por parte das elites locais, que procurando manter a ordem social e política, temiam uma instabilidade no Império.

[4]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[5]DIA GLORIOSO 18: no dia 18 de outubro de 1824, a armada de Lord Cochrane – contratada pelo governo imperial para pôr fim à Confederação do Equador – aportava em Fortaleza. Sem muita resistência, a capital da província do Ceará aderia às forças centrais. Depois de hasteada a bandeira imperial, o presidente do governo provisório, José Félix de Azevedo Sá, assinou o termo de juramento de obediência e fidelidade ao Imperador d. Pedro e, por ordem de Cochrane, fora comunicado a todas as partes da província o “regresso da cidade à obediência”.

[6]CEARÁ, CAPITANIA DO: capitania hereditária, estabelecida em 1534, tornou-se parte do Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1621. Passou a integrar o Estado do Brasil em 1656, ficando subalterna à capitania de Pernambuco até 1799, ano em que alcançou o status de capitania de primeira ordem, embora com subordinação judicial primeiro à relação da Bahia e, depois à de Pernambuco até 1821. A chamada “civilização do couro”, na expressão de Capistrano de Abreu, encontrou dificuldades na conquista, mas se expandiu rapidamente já no século XVII (Cf. Maria Yedda Linhares. Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil. Revista Tempo, 1996). A pecuária contribuiu bastante para a sua efetiva colonização, interiorizando a ocupação do território. A criação de gado expandiu-se no século XVIII, quando foi levada para Pernambuco, Bahia e Minas Gerais pelos caminhos do sertão. Além do mercado interno, a pecuária cearense destinava couro e carne para o exterior. Existiam outros produtos como as madeiras nobres, o sal, o algodão e a cera de carnaúba, que tiveram importância para a economia dessa capitania. Embora o Ceará não estivesse entre as praças mais voltadas à exportação, a escravidão africana na região foi significativa desde o século XVIII. O interior da capitania manteria uma concentração maior de população e de atividades de produção até meados do século XIX, o que explica a iniciativa de vilas da região do Crato e de Quixeramobim nas revoltas de 1817 (Revolução Pernambucana) e 1824 (Confederação do Equador). Em 1817, a capitania do Ceará foi palco das lutas entre os revolucionários e os contrarrevolucionários. Seu governador, Manuel Inácio de Sampaio, foi um dos principais aliados do conde dos Arcos, governador da Bahia, no freio à expansão da revolução no Nordeste e na subsequente vitória sobre os rebeldes. A Revolução de 1817, apesar de malograda, foi a semente de um movimento maior, que floresceu em Pernambuco e se expandiu pelo nordeste, incluindo-se o Ceará: a Confederação do Equador. Destaca-se aí a participação de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, liberal radical, que veio a tornar-se chefe do governo cearense. O Ceará, depois de Pernambuco, foi o estado onde a adesão ao movimento revolucionário foi mais ativa e intensa, e se deu de forma imediata. Anteriormente a sua proclamação, já havia eclodido vários focos insurrecionais no Ceará: a Câmara de Quixeramobim (antiga Vila de Campo Maior) declarou decaída a dinastia dos Bragança; e o Padre Gonçalo Inácio de Loiola, mais tarde, Padre Mororó, espalhou por Icó, São Bernardo das Russas e Aracati o movimento revolucionário. José Pereira Figueiras e Tristão Gonçalves comandaram a adesão do Crato. Os embates foram intensos, espalharam-se pelos sertões, e a repressão eliminou, de forma previsivelmente sangrenta, o movimento de 1824, executando ou assassinando suas principais lideranças.

[7] REPÚBLICA: o termo “república” vem do latim res publica, que significa literalmente “coisa pública”, ou seja, o bem público, o que era comum a todos os cidadãos. Considerando-se a tipologia de Estado moderno, o termo República representa o oposto das concepções monárquicas de soberania: a primeira, embora compreenda uma grande variedade de formas de governo e organização de Estado, pauta-se pelo exercício do poder político baseado na escolha do povo e em especial, na não hereditariedade do exercício deste poder. Na monarquia, ao contrário, o soberano herda o direito de ocupar o mais alto cargo político em função da sua linhagem. No entanto, o termo República é bastante anterior às teorias de Estado modernas, sua origem reside na necessidade de os romanos definirem em termos apropriados uma nova realidade de organização do poder depois que a forma de exercício dos antigos reis encontrou seu fim. Expressava uma ideia semelhante à politeia grega, qual seja, o bem comum. Cícero e Políbio estão entre os primeiros a estruturar as discussões em torno da coisa pública em um conceito coerente, ressaltando a importância de leis comuns para que o bem comum fosse alcançado, contrapondo assim, a República aos estados (ou antes, as formas de associação política) “injustos” (ilegais, ilegítimos). Na Idade Moderna, o termo se tornou caro àqueles que buscavam derrubar as formas de organização política típicas do Antigo Regime. Enfatizando o caráter de legitimidade do governo (fosse ele monárquico, democrático, aristocrático), havia uma tendência à defesa de um estado de direito que preservasse o bem dos seus cidadãos, em contraposição ao despotismo de reis que só respeitava a sua própria vontade, por terem recebido seu poder “diretamente de Deus”. Após as revoluções francesa e americana, no século XVIII, a definição de república passa por um sem número de discussões e reelaborações, em grande medida consequência das experiências práticas que se desenvolvem com o passar dos anos. Indissociável da ideia de república é a da constituição, na qual o direito deixa de ser expressão do poder real e se torna o espelho da nação organizada. Nesse sentido, e após a Revolução Francesa, o termo soberania deixará de designar a legitimidade dinástica, transferindo-se para a vontade popular (Cf. LAFER, C. O significado de República. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2. n. 4, 1989). A adoção de um governo republicano e a difusão dos princípios de liberdade, em um mundo no qual preponderavam governos absolutistas, passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os “abomináveis princípios franceses”. Ao lado da independência das treze colônias inglesas na América do Norte, que se libertaram do domínio metropolitano, tornando-se uma República, inspirariam, sobremaneira, movimentos anticoloniais. De todo modo, a noção mais antiga e abrangente de República, segundo a qual o Estado deveria expressar a vontade do povo, associada à construção de um novo pacto social, continuou a influenciar alguns movimentos políticos. No contexto do Brasil colonial, o conceito de República explicitava uma defesa não de um sistema de governo com maior participação popular, nem sequer, necessariamente, de um governo independente da metrópole, mas sim, de um governo mais justo entre os súditos do Reino e Ultramar. Ainda assim, considera-se que a seu modo, movimentos como a conjuração mineira de 1789 e a Revolução de 1817 guardaram a inspiração republicana, norte-americana, sem dúvida, e no último caso, francesa.

[8]IMPRENSA: o termo imprensa surgiu no século XV, com a criação da prensa móvel por Johannes Guttenberg (1390-1468) que imprimia, com caracteres móveis, palavras e frases em papel. A invenção da tipografia é considerada como marco fundamental que alicerçou e tornou possível a progressiva divulgação do conhecimento, até a sua massificação atual. Já a imprensa periódica, surge na Europa no século XVII, utilizando-se da mesma tecnologia para imprimir jornais, gazetas e pasquins. A primeira tipografia portuguesa surge no século XV e só em 1641 começa a circular o primeiro jornal periódico português: A Gazeta. No Brasil, a imprensa foi criada pelo decreto de 13 de maio 1808, por ocasião da transmigração da corte portuguesa. A Impressão Régia visou atender à necessidade de divulgação da legislação e atos governamentais, sendo facultada, na ausência destes, a impressão de obras variadas. Para administrar o novo estabelecimento, foi instituída uma junta diretora, composta por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dois deputados da Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro e da Bahia. À Junta coube o exame dos papéis e livros a serem publicados até setembro de 1808, quando houve a nomeação dos primeiros censores régios. No entanto, o historiador Marco Morel chama atenção para a existência de impressos no Brasil antes mesmo de 1808, apesar de toda proibição e censura, como é o caso de um prelo no Recife; uma oficina tipográfica no Rio de Janeiro em meados do século XVIII; além de imprensas instaladas pelos jesuítas na região das Missões (MOREL, M. Os primeiros passos da palavra impressa. MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tânia Regina de (orgs.). Hino Campo de Santana, no Rio de Janeiro stória da imprensa no Brasil. São Paulo: editora Contexto, 2013. p. 24). Com relação aos impressos periódicos, há dois marcos fundadores: a criação, por Hipólito da Costa, do Correio Braziliense em Londres e o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro, ambos em 1808. Por ser publicado em Londres, o Correio Braziliense foi o primeiro periódico em língua portuguesa a circular sem censura. Já a Gazeta, era um jornal oficial, limitando-se aos comunicados do governo e impresso na tipografia régia. Em 1821, as restrições à imprensa diminuíram, devido a decisões das Cortes portugueses, aumentando o número de tipografias, jornais e panfletos no Brasil.

[9] COCHRANE, THOMAS ALEXANDER (1775-1860): o inglês Lord Cochrane foi militar da Marinha Real Britânica e destacou-se nas Guerras Napoleônicas, sendo apelidado pelo seu opositor Napoleão de “lobo do mar”, por sua ousadia. Concomitantemente foi eleito membro do Parlamento, porém, condenado a prisão por fraude em 1814, foi obrigado a sair da Marinha. Em 1817, foi contratado para combater nas lutas pela independência do Chile e Argentina e, em 1823, contratado pelo governo brasileiro para ajudar nos combates às províncias que se recusavam a aderir a independência, como Pará e Maranhão. Pelo seu bom desempenho e sucesso nas operações, recebeu de d. Pedro I o título de marquês do Maranhão. Permaneceu no Brasil até 1825, combatendo as frotas portuguesas e a Confederação do Equador, que ocorreu no Nordeste. No entanto, não foi pago pelo governo brasileiro e levou alguns navios como recompensa. Lutou também pela independência da Grécia e, em 1830, voltou à Inglaterra. Com a morte de seu pai, recebeu, em 1831, o título de 10º conde de Dundonald e, no ano seguinte, foi readmitido pela Marinha Britânica, onde alcançou o posto de almirante.

Perfídias do Correio Braziliense

Carta do jornalista José Anselmo Correa Henriques para d. Rodrigo de Sousa Coutinho, 1º conde de Linhares. Diz que a despeito dos embates e críticas feitas ao jornalista, estaria de acordo com o ministro no sentido de “proteger a segurança do Estado e os direitos de S. A. R. o Príncipe Nosso Senhor” contra as perfídias que espalha o Correio Braziliense. Solicita ser enviado a Londres a fim de impugnar aquele periódico.

 

Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
Notação: IG¹ 112
Datas limite: 1809-1814
Título do fundo: Série Guerra
Código do fundo: DA
Argumento de pesquisa: Imprensa, jornais e pasquins no reino e na colônia
Local: Bahia
Data do documento: 8 de maio de 1811
Folha(s): -

 

Leia esse documento na íntegra

 

“Não obstante V. Exa. não querer comunicar-me no Rio de Janeiro[1], e nem mesmo deixar-me justificar, o seu Irmão o Exmo. D. Domingos, das duras violências que me fez durante a minha residência em Londres[2], o qual fiando-se cegamente em apócrifas, e mal fundadas razões aéreas, que certos indivíduos intrigantes lhe quiseram embutir a meu respeito, o nome dos quais o brio, e meu próprio decoro me obriga a calar; cedo, sem embargo de tudo isto, daquele adio que a minha honra maculada por tais, poderia exigir na reivindicação dela: de comum acordo com V. Exa. tratarei de proteger, quando me for possível, a segurança do Estado, e os direitos de S. A. R. o Príncipe Nosso Senhor[3], contra as perfídias que espalha o Correio Braziliense[4]. V. Exa. não vê o dano pelas circunstâncias em que o põe a situação de Ministro de Estado, e o quanto a doutrina daquele periódico é avessa aos sentimentos da Soberania, e lisonjeadas as suas pretensões superficiais, pela maior parte de um povo ignorante, que crê as falsas asserções deste venal, e mal intencionado. Se V. Exa. visse este dano, certamente pensando a meu respeito, e esquecendo-se das prevenções que lhe tem suscitado contra mim, havia de se conformar com o plano de mandar-me a Londres a fim de impugnar aquele periódico, na parte que ataca surdamente a soberania do Príncipe, a honra de indivíduos, e as Leis Constitucionais[5] que formam a Segurança do Estado, e a sua natural independência. O estado da minha saúde, me obriga ir diretamente a Inglaterra tratar de fazer a operação Cirúrgica da pedra, e tomar banhos de Bath: se acaso V. Exa. quiser que Eu depois de melhorar, haja de continuar na oposição daquele jornal, e contrariar as suas asserções com […], não tem senão mandar para isso as suas positivas ordens a missão de Londres, para que se me dê os gastos necessários que pedir semelhante Obra, e conceder-me o que for decente para minha subsistência, que prontamente tomarei este trabalho a meu Cargo, dando-me S. A. R., um caráter diplomático, para estar defeso de qualquer violência. Como V. Exa., julgo é amigo do Príncipe, e da sua Nação[6], não deixará de aceitar este partido, que é o único que pode haver para calar aquele jornalista[7]. No entretanto espero aqui as Ordens de V. Exa. as quais saberei respeitar como quem é.

Bahia, 8 de Maio de 1811.

De V. Exa.

Ao Mmo. Exmo Sr. Conde de Linhares[8],

Muito atento venerador [...]

P.S Remeto inclusa uma mostra da defesa para V. Exa. aprovar.

José Anselmo Correa Henriques[9]

 

[1] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[2] LONDRES: fundada pelos povos romanos no século I às margens do rio Tâmisa. Tornou- se a capital da dinastia anglo-saxônica no século X. Após a invasão dos normandos vindos do norte da França, liderados por Guilherme, conhecido como o conquistador, em 1066, Londres se estabelece como sede do poder britânico. A importância da cidade como um centro financeiro e comercial cresceu à medida que o Império britânico se expandiu. No século XVI, o comércio marítimo sofreu forte expansão, sobretudo com a criação da Companhia Inglesa das Índias Orientais (1599), estabelecendo um intenso comércio com o Novo Mundo. Londres tornou-se o principal porto do mar do Norte, recebendo migrantes da própria Inglaterra e do exterior. Em 1800, já era considerada a maior cidade de mundo. Estabeleceu com Lisboa e o Porto um intenso e diversificado comércio, o que levou a uma aproximação comercial entre Portugal e Inglaterra, gerando reflexos na política e diplomacia luso-brasileiras.

[3] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4] CORREIO BRAZILIENSE: criado por Hipólito da Costa, seu redator, o periódico foi publicado entre os anos de 1808 e 1822. Apesar do nome, o jornal era editado na Inglaterra, mas circulou ilegalmente em Portugal e no Brasil, reputado como o primeiro jornal do país. Influenciado pelo reformismo ilustrado, Hipólito defendia o chamado Império luso-brasileiro – projeto capitaneado pelo fidalgo português d. Rodrigo de Sousa Coutinho –, a manutenção de sua unidade e forma de governo monárquico, no entanto, seria necessário reformas liberais em sua ultrapassada estrutura absolutista. Por suas críticas às práticas políticas do Estado imperial e o fomento ao debate político, foi considerado um jornal de oposição. Argumentava a favor da independência do Brasil, mas não de sua ruptura com Portugal, o que mostrar-se-ia, anos mais tarde, inevitável. O correio também encerrava uma proposta civilizatória para o país, por meio da divulgação dos progressos científicos da época, mostrando-se outrossim contrário à tirania e ao absolutismo. No jornal, Hipólito defendia a liberdade de imprensa, segundo o modelo liberal inglês, o fim da Inquisição, da escravatura e da censura. O periódico marcou o início da corrente jornalística conhecida como os jornais de Londres, da qual fizeram parte O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc. (1811-1819); Argus (1809); O Zurrague Político das Cortes Novas (1821); O Portuguez ou Mercúrio Político, Commercial e Literário (1814-1826) e o Campeão Portuguez ou o Amigo do Rei e do Povo (1819-1821), cuja circulação foi de caráter similar ao do Correio Braziliense.

[5] CONSTITUIÇÃO: lei fundamental de uma nação, a constituição deve informar e engendrar as outras leis comuns, originárias da mesma, que vão reger e governar uma determinada sociedade. É o conjunto de normas, diretrizes e princípios que organiza o Estado e impõe limite aos poderes dos governantes, inviabilizando que estes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado. Ao limitar o alcance do governo, garantiria alguns direitos aos cidadãos. Na Idade Moderna, o princípio do constitucionalismo afirmava que todo poder deveria ser legalmente limitado e sua aplicação deu-se primeiramente na Inglaterra, em fins do século XVII, quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre o rei as leis do Parlamento; e em 1787, na constituição norte-americana. Com a Revolução Francesa, o princípio do constitucionalismo propagar-se-ia por toda Europa, tendo ecos nas áreas coloniais da América. Em Portugal, a Revolução Liberal do Porto de 1820 foi responsável pela criação das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa [ver Cortes de Lisboa], a primeira experiência parlamentar lusitana com o objetivo de criar uma constituição para o Reino Unido, exigia que d. João VI retornasse a Portugal e jurasse a nova Constituição, de caráter liberal e que levou ao fim do absolutismo português.

[6] NAÇÃO: a ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses político econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

[7] JORNALISTA: a palavra jornalista, derivada do francês jornaliste, que quer dizer analista do dia, do cotidiano, surgiu ainda no século XV, com a invenção da prensa por Gutemberg, mas teve sua expansão no século XIX, quando o jornal se tornou o principal veículo de transmissão de informações. No Brasil, nas primeiras décadas após surgimento da imprensa no início dos oitocentos, a atividade esteve caracterizada como uma atividade secundária, ou seja, uma ocupação complementar a outras atividades exercidas na esfera cultural ou na ocupação de um cargo público/político. A articulação da atividade jornalística a outras profissões marcou a trajetória de muitos personagens que se dedicaram a carreira na imprensa durante esse período. Suas atividades baseavam-se em discussões político literárias de caráter opinativo maior que informativo, servindo de instrumento de ação política, projetando muitos desses jornalistas para posições destacadas em outras esferas. Com o desenvolvimento da imprensa ao longo do século e sua crescente importância no jogo político, o jornalismo torna-se uma atividade lucrativa e rentável, conseguindo independência econômica em relação aos subsídios necessários em seus primórdios. Inicia-se o que Nelson Werneck Sodré chamou de fase do jornal empresa, quando passam a possuir meios de contratar pessoal para se dedicar ao trabalho na redação, agora dotadas e equipamentos gráficos modernos. Assim, o ofício do jornalista foi, aos poucos, transformando-se numa profissão socialmente reconhecida e valorizada. A gênese da imprensa como empresa trouxe a necessidade de formação específica para os profissionais da área.

[8] COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[9] HENRIQUES, JOSÉ ANSELMO CORREA (1777-1831): nasceu na freguesia de Ribeira Brava, na Ilha da Madeira, no seio de uma família nobre. Foi escritor e poeta português, autor de vários poemas satíricos e políticos. Veio para o Brasil junto com a Corte em 1811 e escreveu suas impressões do Império português nos trópicos em Memorial sobre a residência d’El Rey no Brasil. Segundo o historiador Marco Morel, foi espião do ministro Thomás Villa Nova Portugal incumbido de investigar e denunciar as maçonarias. Villa Nova promoveu intensa campanha contra as sociedades secretas, sobretudo a maçonaria, vista por ela como uma ameaça a monarquia. Na Inglaterra, publicou dois jornais de linha absolutista: Argus, no ano de 1809 e O Zurrague Político das Cortes Novas em 1821.

Jornal contrário às ideias do Correio Braziliense

Extrato de um ofício dirigido ao conde de Funchal – Domingos Antônio de Sousa Coutinho – relatando a inocência e fidelidade do doutor Bernardo José de Abrantes. Ressalta ainda que, nesse momento, seria muito proveitoso para a coroa portuguesa utilizar o talento do Dr. Abrantes e do Dr. Vicente Pedro Nolasco Pereira da Cunha para que, permanecendo em Londres, escrevessem um jornal que fosse contra as ideias expressas no Correio Braziliense de Hypólito da Costa. Mais tarde, tornaram-se redatores do periódico O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc, financiado pelo governo português então no Rio de Janeiro.

Conjunto documental: Avisos e Ofícios. Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra
Notação: IJJ1 703
Datas limite: 1812-1812
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: A6
Data do documento: 16 de janeiro de 1812.
Local: Palácio do Rio de Janeiro.
Folha(s): 27-28

 

Leia esse documento na íntegra

 

“Extrato de um ofício dirigido ao Conde do Funchal[1] na data de 8 de Janeiro de 1812.

Havendo-se dignado a SAR[2] tomar em consideração o que V. Exª escreve no seu ofício número nº 1 em cifra, a respeito do Dr Abrantes[3], autorizou-me o mesmo Augusto Senhor participar a V. Exª que pode declarar ao Dr Abrantes, que SAR está hoje convencido, não só da sua inocência, mas da sua fidelidade, livres, e grande merecimento e que não sendo possível dar-lhe outra vez o lugar de Inspetor Geral dos Hospitais, porque SAR autorizou ao Marechal Bresford[4] para fazer todas as alterações que julgar convenientes a semelhante respeito, e que se supõe que este lugar, ou não existirá, ou terá mudado totalmente de forma que o mesmo Augusto Senhor me ordenou escrever ao Sr Conde de Aguiar[5], que seria muito da Sua Real Satisfação, que S. Exª visse se podia ter lugar o requerimento do mesmo Dr Abrantes para uma Cadeira da Universidade que ele desejava, e a que parecia ter todo o direito, sem lembrar o seu grande merecimento, que o faria muito digno de uma Cadeira na Universidade. Tudo isto se acha executado, mas considerando SAR, que no momento presente, é muito útil aproveitar aí os grandes talentos do Dr Abrantes e do Dr Nolasco[6], para escreverem um douto, e razoável Jornal[7], que obste às calúnias do Infame Hipólito[8] e do Correio Brasiliense[9], autoria SAR a VExª para que negocie com o Dr Abrantes o modo com que SAR poderia concorrer para que ele se possa conservar em Londres, para que juntamente com o Dr Nolasco continuem o jornal, que tem principiado e que pode fazer grande bem ao serviço de SAR, e servir de contraveneno às infâmias do revolucionário Hipólito SAR ordena que V. Exª ponha a última mão a este negócio, e que informe do modo com que se poderá fazer este arranjamento de maneira que lhe de resultados ao Real Serviço as mais decididas vantagens, e que também se procure segurar o cômodo estabelecimento do Dr Abrantes, a quem SAR tende hoje toda a justiça, e do Dr Nolasco, que ambos podem aí ser muito úteis ao bem do Real Serviço com a publicação do seu Jornal, que instrua e promova a felicidade pública, obtendo as vistas, e sinistras intenções do revolucionário Hipólito, cujo último Correio Brasiliense e história da sua perseguição são dignas da sua infiel, satírica e mal aparada pena.

 

[1]COUTINHO, DOMINGOS ANTÔNIO DE SOUSA (1760-1833). primeiro e único conde de Funchal, título nobiliárquico que recebeu em 1808 e, em 1833, marquês de Funchal. Foi um diplomata português, veio de uma família nobre, filho de d. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, governador de Angola e depois embaixador em Espanha e d. Ana Luíza da Silva Teixeira de Andrade. Formou-se em Leis pela Universidade de Coimbra, logo iniciou sua carreira diplomática. Foi embaixador português na Dinamarca, Turim, Roma e Inglaterra. Durante o tempo que serviu à embaixada portuguesa em Londres, d. Domingos participou das negociações com o governo britânico para assinatura do tratado de 22 de outubro de 1807, responsável pela transferência da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Também foi personagem de destaque durante os acordos para a elaboração dos tratados de 1810. Orientou e intermediou, junto a Coroa portuguesa, a publicação do periódico O Investigador Português em Inglaterra [ver Douto e razoável jornal], que circulou de 1811 a 1818, criado para combater as ideias divulgadas pelo Correio Braziliense de Hipólito da Costa.

[2]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[3] CASTRO, BERNARDO JOSÉ DE ABRANTES E (1771-1833): foi um médico, diplomata e jornalista português. Formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra, tornando-se médico da Real Câmara e físico-mor do reino. Em 1809, foi preso pela inquisição acusado de jacobinismo e de ser maçom. Tempos depois, tornou-se embaixador em Londres, onde fundou, junto com o dr. Vicente Pedro Nolasco Pereira da Cunha, o periódico político O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc.[ver Douto e razoável jornal], que circulou de 1811 a 1818. Criado para combater o Correio Braziliense de Hipólito da Costa, esse jornal fez parte dos chamados jornais de Londres, periódicos com notícias do Brasil, mas impressos na Inglaterra.

[4] BERESFORD, WILLIAM CARR (1768-1854): foi um político e militar britânico que participou da Guerra Peninsular, comandando as tropas aliadas anglo-lusas contra os exércitos franceses que invadiram Portugal [ver Pérfidas invasões francesas], sob o comando dos generais Junot, Soult, e Massena. Após a expulsão dos franceses, Beresford vem à corte do Rio de Janeiro em 1815, onde d. João concede o título de marechal general. Volta à Portugal com amplos poderes políticos, delegado imediato do monarca, entregando os portugueses à humilhante tutela de um estrangeiro. Com a Revolução do Porto de 1820, Beresford é forçado a retornar à Inglaterra.

[5] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

[6] CUNHA, VICENTE PEDRO NOLASCO DA (1771-1844): médico, jornalista e poeta português, Vicente Pedro formou-se em ciências médicas pela Universidade de Coimbra, exercendo a profissão no hospital das Caldas da Rainha até o ano de 1807. Com a invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal em 1807 [ver Pérfidas invasões francesas], dr. Nolasco manifestou-se contrário aos invasores e emigra para Londres, onde fundaria, junto com Bernardo José de Abrantes e Castro o periódico político O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc. [ver Douto e razoável jornal], que circulou de 1811 a 1818.

[7]DOUTO E RAZOÁVEL JORNAL: Em 1811, dois médicos portugueses, Vicente Pedro Nolasco da Cunha e Bernardo José Abrantes e Castram, fundariam, em Londres, o jornal mensal O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc. O periódico dispunha de subsídios do embaixador português em Londres, o conde de Funchal, sob a anuência da Coroa portuguesa no Rio de Janeiro. Segundo Nelson Werneck Sodré, os redatores recebiam uma pensão para manter o jornal, além de ter pagas as despesas com papel e a tipografia. Foi criado com o objetivo de diminuir a influência do Correio Braziliense, considerado um jornal danoso à imagem de d. João e da monarquia, “fomentando a rebelião e a anarquia”. O apoio financeiro recebido estava associado à postura leal e a serviço da Coroa adotada pelo periódico. Quando, no entanto, o redator do jornal “tomou-se de ideias próprias” (SODRÉ, 1966), e passou a defender o retorno de d. João a Portugal, o auxílio à folha foi suspenso, interrompendo sua publicação em 1819. Assim como o Correio Brasiliense, O Investigador Portuguez fez parte dos chamados jornais de Londres, publicados na Inglaterra, mas sua circulação direcionada aos leitores luso-brasileiros.

[8] MENDONÇA, HIPÓLITO JOSÉ DA COSTA PEREIRA FURTADO (1774-1823): natural da Colônia do Sacramento, Hipólito da Costa, como ficou mais conhecido, era membro de uma família ilustre, formou-se pela Universidade de Coimbra em leis, filosofia e matemática (1798). Foi diplomata do governo português e, durante viagem aos Estados Unidos ingressou na maçonaria. Em 1805, foi detido e acusado pela Inquisição de disseminar ideias maçônicas, refugiando-se em Londres. Recebeu apoio financeiro do governo brasileiro para se manter no exílio, de onde escreveu e publicou seu jornal, O Correio Braziliense ou Armazém Literário (1808-1822). Periódico de caráter político teve grande influência no processo de independência do Brasil. No entanto, durante os primeiros anos, tinha apenas a intenção de informar aos leitores do Brasil sobre os acontecimentos na Europa. O jornal circulava livre de censuras em Portugal assim, o jornalista passaria a defender ideias liberais, sobretudo a emancipação colonial, dando ampla cobertura a Revolução Pernambucana e os acontecimentos posteriores que culminaram na proclamação da independência.

[9]CORREIO BRAZILIENSE: Criado por Hipólito da Costa, seu redator, o periódico foi publicado entre os anos de 1808 e 1822. Apesar do nome, o jornal era editado na Inglaterra, mas circulou ilegalmente em Portugal e no Brasil, reputado como o primeiro jornal do país. Influenciado pelo reformismo ilustrado, Hipólito defendia o chamado Império luso-brasileiro – projeto capitaneado pelo fidalgo português d. Rodrigo de Sousa Coutinho –, a manutenção de sua unidade e forma de governo monárquico, no entanto, seria necessário reformas liberais em sua ultrapassada estrutura absolutista. Por suas críticas às práticas políticas do Estado imperial e o fomento ao debate político, foi considerado um jornal de oposição. Argumentava a favor da independência do Brasil, mas não de sua ruptura com Portugal, o que mostrar-se-ia, anos mais tarde, inevitável. O correio também encerrava uma proposta civilizatória para o país, por meio da divulgação dos progressos científicos da época, mostrando-se outrossim contrário à tirania e ao absolutismo. No jornal, Hipólito defendia a liberdade de imprensa, segundo o modelo liberal inglês, o fim da Inquisição, da escravatura e da censura. O periódico marcou o início da corrente jornalística conhecida como os jornais de Londres, da qual fizeram parte O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literário, Político, Etc. (1811-1819); Argus (1809); O Zurrague Político das Cortes Novas (1821); O Portuguez ou Mercúrio Político, Commercial e Literário (1814-1826) e o Campeão Portuguez ou o Amigo do Rei e do Povo (1819-1821), cuja circulação foi de caráter similar ao do Correio Braziliense.

Extrato de gazetas inglesas

Extratos das gazetas inglesas ''The London Packet '' e ''Bell's Weekly Messenger ''  e de folhas espanholas contendo notícias sobre o provável retorno de d. João VI a Portugal e sobre as relações diplomáticas entre a Áustria e o governo lusitano.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado Reino, Guerra, Estrangeiros e Marinha
Notação: antiga cx 731 pct 02, atual 260 em possíveis anexos
Datas limite: 1755-1863
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Imprensa, jornais e pasquins no reino e na colônia
Data do documento: 2 de novembro de 1821
Local: s/l
Folhas:

Leia esse documento na íntegra

 

"(...) N°. 3.

Extratos das folhas Inglesas "The London Packet" e "Bell's Weekly Messenger"[1] desde 2 de novembro até 25 do dito mês.

Londres 1 de novembro.

Chegou de Lisboa[2] o paquete Duque de Kent, e trouxe notícia até 22 do passado. Haviam-se ali recebido ofício do Rio de Janeiro[3], e pela mesma via algumas cartas particulares. O seu conteúdo parecia de um caráter tão assustador, inda que no Brasil reinava aparentemente a tranquilidade, que os portugueses não se achavam dispostos a entrar em especulações comerciais, seja com o Rio de Janeiro, ou seja com outro qualquer porto do Brasil. Inda não era sabido o tempo  da partida do Príncipe Real[4], mas suponha-se geralmente que cedo se efetuaria a Resolução das Côrtes para o Seu chamamento[5]. – Os avisos comerciais mencionavam, a respeito do sistema proibitivo adotado por aquelas Côrtes[6], que o imposto sobre os produtos e manufaturas estrangeiras não podia durar muito tempo, pois considerava-se como impossível que os portugueses pudessem passar sem elas, sendo as suas manufaturas mais inferiores às deste País. Se todavia as Cortes, em imitação do plano seguido pela Espanha[7], fizer permanentemente a Lei da proibição, seguir-se-á então o mais extenso contrabando, e nada poderia afetar a introdução ilícita dos gêneros britânicos.

(The London Packet 2 de 9bro)

 

[1] THE LONDON PACKET OR NEW LLOYD’S:  The London Packet, or, New Lloyd's evening post foi um periódico inglês que circulou de abril de 1772 a dezembro de 1836. Publicado três vezes por semana, em Londres, trazia notícias locais e internacionais. Já o Bell's Weekly Messenger foi um jornal semanal britânico, publicado entre maio de 1796 e 1896 também em Londres. Segundo seu editorial, apresentava "reflexões originais" sobre o cenário político europeu e um "conhecimento geral e perfeito do que está se passando em todas as partes do mundo". As notícias internacionais chegavam ao Brasil, com considerável atraso, através de navios (paquetes), que traziam exemplares de jornais estrangeiros, responsáveis por promover uma integração sistemática entre o Brasil e o resto do mundo. Mesmo durante o período colonial, a circulação desses impressos foi uma atividade importante. Apesar de toda censura real, não era rara a compra de gazetas dos marinheiros que aportavam nas principais cidades brasileiras. Com a instalação da Impressão Régia em 1808 na capital, as notícias estrangeiras também poderiam ser lidas nas folhas do primeiro periódico oficial impresso no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, que extraia informações de jornais internacionais, sobretudo ingleses e franceses, convergentes à linha editorial e ideológica da folha.

[2] LISBOA: capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira, existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[3] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[4]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[5] RESOLUÇÃO DAS CORTES PARA O SEU CHAMAMENTO: em agosto de 1820, tem início a Revolução do Porto, insurreição que propunha a convocação das Cortes de Portugal, um parlamento formado por deputados portugueses, em sua maioria, mas também brasileiros e de Algarves, com o objetivo de elaborar uma constituição liberal para o reino.  Tal constituição limitaria os poderes monárquicos e era considerada pelos sediciosos como solução para os problemas político-econômicos que passavam os lusitanos desde as invasões francesas [ver Pérfida usurpação dos franceses]. A consequente mudança da família real para o Rio de Janeiro, a abertura dos portos brasileiros e a assinatura dos tratados de 1810, nos quais d. João concedia privilégios alfandegários à Inglaterra, causou ainda maiores prejuízos aos comerciantes portugueses. Diante da situação de dependência em relação a decisões tomadas a partir da capital da ex-colônia, uma das primeiras resoluções das Cortes foi a determinação do retorno de d. João VI à Portugal e seu juramento perante a futura carta constitucional, legitimando assim aas ações do Congresso e evitando resistências. As notícias da Revolução do Porto chegaram ao Brasil dois meses após o início do movimento e dividiram opiniões em torno do projeto liberal adotado e as medidas conservadoras que pretendiam a recolonização da antiga possessão. Após inúmeras dúvidas e hesitações – seu retorno poderia significar submissão e concordância ao movimento, mas sua permanência, mesmo retardando o avanço das ideias liberais no Brasil, talvez levasse ao rompimento com Portugal –, pressionado e procurando evitar uma possível fragmentação de seu Império, através do decreto de 7 de março de 1821,o monarca anunciava seu regresso e da família real. Declarava ainda que, até se executar a nova organização constitucional do Estado, o herdeiro da Coroa, príncipe d. Pedro, ficaria como representante do rei no Brasil. Em 26 de abril de 1821, a bordo do navio de guerra que carregava seu nome, d. João retornaria a Lisboa.

[6] SISTEMA PROIBITIVO ADOTADO POR AQUELAS CORTES: a proibição de importações ou a fixação de elevados impostos sobre a entrada de mercadorias nos portos lusitanos foram regras correntemente empregadas durante o período vintista (a partir da Revolução do Porto em 1820 até a restauração da monarquia absolutista em 1823). A abertura dos portos brasileiros, resultante da transferência da Corte para o Rio de Janeiro, somada as medidas adotadas pelos tratados de 1810, prejudicavam sobremaneira as atividades produtivas portuguesas, particularmente no setor manufatureiro e industrial. Tais circunstâncias implicaram na elaboração de uma política econômica protecionista, tendo em vista a recuperação dos setores de atividade ameaçados pela concorrência estrangeira, principalmente britânica. O decreto de 14 de julho de 1821, por exemplo, estabelecia impostos de 30% sobre tecidos e manufaturas de lã inglesa, considerando os “gravíssimos prejuízos” pelos quais passavam a “Fazenda Pública e a Indústria Nacional” (ver em Colecção de Decretos, Resoluções e Ordens das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da nação portuguesa, desde sua instalação em 26 de janeiro de 1821. Coimbra: na imprensa da Universidade, 1822). As mudanças legislativas elaboradas pela Cortes de Portugal eram entendidas como processo essencial para o fim do absolutismo e do antigo regime e para a reabilitação das atividades produtivas, recuperando o país de uma situação de atraso econômico.

[7] PLANO SEGUIDO PELA ESPANHA: a Revolução do Porto, iniciado em agosto de 1820 e que levou ao fim do absolutismo português, foi fortemente influenciada pelas circunstâncias espanholas: reunidas em Madrid desde junho, as Cortes hispânicas buscavam retomar a Constituição de Cádiz, elaborada entre os anos de 1810 e 1814, obrigando Fernando VII a jurar a carta constitucional, anteriormente invalidade, e atender às exigências do movimento revolucionário. Os princípios do constitucionalismo e liberalismo contidos na carta espanhola foram amplamente difundidos durante esse período, tornando-se modelo para vários movimentos políticos que se definiam como liberais, como foi o caso de Portugal. O crescente descontentamento português pela inversão do centro de poder do reino de Lisboa para o Rio de Janeiro, que perdurava desde 1808, associado às dificuldades econômicas decorrentes da abertura dos portos brasileiros, fez da experiência hispânica uma alternativa capaz de conduzir os portugueses no estabelecimento de um novo pacto político a partir da convocação das Cortes portuguesas e a elaboração de uma constituição para o país.

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