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Império Luso-Brasileiro

Franceses na Colonia

Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 19h18 | Última atualização em Terça, 12 de Junho de 2018, 19h32

  • Temor, cumplicidade e sedução: relações entre franceses e portugueses no Brasil colonial

    Maria Fernanda Bicalho
     Profª adjunta do departamento de História - UFF

    Havia muito que franceses navegavam pelo litoral do Brasil, e do Rio de Janeiro em particular. Basta lembrar que os primeiros europeus a se instalarem na Guanabara, antes mesmo da fundação da cidade de São Sebastião, foram os franceses que, sob o comando de Nicolas Durand de Villegagnon, ali ergueram a França Antártica. A região centro sul da América, entre Espírito Santo e São Vicente, constituiu-se numa área privilegiada, embora não exclusiva, de corso e pirataria. Seja através do escambo com os indígenas, do contrabando com os primeiros colonos, seja por meio do saque às vilas costeiras, os franceses foram frequentadores assíduos daquele litoral. 

    A partir de finais do século XVII e durante todo o século seguinte, a capitania do Rio de Janeiro foi cada vez mais assediada por navios europeus que, para serem recebidos em seus portos, alegavam avarias, falta de víveres e doenças na tripulação. A legislação portuguesa proibia o comércio com estrangeiros, embora os tratados de paz entre as monarquias europeias estabelecessem que não se podia, em nenhum porto, negar hospitalidade às embarcações das nações amigas que precisassem de consertos ou tratar os doentes. Por isso, muitos navios estrangeiros acabaram por entrar no porto do Rio de Janeiro durante todo o período colonial. Seus tripulantes eram acolhidos para se curarem das doenças contraídas em alto-mar, mas eram proibidos de exercer o comércio. Nem sempre, no entanto, as proibições do comércio eram respeitadas. Não raro, com o pretexto de consertar o navio ou tratar a tripulação, o contrabando era feito com a cumplicidade, ou mesmo por iniciativa dos moradores.

    Prova disso, além da correspondência entre autoridades no Brasil e em Portugal, são os inúmeros relatos de viagens, roteiros e diários de bordo de marinheiros e comerciantes estrangeiros que, acolhidos nos portos coloniais, visitaram e descreveram vilas, cidades e seus habitantes. Alguns foram publicados nos séculos XVI, XVII e XVIII, servindo de guia para futuras expedições. Outros continuam inéditos, depositados em arquivos e bibliotecas na Europa e no Brasil, como o Arquivo Nacional. Ambos podem dar uma dimensão aproximada do conhecimento que os europeus detinham das costas brasileiras, em particular da região centro-sul.

    De fato, todo um saber empírico acerca dos territórios e das sociedades coloniais se constituiu a partir de dados observados in loco pelas sucessivas viagens empreendidas por franceses, ingleses, espanhóis, holandeses etc. Os navegadores do Velho Mundo instruíam-se uns aos outros, somando e enriquecendo as informações que adquiriam com boa dose de precisão, por meio da leitura de relatos de viagens passadas, do acréscimo de novas observações, do acúmulo de dados e descrições, aproveitando a experiência de seus antecessores para conferir maior eficácia a seus próprios intentos. A literatura constituída por diários de bordo e relações de viagens traduzia um conhecimento acumulado e constantemente corrigido de acordo com novas observações e novas descobertas.
    Quando, em 1695, a esquadra francesa comandada pelo capitão De Gennes solicitou a entrada no porto do Rio de Janeiro para refresco da tripulação e aprovisionamento dos navios, François Froger, um de seus tripulantes, que escreveu um interessante diário da expedição, afirmou que seus moradores não pareciam habituados a navios de outras nações. Diante da simples visão das naus francesas, ficaram tão atemorizados, que enviaram suas mulheres e bens para o interior.1 Em bando publicado alguns meses depois, o governador Sebastião de Castro Caldas referia-se: "a maior parte destes moradores que faltos de experiência com qualquer notícia de navios nesta costa, procuram segurar as suas famílias e cabedais nos matos de suas fazendas, devendo pelo contrário uma e outra coisa recolher a esta cidade, onde estão seguros de qualquer sucesso."2

    O clima de tensão era aprofundado pela circulação de boatos. A 13 de dezembro de 1695, Sebastião de Castro Caldas fora forçado a lançar outro bando no qual dizia ter tido a notícia de "que muitas pessoas deste povo têm por sua conta, por temor ou por curiosidade, o ofício de fabricarem novas supostas e fantásticas, com pretexto e ocasião de se acharem neste porto três navios da nação francesa, com que irritam e causam perturbação entre os moradores desta cidade".3

    Fantasiosos ou não, os boatos, fruto do temor e da curiosidade do povo diante da presença dos inusitados e indesejáveis visitantes, provocavam distúrbios na cidade. A quatro de dezembro, Castro Caldas afirmava que, devido à presença dos franceses, muitos moradores, inquietos, "perturbam, e descompõem ... alguns dos marinheiros que têm vindo a terra, sobre o que tenho passado várias ordens e mandado deitar rondas". No entanto, como o policiamento havia se mostrado infrutífero no controle das manifestações hostis aos visitantes, deliberava que "toda pessoa de qualquer qualidade que seja que com obras ou palavras descompuser a qualquer marinheiro ou pessoa da dita nação ... será rigorosamente castigada".4

    Não era a primeira vez que a chegada de navios estrangeiros no porto e a descida de sua tripulação em terra firme provocavam desordens e perturbações. E não seria a última. No dia 20 de dezembro, Sebastião de Castro Caldas foi obrigado a lançar um novo bando aparentemente contraditório em relação aos dois anteriores. Nele afirmava lhe ter "chegado a notícia de terem faltado alguns marinheiros e soldados da guarnição dos navios da nação francesa que se acham neste porto, os quais, por não serem práticos neste país, não é crível que possam fugir nem esconder-se sem ajuda e favor, ou notícia, de algum dos moradores desta cidade e seus distritos". Considerava que a cumplicidade entre os moradores e os franceses acarretava "grave dano e prejuízo do serviço das ditas naus, a quem pela boa paz, aliança e amizade que temos com a dita nação, se deve toda a correspondência e hospitalidade".5 Mas, por detrás destas razões, o governador tinha ciência do dano bem maior que aquele tipo de infração, no caso de os moradores abrigarem franceses desertores dos navios e com eles comerciarem, poderia causar às rendas da alfândega e do rei de Portugal.
    Apesar da relativa tolerância à entrada de estrangeiros nos portos do Brasil, o século XVIII foi inaugurado com explícitas ordens régias exigindo sua expulsão sumária. A única exceção referia-se àqueles que, casados com portuguesas, tivessem filhos e, sobretudo, que não exercessem qualquer atividade mercantil.6

    A capitania do Rio de Janeiro parecia ser uma das mais visadas por estas novas medidas, principalmente por seu porto servir para o embarque do ouro proveniente das Minas. Em resposta a uma carta régia que impedia que dali por diante qualquer estrangeiro passasse à região mineradora, o governador do Rio, d. Álvaro de Albuquerque, afirmava que se devia também expulsá-los dos portos marítimos, principalmente das "vilas de baixo", como Ilha Grande e Parati.7

    Com efeito, a baía de Angra dos Reis dividia com a região de Cabo Frio a preferência de piratas, corsários e contrabandistas. Incansáveis foram as diligências das autoridades coloniais no sentido de impedir o comércio, o saque de embarcações e de povoações, ou o simples contato entre estrangeiros e a população local. Em 1704, d. Álvaro de Albuquerque voltava a escrever ao rei, informando que na Ilha Grande achavam-se alguns franceses casados com filhas de "pessoas principais da terra". Afirmava parecer-lhe prudente tirá-los de lá, pois suspeitava de que o fato de se acharem ali estabelecidos levava a que tantos outros navios buscassem aqueles portos. No entanto, como os avisos que havia recebido de Lisboa só faziam menção à expulsão dos estrangeiros "que constar são levantados isto é, amotinados, ou de nação inimiga", e como não lhe constava que Portugal estivesse em "guerras declaradas" contra a França, evitava tomar qualquer atitude sem uma explícita ordem real.8

    A 28 de fevereiro de 1707, o rei voltava a escrever ao governador do Rio dizendo ter sido informado de que, apesar das proibições contra a entrada de estrangeiros nas conquistas, muitos "têm passado e passam em grande número, não somente a habitar nas praças marítimas delas, mas ainda nos sertões e principalmente nas minas dessa capitania, cuja ambição os desperta". Temia o prejuízo que poderia resultar ao Brasil, "pelo perigo que há, de que sendo devassado pelos estrangeiros, se informarão das forças dele, disposição de sua defesa, capacidade dos portos ... e das entradas das terras para as Minas". Mencionava outro grave inconveniente, desta vez para Portugal: "de que por este modo vêm os estrangeiros a fazer, seu próprio, este comércio que é dos naturais deste Reino, o qual ... não pode deixar de padecer maiores descaminhos nos direitos à minha Fazenda".9

    Em 1719, d. João V escrevia a Ayres de Saldanha de Albuquerque, governador do Rio de Janeiro, afirmando ter tido ciência da pouca ou nenhuma observância da lei de 1711, que proibia o comércio com a tripulação de navios de outras nações da Europa. Fora informado que jamais anteriormente os estrangeiros frequentaram tanto o litoral do Brasil como depois da publicação da referida lei. Levados pela "ambição", pediam acolhida com "pretextos afetados", a fim de introduzirem toda sorte de mercadorias em troca de ouro. Ordenava que o governador cumprisse estritamente a lei, sem, no entanto, faltar ao "direito de hospitalidade" firmado nos tratados de paz com as nações amigas.10

    Não apenas o comércio ilegal atemorizava as autoridades lisboetas. Um outro fantasma povoava-lhes as mentes: a existência de potenciais espiões entre os muitos estrangeiros que percorriam os portos, as vilas e as cidades coloniais. Em finais de 1689, uma carta régia dirigida ao governador do Rio de Janeiro advertia-o de que "alguns estrangeiros passam às capitanias desse estado do Brasil sem mais causa que a sua curiosidade, para verem e observarem as alturas dos portos, sítios e fortificações das praças, de que podem resultar alguns inconvenientes".11 Possivelmente aquele alarme fora motivado por um francês conhecido como Abade de Pequil, senhor de Monte Vero. Desembarcando em Pernambuco, fez questão de visitar todas as fortalezas, e muitos moradores ouviram-no falar mal do "governo do Reino" de Portugal.12

    Algumas das expedições estrangeiras que chegavam aos portos do Brasil deparavam-se com europeus que há muito ali viviam, a quem pediam informações e de quem recebiam ajuda e favor, além de notícias relativas às defesas e aos costumes da terra. Um desses europeus, ou melhor dizendo, francês, era Ambrozio Jauffret. Nascido em Marselha, viveu em São Paulo durante cerca de trinta anos, onde se casou e teve filhos. Em 1704, enviou ao ministro da Marinha de seu país natal, conde de Pontchartrain, uma espécie de relatório informando-o do estado das capitanias do sul do Brasil, do Rio de Janeiro até o rio da Prata.13 Este relato serviu de base ao documento intitulado Mémoire et projet pour enlever Riojaneiro Memória e projeto para conquistar o Rio de Janeiro,14 que, por sua vez, instruiu a invasão, o saque e o sequestro da cidade, em 1711, pelo famoso corsário René Duguay-Trouin.

    A obra em questão funda-se numa precisão espantosa de informações acerca das rotas e condições de navegação, do território urbano do Rio, de suas ruas, prédios, defesas, economia e administração. Fornece preciosos detalhes sobre o período de saída das frotas portuguesas para Lisboa, abarrotadas de ouro, contendo, inclusive, previsões sobre o provável lucro que obteria uma eventual empresa de corso que tivesse como objetivo invadir e saquear a cidade. Passava, então, a descrever seus habitantes, que dizia serem extremamente ricos devido ao comércio que faziam com os espanhóis no Rio da Prata e graças às minas de ouro recém-descobertas, situadas a cem léguas do litoral. Os conventos dos religiosos eram, a seu ver, suntuosos, sobretudo os dos jesuítas, de São Bento e do Carmo; as igrejas possuíam enormes quantidades de prataria, o que levava a recomendar que os invasores levassem o que houvesse de excessivo e deixassem apenas o estritamente necessário.

    Anexa à Memória encontra-se um belo e detalhado mapa do Rio e um documento intitulado Observation sur la Ville de Riojaneiro Observação da cidade do Rio de Janeiro, revelando sua situação em termos de latitude e longitude, descrevendo a baía, a direção dos ventos no seu interior, a melhor hora do dia para tentar a entrada da barra, suas fortalezas, canhões e munições e, finalmente, a cidade propriamente dita, com destaque para o aqueduto da Carioca e os conventos. Seu autor finalizava a descrição dizendo-se conhecedor da grande covardia dos portugueses, o que o levava a prever, em caso de invasão, a fuga do governador.
    A memória escrita por Ambroise Jaufrée foi de grande utilidade para Luís XIV durante a Guerra de Sucessão da Espanha (1703-1713), que colocou em campos opostos França e Portugal, deflagrando uma série de investidas corsárias. O corso, distintamente da pirataria e da ação dos flibusteiros, era um empreendimento oficial praticado pelas monarquias europeias nos momentos de guerra. Os capitães dos navios corsários recebiam uma carta de marca concedida pelo rei, que os autorizava a atacar os navios e a saquear os territórios das nações inimigas. No caso da França, o corso era, sobretudo, uma atividade privada. Os navios corsários pertenciam, em sua grande maioria, a particulares que os armavam e os abasteciam para o comércio ou para o corso, conforme a conjuntura. Durante a Guerra de Sucessão, os mares e oceanos coalharam-se de corsários de todas as nações, sobretudos franceses.

    Devido à guerra na Europa, na manhã de 17 de agosto de 1710, uma esquadra composta de seis navios comandados pelo corsário francês Jean François Duclerc surgiu ao largo da baía de Guanabara. O alarme havia sido dado no dia anterior, quando as naus que navegavam sob falso pavilhão inglês foram avistadas por um pescador em alto mar. Hostilizado por disparos das fortalezas de São João e de Santa Cruz, Duclerc resolveu navegar mais para o sul, em direção à Ilha Grande. Impedido de ali desembarcar, rumou um pouco para o norte, chegando à praia de Guaratiba, onde, sem maiores dificuldades, desceram a terra cerca de 1.200 homens. O comandante, seus oficiais e soldados, guiados por quatro escravos fugidos, seguiram a pé por matos espessos e terrenos pantanosos até bem próximo à cidade, quando, a 18 de setembro, alcançaram um engenho dos jesuítas.

    Na manhã de 19 de setembro, Duclerc chegou finalmente à cidade, na altura da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Travou-se intensa batalha em que seus bravos defensores lutaram com afinco, pois no mesmo dia derrotaram os franceses. Muitos foram mortos e os restantes aprisionados. Duclerc e alguns de seus oficiais foram presos no colégio dos Jesuítas. Tempos depois foi removido para uma das casas da cidade, onde foi assassinado por homens mascarados. Durante os meses que se seguiram foi possível aos portugueses se deliciarem com os louros da vitória, promovendo festejos, dando mostras de sua alegria à luz de luminárias e missas em ação de graças por tão notável sucesso.15

    Alguns dos prisioneiros deveriam ser, um ano mais tarde, removidos para Lisboa. O bando do governador Francisco de Castro Morais, ao mesmo tempo em que preparava o embarque, demonstrava suspeita e temor de que os moradores os acobertassem em suas casas. Ordenava que os franceses estivessem no dia seguinte, 28 de agosto de 1711, no largo em frente ao palácio (atual Praça XV), para serem distribuídos nos navios da frota portuguesa. E advertia: "todo o morador que em sua casa tiver francês algum, se for consentido ou concorrer para que haja falta em se apresentar, será castigado severamente e preso pelo tempo que me parecer. E para que chegue a notícia a todos, e não possam alegar ignorância mandei lançar este bando a som de caixas pelas ruas mais públicas desta cidade".16
    A frota não havia ainda zarpado quando um paquete de carreira inglês entrara no porto trazendo notícias de que uma grande esquadra havia sido armada nos principais portos da França, tendo como destino a cidade do Rio de Janeiro. Imediatamente o governador reuniu as guarnições das fortalezas, ordenando que as tropas e as milícias que defendiam a cidade permanecessem em estado de alerta. Alguns dias mais tarde um vigia em alto mar avistou navios franceses na altura de Cabo Frio. As precauções foram intensificadas. A prontidão foi mantida até 11 de setembro, quando, sem mais notícias, os ânimos se arrefeceram e o governador ordenou a retirada dos defensores de seus postos.

    A 12 de setembro de 1711, a esquadra francesa composta de 18 embarcações, sob o comando do corsário René Duguay-Trouin, entrou, de forma espetacular, nas águas da Guanabara. Jamais, nem mesmo experientes marinheiros portugueses haviam mostrado tanta perícia em romper a estreita e fortificada entrada da baía. Encobertos por intenso nevoeiro matinal, em poucas horas os franceses encontravam-se defronte à cidade, diante dos olhares perplexos e incrédulos de seus habitantes. Embora os navios portugueses, tanto mercantes quanto de guerra, ainda estivessem atracados no porto, nada puderam fazer e foram os primeiros alvos dos canhões inimigos. Imediatamente a perplexidade levou ao pânico e o pânico ao desânimo. Dois dias depois, em 14 de setembro, cerca de três mil franceses desciam na Ilha das Cobras. Por algum tempo o governador tentou manter o controle da situação. No dia 19, os franceses enviaram mensagem pedindo a rendição dos portugueses, caso contrário, bombardeariam a cidade. Castro Morais retrucou bravamente, afirmando que lutaria até a última gota de seu sangue. No entanto, ao anoitecer do dia 21, apavorados diante da proximidade do inimigo e com os nervos à flor da pele, os regimentos e as milícias de defesa começaram a desertar, seguidos dos moradores. Circulavam rumores de que não havia mais jeito de resistir, pois tudo estava pedido. Ao cair da noite, Francisco de Castro Morais ordenou o abandono das trincheiras e a total evacuação da cidade. Até parece que Jauffré adivinhara, anos antes, o que iria acontecer.

    Enquanto isso, os invasores, sem ter notícias da fuga, preparavam-se para entrar no dia seguinte na cidade. Tão logo veio a aurora, Duguay-Trouin foi informado de que ela se encontrava deserta. Cautelosos, sem conseguirem acreditar no que ouviam dizer, e menos ainda no que viam, os franceses tomaram do colégio dos Jesuítas. A partir de então começaram a saquear e a reunir em seus navios tudo o que encontraram de valor. No entanto, não acharam ouro, pois os moradores, como sempre costumavam fazer, levaram o que de mais valioso possuíam para suas fazendas no interior. Da mesma forma o governador mandara esconder o ouro dos quintos reais proveniente das Minas. Ao saber disso, Duguay-Trouin lançou um derradeiro ultimato, exigindo o pagamento imediato de um significativo resgate pela cidade: 610 mil cruzados em ouro, 100 caixas de açúcar e 200 cabeças de gado. Caso contrário, ele a destruiria. 

    O temor causado pela invasão francesa de 1711 permaneceu por todo o século XVIII. Porém, não só de temor eram alimentadas as relações entre portugueses e franceses. Também de hospitalidade, cumplicidade e sedução.

    Exemplo de hospitalidade nos é narrado pelo diário de viagem de uma embarcação francesa que fazia parte de uma esquadra real com destino às Índias Orientais. Em 1748, mais precisamente no dia 23 de junho, chegava ao Rio de Janeiro o navio l'Arc-en-Ciel, capitaneado por Monsieur Pepin de Bellisle.17 Antes de entrar na baía, o comandante enviara alguns oficiais à cidade para informar de sua próxima ancoragem no porto. Ao desembarcarem, o governador Gomes Freire de Andrade voltava da missa na igreja do Carmo. Vinha a pé, sob um para-sol carregado por dois escravos. Os franceses foram convidados a seguirem-no até o palácio, onde, em audiência, explicaram a razão que os trazia ali. Rumavam para as possessões francesas no Índico, e seus navios estavam avariados, precisavam de víveres e transportavam marinheiros doentes. Foi-lhes concedida a hospitalidade solicitada, e o comandante e seus oficiais alugaram uma casa na cidade.

    A primeira visita retribuída por Gomes Freire a Monsieur de Bellisle é magnificamente relatada. O governador chegara num cavalo belíssimo, cujos arreios eram totalmente de ouro e brocados. De ouro eram ainda suas pistolas, sua espada, as esporas e o cabo de seu rebenque. Usava um traje escarlate igualmente bordado a ouro. Chegou à residência do comandante francês seguido de um grande número de oficiais militares. Acomodaram-se na varanda, com uma bela vista sobre a baía.

    Alguns dias mais tarde os franceses foram convidados a assistir a um espetáculo de teatro, que consistia em uma peça de marionetes de tamanho natural e cujo tema era a conversão de alguns doutos pagãos por Santa Catarina. No interior do teatro os homens sentavam-se em bancos com espaldares e braços como os das igrejas, enquanto as mulheres escondiam-se nos camarotes. A orquestra compunha-se de instrumentos de corda e um inglês tocava divinamente uma flauta transversa.

    E assim, em meio a gentilezas de parte a parte, transcorria sem maiores incidentes a estadia dos tripulantes do l'Arc-en-Ciel no Rio de Janeiro do tempo do conde de Bobadela (1733-1763). A curiosidade dos portugueses rendeu várias e agradáveis visitas à casa de Monsieur de Bellisle e ao navio francês. Gomes Freire e algumas das principais pessoas da cidade foram homenageados com um jantar a bordo, cuja abundância e delicadeza dos pratos não deixava nada a desejar. Beberam a saúde dos respectivos monarcas ao som de salvas dos canhões franceses, logo retribuídas pela fortaleza da Ilha das Cobras. Dias após o jantar oferecido por Bellisle chegou a vez de o governador convidá-lo para uma ceia no seu palácio. Gomes Freire é descrito pelo autor da memória como uma pessoa culta e distinta, que gostava de conversar sobre a França, apesar de nunca ter lá estado.

    Ao final de dez ou doze dias de permanência na cidade, grande parte dos doentes havia convalescido, o navio foi consertado e começaram os preparativos para supri-lo de mantimentos. No dia 9 de maio fizeram uma última visita de cortesia ao governador e, no dia seguinte, saíram ao raiar do sol, encantados com as relações pacíficas e amigáveis que marcaram a convivência entre os habitantes da cidade, as autoridades portuguesas e a tripulação francesa.

    Na segunda metade do século XVIII outros europeus, entre eles franceses, passaram pelo Brasil e, especificamente, pelo Rio de Janeiro. Em pleno "século das Luzes", o interesse por expedições exploratórias, movidas pela curiosidade científica, pela classificação da natureza e por razões mercantis, políticas e estratégicas resultou em inúmeras viagens de circunavegação do globo, como as comandadas por Byron, Cook, Bougainville, La Pérousse e outros.18 Mas não trataremos delas aqui. Algumas inspiraram temor, outras desfrutaram a hospitalidade de moradores e vice-reis. Voltemos ao contrabando, à cumplicidade e, sobretudo, à sedução. Várias são as histórias de contrabandistas, piratas e corsários que fizeram pouco caso da proibição do comércio de estrangeiros com o Brasil. Certamente nenhuma tão interessante quanto a que teve como protagonista uma mulher, Joana d'Entremeuse.

    A cinco de junho de 1799, o vice-rei, conde de Resende, escrevia a d. Rodrigo de Souza Coutinho, secretário da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, dando notícia de que uma francesa, "que se intitula Joana d'Entremeuse" havia partido do Rio para Lisboa. O conde julgava prudente relatar esta notícia, uma vez que aquela mulher, "pela sua nação, pela sua viveza, pelo seu caráter insinuante e pelos seus projetos e indústria se faz merecedora de ser olhada com circunspecção".19

    Além da carta do vice-rei, as aventuras de Joana chegaram até nós por meio da abertura de uma devassa contra ela em Lisboa, quando, depois de muito contrabandear entre as possessões francesas na África e no Índico e os domínios espanhóis e portugueses na América, foi enfim descoberta pelas autoridades portuguesas. Joana nasceu provavelmente na França, porém, transferiu-se, não se sabe bem se antes ou depois da Revolução Francesa, para as ilhas Maurícias, no oceano Índico, próximas a Moçambique. Em 1796 decidiu retornar à França. Naquela viagem seu destino confundiu-se com o de outros contrabandistas, como o português Eleutério Tavares. Os dois zarparam das Maurícias no navio Boa Viagem, com parte da carga adquirida de embarcações portuguesas apresadas por corsários franceses no oriente. Simulando dirigir-se ao Rio da Prata, navegaram, ao contrário, até Salvador, com o pretexto de consertar as avarias sofridas pelo navio. Esperavam ter bom acolhimento e, eventualmente, vender as mercadorias que traziam. A permissão de comerciar, no entanto, lhes foi negada pelo governador. Durante a permanência na Bahia, nenhum dos tripulantes do navio pôde descer a terra. A não ser Joana. Enquanto seus companheiros rumaram para o sul, atracando em pequenos portos da capitania, nos quais conseguiram contrabandear o que levavam, Joana permaneceu na cidade, recebendo autorização para guardar suas mercadorias em armazéns da alfândega.

    De Salvador passou ao Rio da Prata, unindo-se, em Buenos Aires, à comunidade de comerciantes franceses provenientes das Maurícias. Recebeu cartas de recomendação de homens de negócio e do próprio vice-rei espanhol, com as quais rumou para o Rio de Janeiro, onde foi bem acolhida pelo conde de Resende e pelos principais comerciantes da então capital do Estado do Brasil. Permaneceu no Rio por 13 meses, interrompidos apenas por nova viagem a Montevidéu, tempo suficiente para angariar, mais uma vez, as simpatias e a confiança de todos. Um negociante vizinho de Joana no Rio testemunhou que a francesa possuía grande séquito, e as pessoas mais qualificadas da cidade a estimavam muito, por ser instruída e saber lidar como ninguém com os negócios.

    Joana apresentou vários requerimentos ao conde de Resende, entre eles um que lhe pedia permissão para vender as mercadorias que trouxera de Montevidéu. O poder de sedução d'Entremeuse devia ser mesmo grande, pois conseguiu o que queria. O capitão de um navio português afirmou que Joana, fazendo-se muito agradável a todos, por sua instrução e prendas, conseguiu empréstimos para comprar uma pequena embarcação, enviando-a a Montevidéu e a Caiena com suas mercadorias. Todos eram unânimes nos elogios à francesa, inclusive o vice-rei, que lhe concedera passaportes de ida e volta ao Rio da Prata, além de permissão para viajar sob a bandeira portuguesa.

    Depois de muito contrabandear, e já levantando algumas suspeitas no vice-rei, Joana resolveu voltar à Europa, passando primeiro por Portugal, para depois se dirigir à França. Mas a partir daí sua sorte mudaria. A atitude mais sensata que o conde de Resende tomou diante do caráter insinuante e persuasivo d'Entremeuse foi escrever a d. Rodrigo de Souza Coutinho, relatando as peripécias da francesa e advertindo que, apesar de suas concessões anteriores, o procedimento daquela mulher era tão suspeitoso, que considerava justo partilhar suas dúvidas com o ministro.

    Joana chegou a Lisboa em setembro de 1799, onde foi presa pelo intendente de Polícia Pina Manique. Tinha 32 anos. Talvez por ser mulher num mundo no qual os homens predominavam - o dos negócios e do contrabando - o príncipe-regente d. João enviou à prisão duas outras mulheres e dois cirurgiões para examinarem Joana e constatarem se se tratava mesmo de uma mulher, ou se de um homem disfarçado. O processo não foi muito longe. Por falta de provas e com a intervenção do general Lannes, embaixador francês, Joana foi solta e voltou ao seu país de origem.

    O temor das autoridades portuguesas diante desta incrível mulher não se devia apenas ao fato de ela ser comerciante e contrabandista. Suspeitava-se que ela fosse também republicana, tendo em vista os acontecimentos que convulsionaram seu país durante e após a Revolução Francesa. Além do contrabando, a última década do século XVIII fez alastrar em Portugal e no Brasil um verdadeiro pânico das revolucionárias ideias francesas. São muitos os documentos encontrados no Arquivo Nacional, principalmente a correspondência de governadores e vice-reis no Brasil, em torno das "perniciosas máximas" e dos "abomináveis princípios" franceses. Não é de se espantar, uma vez que os cidadãos daquela nação haviam derrubado e degolado seu próprio rei. A coroa portuguesa temia que, contaminados por aqueles ideais, seus súditos, tanto na Europa quanto no Brasil, almejassem fazer o mesmo. Temia ainda que estes últimos, com base nas aspirações de liberdade, igualdade e fraternidade ousassem insurgir-se contra o domínio do rei de Portugal. 

    1 FROGER, François. Rélation d'un voyage fait en 1695, 1696 et 1697 aux Côtes d'Afrique, Détroit du Magellan, Brèzil, Cayenne et Isles Antilles, par une Escadre des Vaisseaux du Roy, comandée par Monsieur des Gennes... Paris: Chez Nicolas le Gras, 1699, p. 65.
    2 ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Bando de 18 de maio de 1696. Códice 77, v. 6, fls. 51-51v.
    3 ______. Bando de 13 de dezembro de 1695. Códice 77, v. 6, fls. 38v-40.
    4 ______. Bando de 4 de dezembro de 1695. Códice 77, v. 6, fls. 37v-38.
    5 ______. Bando de 20 de dezembro de 1695. Códice 77, v. 6, fls. 40-41.
    6 ______. Carta régia de 7 de abril de 1713. Códice 952, v. 18, fl. 313.
    7 ______. Carta de 9 de agosto de 1703. Códice 77, v. 12, fls. 72-72v.
    8 ______. Carta de 27 de maio de 1704. Códice 77, v. 14, fls. 331-332.
    9 ______. Carta régia de 28 de fevereiro de 1707. Códice 952, v. 16, fl. 255.
    10 ______. Carta régia de 17 de fevereiro de 1719. Códice 60, v. 13, fl. 37.
    11 ______. Carta régia de 24 de dezembro de 1689. Códice 77, v. 3, fls. 26-26v.
    12 ______. Carta régia de 17 de março de 1689. Códice 952, v. 5, fl. 73.
    13 MANSUY, Andrée. Relação que faz Ambrozio Jauffret ao sr. conde de Pontchartrain informando de todo o estado do Rio de Janeiro até o Rio da Prata, Cayena, 20 de junho de 1704. In: V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS LUSO-BRASILEIROS,1963, Coimbra.  Actas... Coimbra: Universidade de Coimbra, 1963, v. II., p. 435-442.
    14 CENTRE d'Acueil et Recherche des Archives Nationales (França). Mémoire et Projet pour enlever Riojaneiro. Fond Marine, B4 / 36, fls. 182 a 183v.
    15 ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Bando de 19 de outubro de 1710. Códice 77, v. 22, fl. 17v-18.
    16 ______. Bando de 27 de agosto de 1711. Códice 77, v. 22, fls. 51-51v.
    17Este relato se encontra reproduzido em várias publicações. O original francês, Extrait d'un Journal de la Campagnie des Vaisseaux du Roi aux Indes Orientales en l'année 1748. Relâche du Vaisseau Arc-en-Ciel à Riojenaire, Côte du Brésil, consta do acervo dos Arquivos Nacionais da França: CARAN, Marine. B4 / 62, fl. 281-301. A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no volume 280, de junho/setembro de 1968, publicou uma tradução em português, prefaciada por Gilberto Ferrez.
    18 Cf. BICALHO, Maria Fernanda. Viajantes e exploradores. In: ______. A cidade e o Império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 116-123.
    19 ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Carta de 5 de junho de 1799. Códice 69, v. 9, fls. 57-58v.

  • Conjunto documental: Capitanias da Bahia, Alagoas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Santa Catarina

    Notação: caixa 748, pct. 02
    Data-limite: 1770-1813
    Titulo do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de Caetano Pinto de Miranda Montenegro, governador da capitania de Mato Grosso, ao visconde de Anadia comunicando alguns artigos do tratado de paz que se firmou entre a Corte portuguesa e a República francesa. Um dos artigos fixa as datas em que deveriam cessar as hostilidades e promover a amizade entre as duas potências. O governador também inclui os artigos que dizem respeito aos limites franceses na parte setentrional do Brasil e avisa que a demarcação dos limites será feita em breve.
    Data do documento: 16 de novembro de 1801
    Local: Mafra
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Correspondência com Portugal - minutas de ofício
    Notação: caixa 494, pct. 01
    Data-limite: 1762-1803
    Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofícios enviados pelo correio marítimo e escritos por Joaquim Gomes da Rocha, segundo tenente da Marinha Real, ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, informando a respeito da prisão de algumas embarcações portuguesas por corsários franceses. Mostra a dificuldade de perseguir as embarcações corsas e comenta que recebeu uma carta do comandante dos corsários informando que os portugueses que lá se encontravam estavam sendo bem tratados, e recomendando que os franceses que se encontrassem sob custódia dos portugueses também o fossem.
    Data do documento: 23 de outubro de 1801
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Correspondência com Portugal - minutas de ofício
    Notação: caixa 494, pct. 01
    Data-limite: 1762-1803
    Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício em que se ordena proceder a devassa pelo crime cometido pela francesa Joana d'Entremeuse referente à carga clandestina que transportou para Lisboa e por todos contrabandos que fez nessa cidade.
    Data do documento: 23 de abril de 1802
    Local: Rio de Janeiro
    Folha (s):

    Conjunto documental: Correspondência com Portugal - minutas de ofício
    Notação: caixa 494, pct. 01
    Data-limite: 1762-1803
    Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício remetido ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, que relata o auto de exame feito a bordo do navio francês denominado Hidra, que atracou no porto do Rio de Janeiro em 21 de maio de 1802, para concerto. A embarcação pediu permissão para vender de sua carga, composta de tecidos valiosos, com o fim de cobrir as despesas com a manutenção. O relator pede que a permissão seja concedida pois se trata de um navio de uma nação que acabara de assinar a paz com Lisboa.
    Data do documento: 5 de outubro de 1802
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Correspondência com Portugal - minutas de ofícios
    Notação: caixa 494, pct. 01
    Data-limite: 1762-1803
    Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: minuta de ofício do vice-rei, d. Fernando José de Portugal e Castro, para o ministro da Marinha e Ultramar d. Rodrigo de Souza Coutinho, acerca de uma recomendação do príncipe regente em 15 de dezembro de 1802, no qual se pedia aos governadores do Brasil toda cautela e vigilância a respeito das embarcações de guerra francesas que arribassem nos portos brasileiros. Pede que não façam esclarecimentos sobre os lugares mais propícios de se efetuar desembarques, principalmente na Ilha Grande e em Santa Catarina, tratando-os ao mesmo tempo com a maior e civilidade para que a Corte portuguesa não se comprometesse com aquela República.
    Data do documento: 4 de abril de 1803
    Local: Rio de janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Registros de correspondência da Polícia (ofícios da polícia aos ministros de Estado, juizes do crime, câmaras e etc.)
    Notação: códice 323, vol. 01
    Data-limite: 1809-1809
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de ofício expedido ao ministro de Estado dos Negócios de Guerra, d. Rodrigo de Souza Coutinho, pelo intendente geral da Polícia da Corte Paulo Fernandes Viana, sobre o inquérito do francês João Jacques Le Piyer que veio para o Rio de Janeiro remetido da Paraíba, e se achava preso na fortaleza de Villegagnon, até que se decidisse se ele estava isento de suspeita e apto para receber sua liberdade. O intendente mostra que o suplicante veio ao Brasil havia 10 anos, quando a França ainda possuía boas relações com o Reino. Veio como cirurgião de um navio e se casou no país, enviuvou e viveu na povoação de Mamanguape até ser preso por ser estrangeiro, já que o reino estava em guerra com a França. Como o príncipe regente não considerava os franceses existentes no país como prisioneiros de guerra, pede que João Jacques Le Piyer seja libertado, por não haver contra ele algo que desabonasse sua conduta.
    Data do documento: 28 de março de 1809
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Registros de correspondência da Polícia (ofícios da polícia aos ministros de Estado, juizes do crime, câmaras e etc.)
    Notação: códice 323, vol. 01
    Data-limite: 1809-1809
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de ofício expedido ao ministro de Estado de Negócios Estrangeiros e de Guerra, d. Rodrigo de Souza Coutinho, sobre a prisão de Pedro Solim, por ter sido encontrado em um botequim na Corte e por ser francês. Decidiu-se pela soltura do francês, por nada ter sido comprovado contra ele.
    Data do documento: 24 de abril de 1809
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Ministério dos Estrangeiros e da Guerra. Pessoal - patentes militares
    Notação: 5F-497
    Data-limite: 1810-1897
    Título do fundo ou coleção: Diversos - GIFI
    Código do fundo:OI
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício do conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito, ao conde de Aguiar, d. Fernando José de Portugal e Castro, a respeito do requerimento de Luis Antonio Jousseaum de la Tour, francês, que pretende se casar com d. Leonor Joaquina do Céu. D. Fernando se opõe ao casamento, apesar de não haver queixa contra a conduta civil do noivo, pois considera que os franceses nunca devem ser tratados de maneira indiferente, e que devem ser considerados como suspeitos pelos males que já causaram.
    Data do documento: 28 de agosto de 1813
    Local: Bahia
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Ministério dos Estrangeiros e da Guerra
    Notação: 6J-78
    Data-limite: 1795-1887
    Título do fundo ou coleção: Diversos - GIFI
    Código do fundo: OI
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício do intendente de Polícia da Corte, Paulo Fernandes Viana, ao conde de Aguiar, d. Fernando José de Portugal e Castro, sobre o recebimento de ofício do ouvidor do Maranhão José da Mota de Azevedo, no qual pede que se prenda d. Francisco de Melo Manoel da Câmara acusado de traição contra o príncipe regente, por declarar que se alegrava com as notícias favoráveis aos franceses na guerra que estava sendo travada contra Portugal.
    Data do documento: 1810
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Ministério dos Estrangeiros e da Guerra
    Notação: 6J-78
    Data-limite: 1795-1887
    Título do fundo ou coleção: Diversos - GIFI
    Código do fundo: OI
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: carta de depoimento de Vitoriano José de Almeida Truão que foi preso sob suspeita de ser francês. O acusado relata toda a trajetória de sua vida desde sua vinda para o Maranhão até o degredo na Ilha das Cobras procurando mostrar não é francês e que tudo não passou de um infeliz engano.
    Data do documento: 25 de novembro de 1810
    Local: Ilha das Cobras
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Ministério dos Estrangeiros e da Guerra
    Notação: 6J-78
    Data-limite: 1795-1887
    Título do fundo ou coleção: Diversos - GIFI
    Código do fundo: OI
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: documentos referentes ao inquérito promovido contra Victoriano de Almeida Truão acusado de ser francês, de blasfemar contra a religião católica e contra o príncipe regente, além de proferir palavras de apoio ao imperador francês. O inquérito contém testemunhos, depoimentos do acusado, pareceres de importantes membros do governo, como d. Rodrigo de Souza Coutinho e d. Francisco de Assis Mascarenhas, além do parecer de Paulo Fernandes Viana, intendente-geral de Polícia da Corte, no qual decreta a culpa do réu e condena-o a passar 10 anos de degredo em Angola.
    Data do documento: 1808 a 1810
    Local: Ilha das Cobras
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Ministério dos Estrangeiros e da Guerra
    Notação: 6J-78
    Data-limite: 1795-1887
    Título do fundo ou coleção: Diversos - GIFI
    Código do fundo: OI
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício expedido ao ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros, d. Rodrigo de Souza Coutinho, por Paulo Fernandes Viana, intendente de Polícia da Corte, referente ao requerimento de Domingos Portaos, francês, que se encontra na cadeia da Corte por ter ameaçado um homem de morte. O intendente salienta que os franceses são homens abomináveis que não devem ser considerados amigos ou inimigos. Ainda pede que o acusado seja deportado o quanto antes de volta para a Europa.
    Data do documento: 20 de janeiro de 1810
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 09
    Data-limite: 1799-1799
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de d. José de Castro, conde de Resende, vice-rei do Brasil, no qual avisa a d. Rodrigo de Souza Coutinho sobre a chegada do navio espanhol Boa Viagem. Informa que três franceses embarcados no navio, donos de muitas fazendas, foram retidos no Rio de Janeiro aguardando a decisão do regente quanto a sua situação. Dentre eles, o conde de Resende destaca a francesa Joana d'Entremeuse, que segundo ele, foi trazida pela embarcação espanhola da cidade da Bahia, tendo novamente embarcado para Montevidéu com um navio carregado de mercadorias próprias. Após ter naufragado, carregou novamente sua embarcação e entrou no porto do Rio de Janeiro. Na cidade foi permitida a venda de seu navio e de lá partiu novamente para Montevidéu em navio fretado. Após alguns meses retornou à cidade tendo como destino o Cabo da Boa Esperança e a Ilha de França. Pedira ela ao conde de Resende a permissão para que pudesse navegar sob bandeira portuguesa a fim de evitar confrontos com ingleses. Tendo seu pedido negado, partiu para Lisboa para de lá continuar viagem em direção à sua pátria.
    Data do documento: 5 de junho de 1799
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 57 a 58v

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 11
    Data-limite: 1801-1802
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de d. Fernando José de Portugal e Castro, vice-rei do Brasil, para o visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, no qual relata a saída da galera Restauradora conjuntamente com outras embarcações sob a proteção da nau D. João de Castro. Informa que devido a um vento sudoeste, a embarcação se separou das outras, sendo depois apresada por um corsário francês na altura de Cabo Frio. Tal corsário também aprisionou a corveta São João Diligente que vinha de Angola com escravos, a sumaca que partira do Rio grande, o bergantim Eva que saíra da Bahia, e o bergantim Mosquito. Após o incidente, o comandante da esquadra da América Donald Campbell se pôs à frente para resgatar as embarcações, não havendo tempo até o momento de executar a missão. D. Fernando ainda celebra as notícias sobre a paz entre Espanha e Portugal.
    Data do documento: 21 de outubro de 1801
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 2v

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 11
    Data-limite: 1801-1802
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de d. Fernando José de Portugal e Castro, vice-rei do Brasil, ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, no qual narra a desistência do comandante da esquadra americana em levar as naus Maria Primeira e Dom João de Castro para resgatar as embarcações apresadas por um corsário francês. Informa que recebera uma carta, através de um passageiro aprisionado do bergantim Eva, na qual o comandante do corso francês diz dispensar bom tratamento à tripulação das nove embarcações que prendera, e pede que dispense o mesmo bom tratamento com os franceses que ali se achassem.
    Data do documento: 23 de outubro de 1801
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 5

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 11
    Data-limite: 1801-1802
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo:
    Argumento de Pesquisa: Estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de d. Fernando José de Portugal e Castro, vice-rei do Brasil, para o visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, no qual relaciona os navios que levarão trinta e quatro prisioneiros franceses provindos das fragatas Concórdia e Medeia que foram apresados pela Companhia Inglesa através de um acordo com o comandante.
    Data do documento: 25 de outubro de 1801
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 5v

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 11
    Data-limite: 1801-1802
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: correspondência de d. Fernando José de Portugal e Castro, vice-rei do Brasil, para o visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, em que acusa o recebimento do ofício no qual o visconde noticia o acerto de paz entre Portugal e França. D. Fernando declara estar ciente da condição dos navios franceses que poderiam somente entrar nos portos do Brasil por motivos justificados.
    Data do documento: 18 de março de 1802
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 51

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 11
    Data-limite: 1801-1802
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de d. Fernando José de Portugal e Castro, conde de Aguiar, vice-rei do Brasil, ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, no qual relata a vinda de dois franceses a bordo do navio Maria Primeira. Avisa que estes franceses entraram na Bahia embarcados no navio espanhol Boa Viagem, mas que ao retornar à embarcação foram expulsos. Pediram permissão para seguir viagem em busca do navio no Rio da Prata, visto que possuíam muitas fazendas embarcadas. No entanto, sabendo d. Fernando que a embarcação se encontrava na Vila de Paraty e que o capitão do navio expulsara os estrangeiros de forma violenta, e fez com que fosse vendida toda carga para o sustento da tripulação do navio, resolveu conceder aos franceses 400 réis por dia para a sua alimentação e os mandou para a fazenda de Santa Cruz. O administrador da fazenda fora alertado a tomar os devidos cuidados com os atos e a correspondência dos estrangeiros em razão da falta de harmonia entre a nação francesa e portuguesa.
    Data do documento: 2 de abril de 1802
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 76v

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 11
    Data-limite: 1801-1802
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício de d. Fernando José de Portugal e Castro, vice-rei do Brasil, ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, relatando o cumprimento da provisão do Conselho Ultramarino que ordenou uma devassa em função do contrabando realizado pela francesa Joana d'Entremeuse que transportou carga ilegal para Montevidéu e para Lisboa.
    Data do documento: 22 de abril de 1802
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 87

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 10
    Data-limite: 1800-1800
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: ofício remetido pelo conde Resende, vice-rei do Brasil, a d. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro e secretário de Estado dos negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, no qual noticia a existência de embarcações francesas de corso na altura de Cabo Frio. Informa que o chefe de esquadra Paulo José da Gama tomou a frente na fragata Concórdia com o fim de cruzar a costa do norte para tornar a navegação de comércio mais segura. A fragata era pertencente a um negociante que a havia comprado de britânicos e fora cedida para a missão. Deste modo, o vice-rei expõe a deficiência da capitania em embarcações de guerra. Também relata que, após sua saída no dia 13 do mês de outubro, o chefe de esquadrão estava indo ao encontro dos inimigos que se encontravam estacionados na mesma altura. O conde termina justificando o atraso do correio marítimo Gavião em função do perigo representado pelos corsários franceses.
    Data do documento: 20 de outubro de 1800
    Local: Rio de Janeiro
    Folhas(s): 68v

    Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
    Notação: códice 77, vols. 13 e 14
    Data-limite: 1702-1705
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: carta do governador do Rio de Janeiro, Álvaro da Silveira de Albuquerque, para o rei de Portugal, d. Pedro II, sobre um navio francês que atracara na Ilha Grande junto a duas sumacas armadas. Dizia que os franceses foram pacíficos e intentavam pagar por tudo que pegaram. Através das cartas mandadas pelos súditos da França a seus compatriotas e a espanhóis, descobriu-se que seu destino era o mar do sul. Argumenta que na "Ilha Grande" residiam franceses casados com pessoas importantes da terra, e por isso mesmo não poderiam ser expulsos de lá. O governador indica que a ordem real era de somente expulsar estrangeiros revoltosos e de nações inimigas, lembrando que Portugal não estava em guerra contra a França.
    Data do documento: 27 de maio de 1704
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 331

    Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
    Notação: códice 77, vol. 22
    Data-limite: 1710-1713
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: bando do governador do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Moraes, decretando que qualquer francês residente na cidade embarcasse no dia 28 de agosto, às três da tarde, em um navio em direção ao reino. Manda espalhar a ordem nos lugares mais públicos, advertindo que quem escondesse um francês em sua casa poderia ser punido.
    Data do documento: 27 de agosto de 1711
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 51 e 51v

    Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
    Notação: códice 77, vol. 22
    Data-limite: 1710-1713
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: bando do governador do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Moraes, ordenando que se pusessem luminárias em toda a cidade em comemoração à vitória de Portugal sobre a França. Ordenava que qualquer morador, de qualquer condição, pendurasse durante oitos dias luminárias em suas janelas, e caso não fosse cumprida a ordem, a pena seria de 40 réis e um mês de prisão nas fortalezas.
    Data do documento: 19 de outubro de 1710
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 17v

    Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
    Notação: códice 77, vol. 22
    Data-limite: 1710-1713
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: bando do governador do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Moraes, proibindo a saída de mineiros para as minas enquanto houvesse franceses inimigos na costa. Ele justifica dizendo que seria necessário todo o contingente possível em caso de uma ofensiva francesa, e quem desobedecesse à ordem perderia um terço de sua carga podendo ainda de ser preso. A pena também serviria para todos os mineiros que não se apresentassem com suas armas em frente ao palácio para que fossem nomeados soldados pagos.
    Data do documento: 4 de setembro de 1710
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 10v

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Espivet Long-Champs, nobre e casado, que teria vindo da França para a Bahia em 1811, e estava ocupado em negócios com fazendas pelos portos do Brasil. Trazia em sua companhia um amigo solteiro de 33 anos de nome Martins e um escravo de 15 anos. Eles seguiriam viagem para Maragojipe.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 8

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Guido Thomas Marlière, nobre e casado, que se encontrava a serviço do príncipe regente como capitão mor de cavalaria na capitania de Minas Gerais há seis anos.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 18

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Pierre François Lazon, comerciante de 30 anos, que viera do Rio de Janeiro junto com dois companheiros, também franceses, de nomes Eduardo Germon, de 20 anos, e José Mazé, de 21. Era residente em Vila Rica.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 69

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte da francesa Inácia Maria, de 23 anos, vinda de Nantes em 1816, que tinha o intuito de se estabelecer na Rua dos Tanoeiros, no Recife.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 47 v

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Próspero Sólon Chanmette, de 26 anos, nobre e solteiro, que viera de Havre de Grace em 1816. Junto com seu companheiro, Saint Martin, procurava se empregar em um alambique de aguardente na vila da Cachoeira, Bahia.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 71 v

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro do passaporte do francês Pierre Constant que viera com sua mulher, Julia Rosa, do Rio de Janeiro em 17 de fevereiro de 1819. Seu intento era residir em Recife para negociar suas fazendas.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 74

    Conjunto documental: Matrícula de estrangeiros que vão residir em diversas capitanias do Brasil
    Notação: códice 371
    Data-limite: 1777-1819
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro do passaporte do francês João Guilherme Jacques, nobre e casado, que viera para Santa Catarina num comboio espanhol em 1771. De lá passou para a Vila de São Pedro do Sul, com o passaporte do governo, no intento de "viver da arte da medicina".
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 88

    Conjunto documental: Matrícula de franceses no Brasil
    Notação: códice 372
    Data-limite: 1802-1820
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Augusto Maria Taunay, de 49 anos, nobre e solteiro. Viera estabelecer-se na Corte com o ofício de escultor.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 2

    Conjunto documental: Matrícula de franceses no Brasil
    Notação: códice 372
    Data limite: 1802-1820
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Antonio Morrier, solteiro, de trinta anos de idade e residente na rua da Quitanda. Viera de Lisboa em 1817 para se estabelecer como cozinheiro e mestre em jogar facas.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 3

    Conjunto documental: Matrícula de franceses no Brasil
    Notação: códice 372
    Data limite: 1802-1820
    Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
    Código do fundo: ØE
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de passaporte do francês Augusto de Saint-Hilaire pela Polícia da Corte. Nobre, solteiro e de 37 anos, viera da capitania do Espírito Santo na lancha Bom Jardim. Era naturalista e havia chegado no ano de 1819.
    Data do documento: -
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 3v

    Conjunto documental: Fisicatura-mor
    Notação: códice 145, vol. 08
    Data-limite: 1818-1825
    Título do fundo ou coleção: Fisicatura-mor
    Código do fundo: 2O
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de carta do dentista francês Eugenio Frederico Guestin, morador da Corte do Rio de Janeiro, na qual o conselheiro José Correa Picanço confirma a permissão do estrangeiro para "tirar dentes e curar moléstias da boca e suas dependências". Diz que o francês passara pelo exame da Faculdade de Medicina de Paris, e ainda fora examinado pelos cirurgiões Domingos Ribeiro e Antônio Américo.
    Data do documento: 13 de março de 1820
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 110

    Conjunto documental: Fisicatura-mor
    Notação: códice 145, vol. 08
    Data-limite: 1818-1825
    Título do fundo ou coleção: Fisicatura-mor
    Código do fundo: 2O
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de carta do sangrador e cirurgião francês Brunet Achille, natural de Paris e morador da Corte do Rio de Janeiro. O conselheiro José Correa Picanço confirma a licença do estrangeiro para realizar a prática, e destaca que ele teria passado pelo exame dos cirurgiões aprovados Domingos Ribeiro e Antônio Américo.
    Data do documento: 17 de outubro de 1820
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 159

    Conjunto documental: Fisicatura-mor
    Notação: códice 145, vol. 08
    Data-limite: 1818-1825
    Título do fundo ou coleção: Fisicatura-mor
    Código do fundo: 2O
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: registro de carta do cirurgião francês Pedro Lasserre no qual o barão de Goyanna faz saber que o estrangeiro fora examinado pelos cirurgiões aprovados Vicente Ferreira Rodrigues de Souza e Antônio Joaquim Farto na presença do delegado Antônio Pedro Silva. No registro ainda consta o pagamento por parte do francês dos novos direitos no valor de 1600 réis.
    Data do documento: 29 de novembro de 1822
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 224v

    Conjunto documental: Livro original de termos e homenagens
    Notação: códice 11
    Data-limite: 1709-1788
    Título do fundo ou coleção: Secretaria do estado do Brasil
    Código do fundo: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: capitulação ajustada por João de Paiva Souto Maior, em nome do governador Francisco de Castro Moraes, com o corsário francês Duguay-Trouin na qual fica acertada a quantia de 610.000 cruzados, 100 caixas de açúcar e 200 cabeças de boi para o resgate da cidade do Rio de Janeiro. Também fica acertada a compra de pólvora e outras mercadorias dos invasores franceses por comerciantes do Rio de Janeiro, antes de seu embarque e partida definitivos.
    Data do documento: 10 de outubro de 1711
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 7

    Conjunto documental: Generalidades - gabinete do ministro
    Notação: IG¹ 606
    Data-limite: 1809-1874
    Título do fundo ou coleção: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: aviso de d. Rodrigo de Sousa Coutinho, conde de Linhares, para João Batista de Azevedo Coutinho de Montaury relatando a preocupação do príncipe regente quanto aos ajustes para a libertação dos prisioneiros franceses que se encontravam na Ilha das Cobras e na Fortaleza de Santa Cruz. Pede que seja ajustado o dia da entrega dos prisioneiros ao comissário do navio francês Parlamentório da forma como fora acertado com o governo francês e o chefe de divisão Luiz de Abreu Vieira e Paiva.
    Data do documento: 3 de julho de 1809
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 103

    Conjunto documental: Avisos e ofícios. Ministério da Fazenda.
    Notação: IJJ1 740
    Data-limite: 1817-1932
    Título do fundo ou coleção: Série Interior
    Código do fundo: A6
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Ementa: carta de João Paulo Bezerra a Tomás Antônio de Vila Nova Portugal lhe avisando que enviou o requerimento do francês João Deupoui, no qual este pede que lhe concedam livres direitos alfandegários para alguns artigos e também avisa que obteve o privilégio, junto a Real Junta de Comércio, para construir novos alambiques no reino. João Paulo Bezerra lembra que tal privilégio pode comprometer o Brasil com a Inglaterra devido ao tratado de 19 de setembro de 1810 e pede explicações a Tomás Antônio sobre o porquê dessas concessões.
    Data do documento: 5 de julho de 1817
    Local: -
    Folha(s): -

  • Bando do governador do Rio de Janeiro

    Bando do governador do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Moraes, decretando que qualquer francês residente na cidade embarcasse no dia 28 de agosto, às três da tarde, em um navio em direção ao reino. Manda espalhar a ordem nos lugares mais públicos, advertindo que quem escondesse um francês em sua casa poderia ser punido.

    Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
    Notação: códice 77, vol. 22
    Datas-limite: 1710-1713
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo ou coleção: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Data do documento: 27 de agosto de 1711
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 51 e 51v

     

    Francisco de Castro Moraes 

    Em os navios da presente frota se hão de embarcar os prisioneiros franceses[1] para cujo efeito mando que todos os sobreditos franceses estejam juntos amanhã, que se contarão 28 do presente mês pelas três horas da tarde no largo fronteiro às casas de palácio para se lhes nomearem as embarcações em que devem passar, e todo o que faltar não aparecendo às horas do dito dia será retido, e não embarcará nem se lhe dará licença para sair da prisão, e todo o morador que em sua casa tiver francês algum, e for consentido ou concorrer para que haja falta em se apresentar será castigado severamente, e preso pelo tempo que me parecer. E para que chegue a notícia de todos, e não possam alegar ignorância mandei lançar este bando[2] a som de caixas pelas ruas mais públicas desta cidade, fechando-se no lugar costumado e se registrará nos livros da Secretaria deste governo e no mais o que tocar. Dado nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro[3] aos vinte e sete dias do mês de agosto de mil e setecentos e onze, o secretário João de Oliveira a fez. Francisco de Castro Moraes[4].

     

    [1] Refere-se aos franceses que foram presos durante a segunda invasão ao Rio de Janeiro, que ocorreu em 12 de setembro de 1711, sob o comando do corsário francês René Duguay-Trouin, numa tentativa de reparar e vingar a derrota sofrida por Jean François Du Clerc, que tentara ocupar a cidade alguns meses antes. Depois de pilhar a cidade e afastar a população para o interior, Duguay-Trouin exigiu o pagamento de um resgate sob pena de destruí-la. Libertou os prisioneiros feitos na primeira invasão e os cripto-judeus – judeus que praticavam sua fé e seus costumes em segredo, por receio de perseguições religiosas – que seriam enviados à Inquisição em Portugal. O governador Francisco de Castro Morais acabou permitindo que o corsário levasse todo o ouro e riqueza que conseguisse encontrar, tendo em vista que, na fuga para o interior, a população carregara consigo seus pertences de valor, tornando impossível arrecadar o resgate exigido. Enquanto esteve ocupada, a cidade do Rio de Janeiro foi duramente saqueada e teve vários prédios e construções destruídos pelo fogo ou pela tropa invasora.

    [2] Nome dado a uma determinação ou decreto do governador, tratando de repasse de ordens régias sobre determinados assuntos, tendo, na maioria das vezes, caráter circunstancial para atender as necessidades momentâneas. O bando deveria ser lido nas ruas da vila ou arraial e fixado nos lugares públicos mais frequentados.

    [3] A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

    [4] Governador da cidade do Rio de Janeiro no período das duas invasões francesas: de Du Clerc, em 1710 e de DuGuay Trouin, no ano seguinte. Na ocasião do primeiro ataque, conseguiu, a muito custo, evitar a tomada da cidade e prender os franceses, inclusive o líder, Du Clerc, que acabou morrendo preso em 1711. Durante a investida de Trouin teve fraca atuação, não oferecendo grande resistência. Tendo sido avisado de que um grande corso de aproximava do Rio de Janeiro visando tomar a cidade, Morais deu início à preparação dos fortes e tropas, mas acabou suspendendo as medidas preventivas ao não notar nenhuma movimentação no mar. No entanto, os navios da armada francesa surpreenderam os moradores, entrando muito rapidamente na baía, sob neblina, e pegando a cidade despreparada. Alguns atribuem a essa grande surpresa a falta imediata de ação do governador. A população fugiu com seus bens de maior valor para os sertões no entorno da cidade e Morais, temeroso e aguardando socorro das tropas de Antônio de Albuquerque que viriam das Minas Gerais, acabou sucumbindo e permitindo que Du Guay pilhasse a cidade e levassem grande quantia em dinheiro e gêneros, alguns próprios, para que ele reunisse seus homens e deixasse a cidade, o que acabou acontecendo. A pedido dos vereadores, que questionaram a ação do governador, a Coroa mandou que se fizesse uma devassa dos acontecimentos ocorridos e Morais foi condenado por crime de covardia contra a cidade e os bens reais, que traía os princípios de nobreza. Teve seus privilégios cassados e foi responsabilizado pela derrota na invasão, levado à prisão perpétua em um forte na Índia.

     

    Capitulação ajustada com Duguay-Trouin

    Capitulação ajustada por João de Paiva Souto Maior, em nome do governador Francisco de Castro Moraes, com o corsário francês Duguay-Trouin na qual fica acertada a quantia de 610.000 cruzados, 100 caixas de açúcar e 200 cabeças de boi para o resgate da cidade do Rio de Janeiro. Também fica acertada a compra de pólvora e outras mercadorias dos invasores franceses por comerciantes do Rio de Janeiro, antes de seu embarque e partida definitivos.

    Conjunto documental: Livro original de termos e homenagens
    Notação: códice 11
    Datas-limite: 1709-1788
    Título do fundo ou coleção: Secretaria do estado do Brasil
    Código do fundo ou coleção: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Data do documento: 10 de outubro de 1711
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 7-7v

     

    Capitulações[1] que o governador Francisco de Castro Moraes[2] ajustou com o inimigo francês nesta cidade cujo teor é o seguinte.

    Saibam quantos este público instrumento dado, e passado em pública forma do ofício de mim tabelião virem que no ano do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil setecentos e onze anos, aos onze dias do mês de novembro do dito ano nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro[3] em pousada do juiz de fora[4] doutor Luís Forte Bustamante aonde eu tabelião fui e sendo aí por ele me foi apresentada uma resposta do senhor governador às capitulações do senhor general francês, cujo teor é o seguinte.

    Que promete de pagar seiscentos mil cruzados em doze ou quinze dias; e que por não sentir donde possa tirar mais contribuição deste povo[5], ofereceu a sua senhoria cem caixas de açúcar[6], duzentos bois, e dez mil cruzados em dinheiro, ficando com o sentimento de se não achar com mais para lhe oferecer; e o sobredito ajuste é pelo resgate da soberania da terra, Cidade Redonda[7], e suas fortalezas com todas as artilharias a elas pertencentes.

    Que a pólvora se comprará[8] aos senhores oficiais franceses.

    Que pela manhã irão os reféns até satisfazer o dinheiro prometido.

    Que as mais condições se acomodarão com a intenção de sua senhoria para o embarque das tropas.

    E que para as mercadorias enviará homens de negócio que tenham dinheiro para comprá-las[9] ficando desde hoje em paz assim com os moradores do país como com as embarcações que entrarem nele.

    Campanha dez de outubro de mil setecentos e onze anos.

    Le chevalier Duguay Trouin[10] = Vue par nous chevalier conseiller du roi en ses conseilles, inspecteur general de la Marine et conseiller au parlement de ilegível.

    João de Paiva Souto Maior

    O qual traslado de instrumento trasladei bem e fielmente do próprio que me reporto, e o corri concertei escrevi e assinei em público e raso nesta cidade aos onze dias do mês de novembro de mil setecentos e onze anos.

    Em testemunho de verdade.

    João de Carvalho e Matos

     

    [1] As capitulações ajustadas entre o governador do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Moraes, e o corsário francês Duguay-Trouin, tornaram-se célebres: por terem sido consideradas vergonhosas, à época da segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro em 1711, representam a rendição da cidade ante o inimigo francês que a invadiu sem encontrar maior resistência por parte dos moradores e das tropas locais. A atuação hesitante do governador, que preferiu entregar as riquezas da cidade a enfrentar os invasores, rendeu-lhe a prisão e o degredo.

    [2] Governador da cidade do Rio de Janeiro no período das duas invasões francesas: de Du Clerc, em 1710 e de DuGuay Trouin, no ano seguinte. Na ocasião do primeiro ataque, conseguiu, a muito custo, evitar a tomada da cidade e prender os franceses, inclusive o líder, Du Clerc, que acabou morrendo preso em 1711. Durante a investida de Trouin teve fraca atuação, não oferecendo grande resistência. Tendo sido avisado de que um grande corso de aproximava do Rio de Janeiro visando tomar a cidade, Morais deu início à preparação dos fortes e tropas, mas acabou suspendendo as medidas preventivas ao não notar nenhuma movimentação no mar. No entanto, os navios da armada francesa surpreenderam os moradores, entrando muito rapidamente na baía, sob neblina, e pegando a cidade despreparada. Alguns atribuem a essa grande surpresa a falta imediata de ação do governador. A população fugiu com seus bens de maior valor para os sertões no entorno da cidade e Morais, temeroso e aguardando socorro das tropas de Antônio de Albuquerque que viriam das Minas Gerais, acabou sucumbindo e permitindo que Du Guay pilhasse a cidade e levassem grande quantia em dinheiro e gêneros, alguns próprios, para que ele reunisse seus homens e deixasse a cidade, o que acabou acontecendo. A pedido dos vereadores, que questionaram a ação do governador, a Coroa mandou que se fizesse uma devassa dos acontecimentos ocorridos e Morais foi condenado por crime de covardia contra a cidade e os bens reais, que traía os princípios de nobreza. Teve seus privilégios cassados e foi responsabilizado pela derrota na invasão, levado à prisão perpétua em um forte na Índia.

    [3] A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

    [4] Cargo de magistrado criado no Brasil em 1696. Nomeado pelo rei por três anos, possuía as seguintes atribuições: aplicar justiça contra aqueles que cometessem crimes em sua jurisdição; compor as sessões da Câmara; cumprir as funções de juiz dos órfãos nas localidades desprovidas deste ofício de justiça; dar audiências nos conselhos, vilas e lugares de sua jurisdição; garantir o respeito do clero à jurisdição da Coroa. Em fins do século XVIII, assumiu as atribuições antes delegadas ao juiz ordinário ou da terra, pois se acreditava que ele obteria isenção na administração da justiça aos povos, por não possuir vínculos pessoais com os mesmos. Como o próprio nome já diz, originalmente este juiz vinha de fora da colônia, isto é, do Reino. A criação do cargo significou o reforço da autoridade régia sobre os territórios ultramarinos.

    [5] Com a invasão dos franceses ao Rio de Janeiro, a maior parte dos habitantes da cidade, especialmente os comerciantes e proprietários de posses, fugiu para os sertões no entorno carregando suas riquezas, visando a escondê-las dos saques promovidos pelos corsários, abandonando mulheres e filhos a mercê dos franceses. Por essa razão, o governador Francisco de Moraes acreditava ser difícil obter mais alguma riqueza, pois o que não havia já sido pilhado daqueles que ficaram na cidade, achava-se escondido com seus donos nos sertões. A cidade pouco resistiu ao poder bélico francês. Sequestrada durante dois meses, a população do Rio de Janeiro somente se viu livre dos franceses após o pagamento do devido resgate. Segundo capitulação ajustada pelo governador, o valor do resgate foi de 610.000 cruzados, 100 caixas de açúcar e 200 bois, além dos bens e produtos sequestrados, em parte revendidos aos próprios moradores da localidade. Em seu diário de bordo, Duguay-Trouin afirma que o ouro pertencente ao rei de Portugal não foi encontrado porque a população o escondeu na mata, longe da cidade.

    [6] Produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

    [7] Termo utilizado durante as negociações para a capitulação ajustada entre o corsário francês Duguay Trouin e o governador do Rio de Janeiro durante a invasão francesa na cidade em 1711.

    [8] Conhecida como a arma do diabo no período colonial, foi a principal munição de combate a partir do século XIV, dando novas dimensões à guerra, ao permitir a criação das armas de fogo. Embora tenha sido inventada pelos chineses, chegou ao Ocidente com os árabes. Resultado da mistura inflamável e explosiva de salitre, enxofre e carvão, com que se carregam os cartuchos das armas de fogo, a pólvora teve grande importância estratégica para Portugal, tendo sido largamente usada na conquista e defesa de territórios no ultramar, sobretudo na América e nas guerras do país. No século XVIII, após um aperfeiçoamento na produção e mistura desses componentes, produziram-se várias espécies de pólvora, com diferentes poderes de destruição. Durante o período colonial, toda a produção e o comércio eram monopólio da Coroa, sendo o Estado da Índia o principal fornecedor de salitre e outras matérias-primas, até o declínio do comércio indo-europeu. Em virtude das dificuldades encontradas, a Coroa incentivou a busca de minas de salitre na África e no Brasil, tendo sido descobertas no interior da Bahia e das Minas Gerais. O consumo de pólvora nos domínios ultramarinos, sobretudo no Brasil, era muito grande, tanto pelo governo, que a utilizava largamente na defesa do território, quanto pelos particulares, para a defesa da propriedade. Isto justifica o interesse da Coroa em manter o monopólio de um produto tão lucrativo e útil. As novas minas descobertas no Brasil deveriam ser exploradas somente pela Coroa, o que não aconteceu. Alguns particulares, atraídos pelos lucros da extração e comércio do salitre e da pólvora, iniciaram manufaturas e, mesmo tendo sido duramente reprimidos e perseguidos pela Coroa, numerosas foram as fábricas clandestinas que existiam no interior de Minas Gerais. O salitre de Minas Gerais era de boa qualidade e em quantidade suficiente para fornecer a produção em Vila Rica e no Rio de Janeiro, além de ser exportado. Este setor produtivo acabou por entrar na pauta dos estudos das universidades e academias científicas portuguesas, gerando pesquisas e a redação de memórias sobre a mineralogia que procuravam novas técnicas de extração e exploração econômica. A Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas foi criada em 1808 pelo príncipe d. João, visando produzir o suficiente para suprir o mercado interno do Brasil. O feito só foi possível com a revogação, assinada por d. João em 1o de abril de 1808, do alvará de 5 de janeiro de 1785, no qual d. Maria I proibira o estabelecimento de manufaturas no Brasil. A direção técnica e científica foi dada a Carlos Antônio Napion, que havia tido o mesmo cargo em Portugal e tinha grande experiência no setor. O decreto de 1808 que criou a Real Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas deu origem também ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que só foi mencionado explicitamente na legislação em 1811. A localização da fábrica próxima à lagoa deveu-se à abundância de água e ao desnível do terreno, vantajoso para movimentação das máquinas de produção de pólvora, bem como à distância em relação ao centro da cidade. A reorganização das forças militares na América portuguesa, irrompida com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, trouxe a necessidade de dotar a sede do governo luso-brasileiro de infraestrutura bélica, incluindo a construção da fábrica de pólvora.

    [9] O mesmo que aconteceu com a pólvora, sucedeu-se com as mercadorias que os franceses conseguiram pilhar aos moradores e casas de comércio da cidade. Para reaverem seus pertences, especialmente fazendas e outros artigos, os comerciantes e a elite local, sobretudo, precisaram comprá-los de volta, aumentando a renda dos franceses para deixarem a cidade, e a humilhação dos habitantes do Rio de Janeiro, em face de uma entrega tão fácil da cidade aos estrangeiros.

    [10] O corsário francês René Duguay-Trouin foi o responsável por liderar a segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro, ocorrida em 12 de setembro de 1711, numa tentativa de reparar e vingar a derrota sofrida por Jean François DuClerc (?-1711) que tentara ocupar a cidade alguns meses antes e fora duramente derrotado. Capitão da Marinha Real francesa, Duguay-Trouin envolveu-se em numerosas campanhas e armações, negócios antigos de sua família na Bretanha francesa, destacando-se na Guerra de Sucessão Espanhola (1702). Foi nomeado, em 1711, comandante da poderosa esquadra que conquistou a Baía de Guanabara, com 17 navios, mais de 700 canhões e 5.403 homens preparados para a guerra. Depois de pilhar a cidade, com boa parte da população fugida para o interior com seu ouro e outros valores, Duguay-Trouin exigiu o pagamento de um resgate sob pena de destruí-la, pedido prontamente atendido pelo governador Francisco de Castro Morais, que não ofereceu resistência, temeroso do arrasamento total da cidade. Esperando ouro e prata, o corsário teve de se contentar com cruzados, bois, pães de açúcar e outros produtos de algum valor, já que a população que ficara na cidade não tinha muitas riquezas a oferecer. Retornou à França em novembro do mesmo ano, com os navios carregados com moedas e outras mercadorias, mas boa parte da pilhagem foi perdida com tempestades no caminho da volta e com o naufrágio de duas de suas embarcações na região dos Açores. Chegou à França em 1712 bastante enfermo e, somente em 1715, foi nomeado chefe de Esquadra pelos seus préstimos à Coroa francesa. Alcançou o posto de almirante da Marinha francesa, recebeu o título de cavaleiro da Ordem Real de São Luís, além do título de nobreza de 1709. Uma estátua em homenagem ao corsário pode ser admirada no Palácio de Versalhes. Anos depois, em 1740, publicou suas Memórias do Senhor Duguay-Trouin, que correspondem ao período entre 1689 e 1715 de sua vida, nas quais narrava, entre outras, a aventura da invasão ao Rio de Janeiro. (Traduzida e publicada pelo Arquivo Nacional, editora UnB e Imprensa Oficial de São Paulo em 2003.)

     

    Joana d'Entremeuse

    Ofício de d. José de Castro, conde de Resende, vice-rei do Brasil, no qual avisa a d. Rodrigo de Souza Coutinho sobre a chegada do navio espanhol Boa Viagem. Informa que três franceses embarcados no navio, donos de muitas fazendas, foram retidos no Rio de Janeiro aguardando a decisão do regente quanto a sua situação. Entre eles, o conde de Resende destaca a francesa Joana d'Entremeuse, que segundo ele, foi trazida pela embarcação espanhola da cidade da Bahia, tendo novamente embarcado para Montevidéu com um navio carregado de mercadorias próprias. Após ter naufragado, carregou novamente sua embarcação e entrou no porto do Rio de Janeiro. Na cidade foi permitida a venda de seu navio e de lá partiu novamente para Montevidéu em navio fretado. Após alguns meses retornou à cidade tendo como destino o Cabo da Boa Esperança e a Ilha de França. Pedira ela ao conde de Resende a permissão para que pudesse navegar sob bandeira portuguesa a fim de evitar confrontos com ingleses. Tendo seu pedido negado, partiu para Lisboa para de lá continuar viagem em direção à sua pátria.

    Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
    Notação: códice 69, vol. 09
    Datas-limite: 1799-1799
    Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
    Código do fundo ou coleção: 86
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Data do documento: 5 de junho de 1799
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 57 a 58v

     

    No 303

    Ilustríssimo e excelentíssimo senhor. No ofício 65 dei conta a vossa excelência da arribada, que aqui fez Eleutério Tavares, capitão do navio espanhol Boa Viagem, e dos motivos por que tanto ele como três franceses, que se fazem donos de muitas fazendas embarcadas no mesmo navio, se acham retidos nesta cidade até que este negócio mereça a real decisão de sua majestade.
    Entretanto uma francesa, que se intitula Joana d'Entremeuse[1], e que nesta cena parece que tem igualmente representado, me dá ocasião a descrever a vossa excelência a sua conduta por não julgar indiferente a viagem que esta mulher fez para Lisboa no próximo comboio, quando ela pela sua nação, pela sua viveza, pelo seu caráter insinuante, e pelos seus projetos, e indústria[2] se faz merecedora de ser olhada com circunspecção.
    Tendo arribado o dito navio Boa Viagem à cidade da Bahia, esta francesa, que nele ia de passagem, deixou de se embarcar outra vez para Montevidéu em companhia do capitão Eleutério Tavares, e navegou depois para o mesmo porto em uma embarcação carregada por sua conta; mas tendo a infelicidade de naufragar, se é certo o que refere, do pouco que salvou, e pôde apurar, carregou novamente o seu navio, e entrou no porto desta cidade. Atendendo a vários requerimentos que me apresentou, e que pareciam justos, ainda que sempre me deveu a maior desconfiança lhe permiti a venda do navio, por não haver ordem em contrário, e juntamente a dos gêneros da sua carga, por serem todos suscetíveis de corrupção, precedendo sempre o parecer do ouvidor juiz da Alfândega[3], como pratico antes de tomar semelhantes deliberações.
    Executada esta primeira ação, tornou a fazer viagem a Montevidéu em embarcação a fretada, levando carga de alguns efeitos do país, que lhe concedi somente quanto bastasse para o seu aprovisionamento. Passados meses, apareceu aqui segunda vez esta mulher em navio seu, dizendo que saíra de Montevidéu com o destino de ir ao Cabo da Boa Esperança[4], e passar-se a ilha de França[5], e que por evitar contestações com piratas[6] francesas [sic], pedira um ressalvo de Augusto Carbonel, comandante do corsário denominado Buonaparte, para poder navegar com segurança debaixo da bandeira castelhana. Todo o seu empenho logo que chegou a esta cidade foi pretender de mim um despacho, e permissão para poder navegar com pavilhão português, a fim de escapar de todo o encontro que tivesse com embarcações inglesas. Neguei-lhe absolutamente semelhante pretensão tão ofensiva da boa-fé, e aliança que existe entre esta nação, e a portuguesa, e até lembrando-me de que esta má fé constaria aos mesmos piratas franceses, se algum encontrasse com o navio desta mulher, e conhecesse a dissimulação com que navegava.
    Desenganada de uma vez de não conseguir o seu intento, projetou navegar para Lisboa debaixo da proteção do comboio de Antônio José Valente, com depois me foi constante, mas figurando na sua imaginação, pois não tinha fundamento algum para o supor, que eu lhe denegaria também essa licença, tratou de vender o navio, como com efeito vendeu estipulando logo com o comprador de lhe dar a passagem livre para Lisboa, e a tudo o que lhe pertencesse.
    Finalmente embarcou esta francesa com o desígnio de passar-se de Portugal à sua terra; e por não entreter a vossa excelência com outras muitas particularidades menos interessantes, que ocorreram nestas viagens, deixo-as em silêncio, e só torno a repetir a vossa excelência que o procedimento desta mulher se me faz tão suspeitoso, que me considero na obrigação de participá-lo a vossa excelência.
    Deus guarde a vossa excelência. Rio de Janeiro cinco de junho de mil setecentos noventa e nove = Conde de Resende[7] = Senhor d. Rodrigo de Souza Coutinho[8].

     

    [1] Uma das mais conhecidas contrabandistas de sua época, Joana D’Entremeuse atuou na região do Atlântico Sul e foi uma das raras mulheres envolvidas neste tipo de negócio, incluindo aí o corso e o comércio negreiro [ver tráfico de escravos]. Francesa de nascimento, exilou-se ou foi exilada nas ilhas Maurício em 1792, no auge da fase da Revolução Francesa conhecida como Terror, e lá se estabeleceu como “comerciante”. Era viúva e tinha duas filhas, uma das quais ainda vivia com seu sogro na França. Tinha fama de republicana, embora não o confirmasse ou negasse, e além de causar espanto e suspeição por suas atividades pouco usuais e ilegais, ainda era temida por representar as perigosas ideias e princípios franceses. Joana era proprietária do navio Boa Viagem e de sua carga, contrabandeada e pilhada em corso, e fazia parte de uma grande rede de contrabandistas que atuava entre o Prata, as possessões portuguesas na América e África e as ilhas onde habitava. Este bando “tirava o sono” das autoridades que não conseguiam impedir o contrabando e o comércio fora do exclusivo colonial. Talvez, Joana tenha se aproveitado de sua “viveza” e do “caráter insinuante”, atribuído a ela pelas autoridades locais, para conseguir burlar os funcionários da Coroa, desembarcar no Brasil, vender suas fazendas (contrabandeadas), embarcar mais uma vez para Montevidéu com produtos brasileiros (que lá vendeu) e retornar ao Rio de Janeiro, para dirigir-se ao Cabo da Boa Esperança, certamente carregando mais itens. Seu comportamento gerou as maiores suspeitas do vice-rei, o conde de Resende, que, em 1799, escreveria ao secretário de estado d. Rodrigo, sobre a suposta passageira que pretendia seguir para sua terra natal com a finalidade de buscar a filha e o sogro para viverem com ela. Apesar das suspeitas, conseguiu a proteção que precisava para seguir para Lisboa sob bandeira portuguesa. A francesa foi recebida em Portugal com grande desconfiança pelas autoridades locais, que implementaram uma investigação a seu respeito e encontraram evidências de suas atividades ilegais. Foi presa nesse mesmo ano, quando se procedeu a uma grande devassa para desvendar seus negócios, chegando-se a acreditar que pudesse ser uma espiã da República francesa nos domínios portugueses. Foi solta no ano seguinte por falta de provas, já que os papéis que a incriminavam desapareceram misteriosamente do processo. Voltou para França após o processo, não se tendo mais notícias dela.

    [2] Na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal, sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ourodiamantes e pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta prática.

    [3] Organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

    [4] Situado ao sul do continente africano, é conhecido por ser uma localização geográfica importante durante o processo de expansão marítima europeia. No século XV, Portugal buscou novas rotas marítimas para comercializar os produtos provenientes do Oriente Médio. Além da conquista de novos territórios ao longo do litoral norte da África, portugueses chegaram ao limite do território africano, região de navegação perigosa, com águas turbulentas que ofereciam muitas dificuldades para a tecnologia marítima da época. Em 1488, o navegador português Bartolomeu Dias chegou à região com sua tripulação enfrentando vários dias de severas tempestades que colocaram em risco a sobrevivência da expedição, o que levou o navegador português a chamar esse local de Cabo das Tormentas, mais tarde denominado Cabo da Boa Esperança. Essa conquista significou a descoberta de uma nova ligação com as Índias e a ampliação das rotas comerciais que não mais eram obrigadas a passar pelo mar Mediterrâneo para alcançar mercados orientais.

    [5] Atuais ilhas Maurício, cuja capital é Port Louis. Descobertas inicialmente pelos portugueses em 1505, foram colonizadas pelos holandeses a partir de 1638, que a nomearam em homenagem a Maurício de Nassau. Os franceses controlaram a ilha em 1715 e a chamavam Île de France. Em 1814 os britânicos tomaram a ilha, restaurando o nome original.

    [6] O saque, a pilhagem e o apresamento de embarcações e povoados vulneráveis foram, durante séculos, realizados por grupos organizados, que atuavam sob as ordens de um soberano ou de forma independente. O termo pirataria define uma atividade autônoma, sem qualquer consideração política ou razões de Estado (comerciais ou estratégicas). Sem nacionalidade juridicamente reconhecida, os piratas lançavam-se ao mar pilhando embarcações ou atacando regiões costeiras para angariar riquezas. Há registro de ataques piratas à costa brasileira, no período colonial, motivados pelo contrabando de produtos como o pau-brasil, bem como pela captura de escravos indígenas. Tornaram-se célebres os piratas franceses Jean Florin, Laudinière, Montbars, os irmãos Lafitte e Jean Davis, conhecido como o Olonês, que atuaram na região das Antilhas. Em um universo majoritariamente masculino, algumas mulheres disfarçadas também fizeram história, como Mary Head e Anne Bonney. O último reduto da pirataria ocidental foi o Mediterrâneo, onde piratas gregos e berberes eram atuantes desde a Idade Média. Não se deve confundir piratas com corsários. O corsário tem sua origem na Idade Média, mas se tornou especialmente importante durante os tempos modernos. Ao contrário do pirata, do ponto de vista do direito internacional, o corsário é um combatente regular, ligado a um Estado, a quem o governo dava uma carta de corso. Poderia ser mantido diretamente pelo governo ou por um particular. Não há grande diferença dos piratas quanto aos métodos. Porém, o corso reservava de 1/3 a 1/5 do butim para o tesouro real e executava ataques encomendados pelos Estados a que serviam, tal como DuGuay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro em 1711 a serviço da Coroa francesa no âmbito da guerra de sucessão espanhola, colocando em lados opostos França e Portugal, aliados, respectivamente, à Espanha e à Inglaterra.

    [7] D. José Luís de Castro (1744-1819), 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

    [8] Afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

     

    Recomendações do vice-rei

    Minuta de ofício do vice-rei, d. Fernando José de Portugal e Castro, para o ministro da Marinha e Ultramar, d. Rodrigo de Souza Coutinho, acerca de uma recomendação do príncipe regente em 15 de dezembro de 1802, no qual se pedia aos governadores do Brasil toda cautela e vigilância a respeito das embarcações de guerra francesas que arribassem aos portos brasileiros. Pede que não façam esclarecimentos sobre os lugares mais propícios de se efetuar desembarques, principalmente na Ilha Grande e em Santa Catarina, tratando-os ao mesmo tempo com a maior civilidade para que a Corte portuguesa não se comprometesse com aquela República.

    Conjunto documental: Correspondência com Portugal - minutas de ofícios
    Notação: caixa 494, pct. 01
    Datas-limite: 1762-1803
    Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo ou coleção: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Data do documento: 4 de abril de 1803
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

     

    Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

    Por um dos navios que proximamente entraram neste porto recebi o ofício de vossa excelência datado em 15 de dezembro do ano passado em que o príncipe regente[1] nosso senhor me recomenda, como também aos principais governadores do Brasil toda a cautela, e vigilância a respeito das embarcações de guerra francesas que arribarem a estes portos para que não façam explorações sobre os lugares em que se podem intentar desembarques, principalmente na Ilha Grande[2], e em Santa Catarina[3], tratando-as ao mesmo tempo com a maior civilidade, e atenção, para que a nossa Corte se não comprometa com aquela República[4].
    Fico certo de executar esta real ordem na forma que se me ordena, apesar do embaraço que de ordinário se encontra em praticar muita civilidade, e atenção, observando ao mesmo tempo o rigor da lei, a que com mais dificuldade, e repugnância se sujeitam os oficiais das embarcações de guerra das nações estrangeiras, com os quais é necessário às vezes usar de contemplação em certos pontos, porque tudo tomam por ofensa, como a experiência me tem mostrado, repugnando alguns andarem acompanhados por oficiais da nossa tropa.
    É sem dúvida bem conveniente evitar por todos os modos que os franceses averiguem, e procurem conhecer os lugares mais próprios para desembarques, mas estaríamos ainda mais seguros, e tranquilos se as suas navegações anteriores, e de outras diversas nações, os não tivessem já instruído na qualidade, e bondade dos nossos portos, e das principais fortalezas, e forças que neles existem, ainda sem me lembrar que os holandeses[5] foram senhores por algum tempo de parte do Brasil, os espanhóis da Ilha de Santa Catarina, que o general francês Duguay-Trouin[6] tomou esta cidade do Rio de Janeiro em 1711.
    Ao governador da Ilha de Santa Catarina, e ao coronel de milícias da Ilha Grande escrevo as ordens necessárias a este respeito, não me resolvendo contudo a enviar-lhe por cópia o mencionado ofício rasura no original, nem a referir-lhe miudamente o seu conteúdo, por vossa excelência me ordenar, guarde nesta matéria o maior segredo, como se faz preciso, contentando-me lhes ordenar que no caso de tocarem ali algumas embarcações de guerra francesas procurem evitar que seus oficiais façam explorações sobre os lugares em que possam tentar desembarques, observando os seus passos praticando ao mesmo tempo com eles a maior civilidade, e atenção.

    Deus guarde a vossa excelência. Rio, 4 de abril de 1803

    Senhor dom Rodrigo de Souza Coutinho[7]

     

    [1] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [2] Descoberta por Gonçalo Coelho em 1502, a Ilha Grande, na baía de Angra dos Reis, foi incorporada à administração colonial portuguesa ainda no século XVI, quando começou a se formar o primeiro núcleo colonizador. Já era, a esta altura, local conhecido de navegantes e contrabandistas franceses, espanhóis, ingleses e holandeses, que costumavam por lá aportar, e, claro, de portugueses, que enfrentaram longos embates com os índios tamoios pela posse e ocupação definitiva da ilha. A Ilha Grande, que até 1726 era parte da capitania de São Vicente, quando finalmente foi incorporada ao Rio de Janeiro, era alvo constante de ataques de piratas e corsários, e serviu de refúgio, local de comércio e abastecimento para corsários e para os muitos contrabandistas de diversas nacionalidades que lá desembarcavam com freqüência, a despeito dos esforços das autoridades da Coroa para reprimir e conter o comércio ilícito. No início do século XIX foi elevada a freguesia de Santana de Ilha Grande de Fora e ao longo do oitocentos foi um ponto importante de desembarque de escravos africanos, especialmente depois da abolição do tráfico inter-atlântico. A colonização começou mais efetivamente depois de 1725, quando da expansão da cultura açucareira. Outra lavoura que chegou a se desenvolver na ilha foi a do café, embora com menor expressividade do que o açúcar. No entanto, a ilha manteve-se ao longo do período colonial como um ativo local de contrabando, de produtos vindos da Europa, de pau-brasil, e sobretudo de escravos.

    [3] Parte do atual município de Florianópolis, a ilha era habitada por índios Carijó que foram, com a chegada de bandeirantes vicentinos na região em 1637, exterminados ou convertidos à escravidão nos engenhos que ali se instalaram. A ilha de Santa Catarina convertera-se no posto português mais avançado ao sul da América portuguesa. No contexto de disputas territoriais entre as Coroas ibéricas pelo controle da região, em 1777, a ilha foi invadida pelos espanhóis, permanecendo por oito meses na região até a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, no mesmo ano. Seu nome seria alterado em 1845, com o fim da República Farroupilha, que tinha como sede a cidade de Laguna. Florianópolis, como seria rebatizada a ilha, era uma homenagem ao marechal Floriano Peixoto, cujo governo foi responsável pela derrota da Revolução Farroupilha.

    [4] A referência à República Francesa se deve ao estado francês, que, em pleno processo revolucionário, extinguiu a monarquia e adotou uma nova forma de governo - a república. Esta não era exatamente uma novidade no mundo moderno. Em 1776 as treze colônias inglesas na América do Norte se libertaram do domínio metropolitano e se tornaram uma república em um mundo no qual preponderavam as monarquias, absolutistas ou constitucionais. Esse mundo, ao passo que compartilhava de estruturas ainda feudais e aristocráticas, principalmente na Europa, também vivia sob o impacto das ideias iluministas associadas à construção de um novo pacto social. A Revolução Francesa tornou-se a grande difusora dos princípios das Luzes, sobretudo o de liberdade, que passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os "abomináveis princípios franceses". Em 1792, depois da tentativa de fuga de Luís XVI, a Convenção decide pela extinção da monarquia, ato que culmina com a execução do rei em janeiro de 1793. Instaura-se a República na França neste período que ficou mais conhecido como o Terror jacobino, e que perdurou até 1799 quando do golpe de Napoleão Bonaparte, que instaura o Império. Este momento simboliza a recriação do pacto social, cujo novo formato seria inspirado nos ideais antigos de liberdade clássica, na qual o cidadão participa ativa e diretamente da vida pública e política do país. No entanto, não fica clara a forma de governo adotada, que mais se assemelha a uma ditadura, encabeçada por Robespierre. A primeira república consiste na radicalização do princípio democrático, inspirada no pensamento de Rousseau, que apavorou o restante do mundo do Antigo Regime, como por exemplo Portugal, ante a possibilidade de expansão das idéias que poderiam levar à independência de colônias e à queda de reis. Apesar da curta existência, representou uma grande mudança no equilíbrio de forças na Europa e inaugurou um novo tempo. Esse período, que constantemente se confunde com o terror, com jacobinismo, mas também com o exercício (ainda que problemático) da democracia, com liberdade, igualdade e fraternidade, com os direitos universais do homem, acabou sucumbindo, no dizer de José Murilo de Carvalho na Formação das Almas, por um excesso de liberdade e falta de governo - oposto do que aconteceu na vitoriosa revolução americana.

    [5] O‌ ‌interesse‌ ‌dos‌ ‌holandeses‌ ‌‌pelo‌ ‌território‌ ‌brasileiro‌ ‌remonta‌ ‌ao‌ ‌século‌ ‌XVI,‌ ‌quando‌ ‌estes‌ ‌já‌ ‌empreendiam‌ ‌viagens‌ ‌à‌ ‌‌colônia‌ ‌portuguesa‌ ‌na‌ ‌América,‌ ‌motivados,‌ ‌sobretudo,‌ ‌pelo‌ ‌lucrativo‌ ‌comércio‌ ‌do‌ ‌‌açúcar‌ ‌e‌ ‌buscando‌ ‌recolher‌ ‌informações‌ ‌acerca‌ ‌do‌ ‌potencial‌ ‌econômico‌ ‌costeiro,‌ ‌das‌ ‌possíveis‌ ‌rotas‌ ‌marítimas‌ ‌e‌ ‌dos‌ ‌melhores‌ ‌pontos‌ ‌para‌ ‌atracamento.‌ Com‌ ‌a‌ ‌proibição‌ ‌da‌ ‌entrada‌ ‌de‌ ‌estrangeiros‌ ‌no‌ ‌Brasil‌ ‌em‌ ‌1605,‌ ‌durante‌ ‌a‌ ‌União‌ ‌Ibérica,‌ ‌as‌ ‌incursões‌ ‌holandesas‌ ‌ao‌ ‌território‌ ‌da‌ ‌colônia‌ ‌escassearam.‌ ‌Esse‌ ‌período‌ ‌de‌ ‌união‌ ‌luso-espanhol‌ ‌e‌ ‌das‌ ‌guerras‌ ‌de‌ ‌independência‌ ‌dos‌ ‌Países‌ ‌Baixos‌ ‌contra‌ ‌a‌ ‌‌Espanha‌ ‌é‌ ‌decisivo‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌compreensão‌ ‌dos‌ ‌ataques‌ ‌holandeses‌ ‌ao‌ ‌nordeste‌ ‌brasileiro‌ ‌nas‌ ‌primeiras‌ ‌décadas‌ ‌do‌ ‌século‌ XVII.‌ ‌Durante‌ ‌as‌ ‌guerras‌ ‌de‌ ‌independência,‌ ‌uma‌ ‌das‌ ‌medidas‌ ‌adotadas‌ ‌por‌ ‌Felipe‌ ‌II,‌ ‌rei‌ ‌das‌ ‌duas‌ coroas‌ ‌ibéricas,‌ ‌foi‌ ‌a‌ ‌suspensão‌ ‌do‌ ‌comércio‌ ‌entre‌ ‌Holanda‌ ‌e‌ ‌‌Portugal‌ ‌‌e‌ ‌suas‌ ‌colônias,‌ ‌incluindo‌ ‌a‌ ‌América‌ ‌lusa.‌ ‌Tal‌ ‌proibição‌ ‌afetava‌ ‌diretamente‌ ‌o‌ ‌comércio‌ ‌do‌ ‌açúcar‌ ‌brasileiro,‌ ‌uma‌ ‌vez‌ ‌que‌ ‌os‌ ‌flamengos‌ ‌eram‌ ‌os‌ ‌principais‌ ‌investidores‌ ‌da‌ ‌agroindústria‌ ‌açucareira.‌ ‌Caberia‌ ‌à‌ ‌Companhia‌ ‌Neerlandesa‌ ‌das‌ ‌Índias‌ ‌Ocidentais,‌ ‌fundada‌ ‌em‌ ‌1621‌ ‌e‌ ‌detentora‌ ‌do‌ ‌monopólio‌ ‌desse‌ ‌comércio,‌ ‌o‌ ‌restabelecimento‌ ‌das‌ ‌transações‌ ‌mercantis‌ ‌entre‌ ‌neerlandeses‌ ‌e‌ ‌o‌ ‌Brasil,‌ ‌considerado‌ ‌território‌ ‌vulnerável‌ ‌no‌ ‌grande‌ ‌Império‌ ‌Ibérico,‌ ‌mas‌ ‌de‌ ‌grande‌ ‌potencial‌ ‌lucrativo.‌ ‌O‌ ‌nordeste‌ ‌brasileiro,‌ ‌principal‌ ‌região‌ ‌produtora‌ ‌de‌ ‌açúcar,‌ ‌foi‌ ‌o alvo‌ ‌de‌ ‌ataques‌ ‌holandeses.‌ ‌A‌ ‌primeira‌ ‌incursão‌ ‌foi‌ ‌na‌ ‌‌Bahia‌ ‌em‌ ‌1624,‌ ‌região‌ ‌estratégica‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌comércio‌ ‌no‌ ‌Atlântico‌ ‌sul.‌ ‌O‌ ‌assalto‌ ‌não‌ ‌foi‌ ‌bem-sucedido.‌ ‌Em‌ ‌1628,‌ ‌os‌ ‌holandeses‌ ‌mudaram‌ ‌o‌ ‌foco‌ ‌e‌ ‌passaram‌ ‌a‌ ‌cobiçar‌ ‌a‌ ‌região‌ ‌de‌ ‌‌Pernambuco‌,‌ ‌igualmente‌ ‌importante‌ ‌em‌ ‌termos‌ ‌econômicos,‌ ‌mas‌ ‌fragilmente‌ ‌protegida.‌ Sob‌ ‌ocupação‌ ‌holandesa,‌ ‌a‌ ‌produção‌ ‌de‌ ‌açúcar‌ ‌no‌ ‌nordeste‌ ‌brasileiro‌ ‌floresceu.‌ ‌O‌ ‌período‌ ‌mais‌ prolífico‌ ‌da‌ ‌presença‌ ‌holandesa‌ ‌no‌ ‌Brasil‌ ‌foi‌ ‌o‌ ‌da‌ ‌governação‌ ‌de‌ ‌Maurício‌ ‌de‌ ‌Nassau.‌ Responsável‌ ‌pelas‌ ‌afamadas‌ ‌reformas‌ ‌urbanísticas‌ ‌no‌ ‌Recife,‌ ‌Nassau‌ ‌construiu‌ ‌palácios,‌ ‌pontes,‌ calçou‌ ‌ruas‌ ‌e‌ ‌praças,‌ ‌promoveu‌ ‌melhorias‌ ‌sanitárias‌ ‌e‌ ‌apoiou‌ ‌diversas‌ ‌missões‌ ‌de‌ ‌naturalistas,‌ ‌pintores‌ ‌e‌ ‌estudiosos‌ ‌das‌ ‌ciências‌ ‌naturais,‌ ‌promovendo‌ ‌o‌ ‌conhecimento‌ ‌da‌ ‌natureza‌ ‌do‌ ‌território.‌ ‌Deixou‌ ‌como‌ ‌legado‌ ‌um‌ ‌rico‌ ‌e‌ ‌vasto‌ ‌material‌ ‌iconográfico,‌ ‌bem‌ ‌como‌ ‌diversos‌ testemunhos‌ ‌da‌ ‌história‌ ‌da‌ ‌presença‌ ‌holandesa‌ ‌no‌ ‌Brasil,‌ ‌que‌ ‌se‌ ‌encerrou‌ ‌em‌ ‌1645,‌ ‌quando‌ foram‌ ‌expulsos‌ ‌pelas‌ ‌forças‌ ‌luso-brasileiras.‌

    [6] O corsário francês René Duguay-Trouin foi o responsável por liderar a segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro, ocorrida em 12 de setembro de 1711, numa tentativa de reparar e vingar a derrota sofrida por Jean François DuClerc (?-1711) que tentara ocupar a cidade alguns meses antes e fora duramente derrotado. Capitão da Marinha Real francesa, Duguay-Trouin envolveu-se em numerosas campanhas e armações, negócios antigos de sua família na Bretanha francesa, destacando-se na Guerra de Sucessão Espanhola (1702). Foi nomeado, em 1711, comandante da poderosa esquadra que conquistou a Baía de Guanabara, com 17 navios, mais de 700 canhões e 5.403 homens preparados para a guerra. Depois de pilhar a cidade, com boa parte da população fugida para o interior com seu ouro e outros valores, Duguay-Trouin exigiu o pagamento de um resgate sob pena de destruí-la, pedido prontamente atendido pelo governador Francisco de Castro Morais, que não ofereceu resistência, temeroso do arrasamento total da cidade. Esperando ouro e prata, o corsário teve de se contentar com cruzados, bois, pães de açúcar e outros produtos de algum valor, já que a população que ficara na cidade não tinha muitas riquezas a oferecer. Retornou à França em novembro do mesmo ano, com os navios carregados com moedas e outras mercadorias, mas boa parte da pilhagem foi perdida com tempestades no caminho da volta e com o naufrágio de duas de suas embarcações na região dos Açores. Chegou à França em 1712 bastante enfermo e, somente em 1715, foi nomeado chefe de Esquadra pelos seus préstimos à Coroa francesa. Alcançou o posto de almirante da Marinha francesa, recebeu o título de cavaleiro da Ordem Real de São Luís, além do título de nobreza de 1709. Uma estátua em homenagem ao corsário pode ser admirada no Palácio de Versalhes. Anos depois, em 1740, publicou suas Memórias do Senhor Duguay-Trouin, que correspondem ao período entre 1689 e 1715 de sua vida, nas quais narrava, entre outras, a aventura da invasão ao Rio de Janeiro. (Traduzida e publicada pelo Arquivo Nacional, editora UnB e Imprensa Oficial de São Paulo em 2003.)

    [7] Afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

     

    Tratado de paz entre Portugal e França

    Ofício de Caetano Pinto de Miranda Montenegro, governador da capitania de Mato Grosso, ao visconde de Anadia comunicando alguns artigos do tratado de paz que se firmou entre a Corte portuguesa e a República francesa. Um dos artigos fixa as datas em que deveriam cessar as hostilidades e promover a amizade entre as duas potências. O governador também inclui os artigos que dizem respeito aos limites franceses na parte setentrional do Brasil e avisa que a demarcação dos limites será feita em breve.

    Conjunto documental: Capitanias da Bahia, Alagoas, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Santa Catarina
    Notação: caixa 748, pct. 02
    Datas-limite: 1770-1813
    Titulo do fundo ou coleção: Vice-Reinado
    Código do fundo ou coleção: D9
    Argumento de pesquisa: estrangeiros, franceses
    Data do documento: 16 de novembro de 1801
    Local: Mafra
    Folha(s): -

     

    No 71

    Tendo-se ajustado felizmente a paz[1] entre a Coroa de Portugal[2], e a República francesa[3], remeto a vossa senhoria a cópia do artigo que fixa as épocas em que devem cessar as hostilidades, para que vossa senhoria o ponha em execução, publicando logo a boa inteligência, e a amizade entre as duas potências.
    Também remeto a vossa senhoria a cópia dos artigos, que dizem respeito aos limites[4] com os domínios franceses[5] na parte mais setentrional do Brasil. E como temos ainda alguma esperança, que no congresso, que se vai juntar em Amiens[6], para um tratado definitivo da paz geral, se possa conseguir alguma vantagem a nosso favor sobre estes limites, deve vossa senhoria suspender tudo o que diz respeito a este objeto, até que se nomeiem comissários de ambas as partes para esta demarcação, e até que desta Corte se deem a vossa senhoria as instruções necessárias para a execução do que se acha estipulado sobre os limites das duas potências.

    Deus Guarde a vossa senhoria. Mafra, em 16 de novembro de 1801.

    Visconde de Anadia[7]

    Senhor Caetano Pinto de Miranda Montenegro[8]

     

    [1] Refere-se à Paz de Madrid, tratado assinado entre Portugal e França em 29 de setembro de 1801 como uma retificação da Paz de Badajoz, acordo assinado entre Portugal e a aliança entre França e Espanha, em 6 de junho de 1801, para pôr um fim a chamada Guerra das Laranjas. Este primeiro acordo previa, entre vários artigos: o fechamento dos portos portugueses à Grã-Bretanha; a perda da região lusa de Olivença para os espanhóis e uma indenização a Portugal pelas perdas sofridas durante a guerra. No entanto, Napoleão não aceitou os termos iniciais do tratado, o que levou a novas negociações, até que um novo tratado em Madrid no fim do mesmo ano de 1801 fosse assinado. Neste se estabeleceu a paz entre as nações e Portugal teria que pagar uma indenização no valor de um milhão de francos à França. Outro ponto importante da paz de Madrid foi o estabelecimento de novos limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, cujo marco seria o rio Araguari, fazendo com que Portugal perdesse parte do território onde hoje se localiza o Amapá. Este tratado foi contestado em 1 de maio de 1808, depois da transferência da Corte para o Brasil, quando o regente d. João o deu como inválido, em decorrência das guerras peninsulares entre Portugal e França, e reavendo aquela região.

    [2] País situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

    [3] A referência à República Francesa se deve ao estado francês, que, em pleno processo revolucionário, extinguiu a monarquia e adotou uma nova forma de governo - a república. Esta não era exatamente uma novidade no mundo moderno. Em 1776 as treze colônias inglesas na América do Norte se libertaram do domínio metropolitano e se tornaram uma república em um mundo no qual preponderavam as monarquias, absolutistas ou constitucionais. Esse mundo, ao passo que compartilhava de estruturas ainda feudais e aristocráticas, principalmente na Europa, também vivia sob o impacto das ideias iluministas associadas à construção de um novo pacto social. A Revolução Francesa tornou-se a grande difusora dos princípios das Luzes, sobretudo o de liberdade, que passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os "abomináveis princípios franceses". Em 1792, depois da tentativa de fuga de Luís XVI, a Convenção decide pela extinção da monarquia, ato que culmina com a execução do rei em janeiro de 1793. Instaura-se a República na França neste período que ficou mais conhecido como o Terror jacobino, e que perdurou até 1799 quando do golpe de Napoleão Bonaparte, que instaura o Império. Este momento simboliza a recriação do pacto social, cujo novo formato seria inspirado nos ideais antigos de liberdade clássica, na qual o cidadão participa ativa e diretamente da vida pública e política do país. No entanto, não fica clara a forma de governo adotada, que mais se assemelha a uma ditadura, encabeçada por Robespierre. A primeira república consiste na radicalização do princípio democrático, inspirada no pensamento de Rousseau, que apavorou o restante do mundo do Antigo Regime, como por exemplo Portugal, ante a possibilidade de expansão das idéias que poderiam levar à independência de colônias e à queda de reis. Apesar da curta existência, representou uma grande mudança no equilíbrio de forças na Europa e inaugurou um novo tempo. Esse período, que constantemente se confunde com o terror, com jacobinismo, mas também com o exercício (ainda que problemático) da democracia, com liberdade, igualdade e fraternidade, com os direitos universais do homem, acabou sucumbindo, no dizer de José Murilo de Carvalho na Formação das Almas, por um excesso de liberdade e falta de governo - oposto do que aconteceu na vitoriosa revolução americana.

    [4] A demarcação dos limites na América passou pela legitimidade dos domínios de Espanha Portugal, provocando confrontos diretos entre as potências europeias, que buscaram, através da diplomacia, resolver as disputas existentes. As duas Coroas tiveram a necessidade de acordar entre si partilhas territoriais por meio de tratados, os quais apresentavam como aspecto inovador a instituição do rigor científico para uma melhor elaboração das delimitações, valendo-se de conhecimentos de astronomia e instrumentos matemáticos. A disputa pelos territórios da região do rio da Prata pelas metrópoles ibéricas, por exemplo, resultou numa série de tratados internacionais ao longo do século XVIII, entre eles o de Madri em 1750 e Santo Ildefonso em 1777, embora nenhum deles tenha solucionado efetivamente a questão dos limites. Em meio a estas disputas, os interesses da Inglaterra atuaram como obstáculo para a resolução das querelas territoriais na América, afetando a neutralidade lusa em relação à Espanha, pressionando a região do Prata com uma possível invasão, lembrando-se ainda a importância da colônia de Sacramento para o comércio inglês nessa área.

    [5] Na América, os domínios franceses correspondiam aos territórios da Guiana Francesa, capital Caiena, que foram alvo de disputas e guerras entre França e Portugal. As relações entre Caiena e os domínios portugueses remontam ao final do século XVII. Já em fins dos setecentos, as contendas entre as duas nações sobre o estabelecimento da fronteira foram parcialmente resolvidas com o Tratado de Utrecht, de 1713-1715. Mas a questão persistiu, sendo retomada na década de 1750 no contexto das demarcações do Tratado de Madri. O governador do Estado do Grão-Pará tinha como um de seus principais objetivos resguardar a fronteira com a Guiana, o que fez através da construção da vila e fortaleza de São José de Macapá, obra que levou décadas para ser concluída. Em 1809, Caiena foi ocupada pelos portugueses e anexada aos seus domínios. Essa ação do príncipe regente d. João foi uma resposta à invasão francesa sofrida por Portugal dois anos antes. Em 1814, com a derrota de Napoleão Bonaparte, a posse da colônia voltou a ser reivindicada pelo governo francês, agora sob o domínio de Luís XVIII. Como os termos da proposta francesa não foram aceitos por d. João, a questão passou a ser discutida pelo Congresso de Viena no ano seguinte. Nessas conversações, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, os portugueses deixaram Caiena com a assinatura de um convênio entre a França e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Embora tenha durado pouco, a conquista de Caiena permitiu aos portugueses o aproveitamento, na capitania do Grão-Pará, de certas plantas raras importadas pelos franceses para plantio no jardim botânico estabelecido na região sob a denominação de La Gabrielle, que veio beneficiar a agricultura brasileira, em particular, da cana Caiena.

    [6] Tratado de paz assinado entre França e Grã-Bretanha na cidade de Amiens em 27 de março de 1802, que garantiu uma trégua de 15 meses nas hostilidades entre as duas potências. Antes desse acerto, franceses e ingleses estiveram em constante guerra, fosse nos mares, por meio de suas atividades de corso e aprisionamento de navios, ou por meio de seus aliados históricos, respectivamente espanhóis e portugueses. O agravamento das hostilidades se deu com a pressão de Napoleão sobre as outras nações da Europa para aderir ao bloqueio comercial contra a Grã-Bretanha em 1806, quando o tratado já havia sido quebrado, que acabou por resultar na invasão da Península Ibérica e na transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808.

    [7] João Rodrigues de Sá e Melo Sottomayor (1755-1809), filho de Aires de Sá e Melo e de d. Maria Antônia de Sá Pereira e Meneses, participou ativamente do cenário político luso-brasileiro. Entre as funções e distinções que possuiu, destacam-se: senhor donatário da vila de Anadia (1787); comendador de São Paulo de Maçãs; alcaide-mor de Campo Maior; membro do conselho da Fazenda e ministro plenipotenciário em Berlim. Em reconhecimento aos serviços prestados pelo seu pai como diplomata e secretário de Estado adjunto do marquês de Pombal e depois secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, d. Maria I concedeu-lhe o título de visconde de Anadia em 1786, sendo agraciado com o título de conde pelo príncipe regente d. João em 1808. Transferiu-se junto com a Corte portuguesa para o Brasil em 1808 e exerceu o cargo de secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos até sua morte em 1809.

    [8] Nasceu no bispado de Lamego em Portugal, segundo filho de Bernardo José Pinto de Miranda Montenegro, fidalgo escudeiro da Casa Real e de d. Antônia Matilde Leite Pereira de Bulhões. Comendador da Ordem de Cristo, Montenegro seguiu a carreira das letras, frequentando a Universidade de Coimbra a partir de 1777, onde obteve o grau de bacharel em 1781. Concluiu a licenciatura em 1783, ano em que também recebeu o grau de doutor em Direito. Contemporâneo dos irmãos Andrada, José Bonifácio e Antônio Carlos, foi apresentado ao ministro Martinho de Melo e Castro por d. Catarina Balsemão – mulher de Luiz Pinto de Sousa Coutinho, futuro ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra –, senhora de grande influência na corte, que solicitou para seu afilhado, o despacho de governador do Mato Grosso. O ministro Melo e Castro, no entanto, o nomeou em 1791 para o cargo de intendente do ouro no Rio de Janeiro, permanecendo na função até 1794, quando conseguiu a patente de governador e capitão general da capitania de Mato Grosso. Permaneceu governador do Mato Grosso até 1803, e tornou-se, posteriormente, governador da capitania de Pernambuco, no período entre 1804 a 1817, inclusive durante a Revolução pernambucana. Chegou a ser nomeado governador e capitão general de Angola, mas por meio de manifestações de diversos municípios, da Câmara do Senado do Recife e de pessoas notáveis junto ao príncipe regente, foi mantido no cargo. Participou ativamente da v ida política do Império, e recebeu do Imperador d. Pedro I os títulos de barão, visconde e marquês de Vila Real da Praia Grande.

     

     

  • BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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    FRANÇA, Jean Marcel C; RAMINELLI, Ronald. Andanças pelo Brasil colonial. Catálogo comentado, 1503-1808. São Paulo: Unesp, 2009.

    MARIZ, Vadco (org.). Brasil-França: relações históricas no período colonial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2006.

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