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Geração 1790

Sala de aula

Escrito por Mirian Lopes Cardia | Publicado: Quarta, 23 de Mai de 2018, 13h43 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 13h23

Resposta de d. Rodrigo ao pedido de lord Strangford

Carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros, a d. Fernando José de Portugal e Castro, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, relatando que o diplomata inglês Lord Strangford desejava incluir uma disposição no tratado de comércio que alterasse a antiga legislação contrária às facilidades do comércio. D. Rodrigo pedia a d. Fernando José de Portugal e Castro que intercedesse junto ao príncipe regente, apressando essa alteração no tratado.

Conjunto documental: Missões diplomáticas
Notação: IR³ 17
Datas-limite: 1807-1849
Título do fundo ou coleção: Relações Exteriores
Código do fundo ou coleção: BA
Argumento de pesquisa: D. Rodrigo de Souza Coutinho
Data do documento: 18 de janeiro de 1810
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Havendo-me Lord Strangford[1] dirigindo a nota junta, com os documentos, que a acompanham; na qual pede que se haja de estabelecer em um artigo do tratado[2], que ora se ajusta, uma disposição, que altere a antiga Legislação, que ainda se conserva entre nós, e que é também contrária às desejadas facilidades do comércio, como o tem reconhecido todas as outras nações. Rogo a Vossa Excelência queira levar estes papéis a presença de S.M.R.; o príncipe regente[3] nosso senhor, a fim de que recebendo a este respeito reais ordens, veja-se seria preferível, como julgo, que essa medida fosse anterior, e espontaneamente tomada pelo governo, legislando-se aquela alteração, que parecesse própria naqueles princípios de direito[4], que ora não parecem conciliáveis com as vantagens, e extensão, se procura dar ao comércio nesse estado.
            Vossa excelência se dignará o quanto antes de me dar uma resposta, a fim de que eu saiba regularmente na maneira, com que devo dar o que Lord Strangford me exige.
            Deus guarde a vossa excelência. Palácio do Rio de janeiro, em 18 de janeiro de 1810.

Conde de Linhares[5]

Ao Senhor Conde de Aguiar[6]

 

[1] Smith, Percy Clinton Sydney (1780-1855), lorde Strangford, diplomata, sexto visconde de Strangford, em 1801, foi o enviado britânico que negociou diretamente com o príncipe d. João a proposta de transferência da corte portuguesa para o Brasil. Cumprindo os interesses britânicos, trabalhava secretamente pela independência das colônias espanholas. Negociou, junto ao conde de Linhares, os tratados de 1810, também conhecidos como tratado/convênio Linhares-Strangford. Por sua constante intromissão em assuntos de administração da colônia, perdeu prestígio junto ao príncipe regente, sendo nomeado, em março de 1817, para servir em Estocolmo como representante da coroa britânica. O cônsul geral Sir Henry Chamberlain substituiu-o no posto interinamente junto a d. João VI. Dado à literatura, chegou a publicar, em 1803, um livro com traduções para o inglês de poemas de Luís de Camões. Deve-se também à ação de lorde Srangford a doação por d. João VI de um terreno na Gamboa onde foi construído o cemitério dos ingleses onde eram sepultados cidadãos britânicos.

[2] O controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie as falhas e brechas no sistema.  Considerado um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Durante a chamada Viradeira – período que se iniciou em 1777 com a nomeação de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal, por d. Maria I – empreendeu-se uma tentativa de controlar o contrabando e estreitar os laços comerciais intercoloniais, reservando à colônia seu papel de produtora de gêneros agrícolas e de consumidora de manufaturados, visando a controlar a erosão do sistema colonial, que já apresentava sinais de crise. Essa estrutura seria invertida com a chegada da corte joanina em 1808 e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, na prática, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura dos Tratados de 1810. Em 19 de fevereiro desse ano, dois importantes tratados foram firmados entre Portugal e Inglaterra: o Tratado de Comércio e Navegação e o Tratado de Aliança e Amizade, que regulamentavam as relações comerciais entre as duas nações, como consequência da nova situação política e econômica resultante abertura dos portos brasileiros. A justificativa dos tratados expressava principalmente o desejo das nações em estreitar os laços de amizade e ampliar os benefícios de seus vassalos por meio de um novo sistema de livre comércio entre os envolvidos, incluindo seus domínios, e no caso português, a nova sede do Império português, o Brasil. Foram acertados, entre outros pontos, assuntos relativos ao comércio entre os países envolvidos, como no artigo VIII, que abolia monopólios que pudessem restringir o comércio entre Portugal e Inglaterra (e seus respectivos domínios), embora fossem mantidos os estancos a certos produtos, como os tecidos de lã ingleses, os vinhos portugueses e o pau-brasil. O artigo principal (XV), que regulava as novas tarifas alfandegárias, estabelecia que todos os gêneros ingleses – à exceção dos estancados – deveriam ser admitidos sem limitações nos domínios portugueses, pagando direitos de 15%. O acordo firmado revela o precário equilíbrio de forças e as dependentes relações de Portugal em relação à Inglaterra, resultando em uma concessão que favorecia diretamente os produtos ingleses em detrimento dos próprios gêneros portugueses, que pagariam 16% de impostos, desigualdade corrigida quase um ano depois, e dos estrangeiros de outras nações amigas, taxados em 24%. Este tratado resultou, praticamente, em um domínio inglês no mercado do Brasil, uma vez que se tornava bastante difícil para as outras nações competir com os preços, a variedade e a qualidade dos produtos oriundos da Inglaterra e suas colônias. Provocou profundo mal-estar e insatisfação entre os produtores e negociantes portugueses, uma vez que se sentiam lesados no comércio colonial, anteriormente, controlado com exclusividade. Também desagradou aos ingleses, desejosos de mais benefícios e privilégios em troca de terem ajudado na transmigração da Corte e na manutenção da integridade do Império português. Os acordos referiam-se, ainda, as concessões previstas no Tratado de 1654 como a liberdade de culto aos súditos ingleses e o direito de julgamento por juízes ingleses segundo leis inglesas, caso algum súdito britânico cometesse delito nos domínios da Coroa portuguesa. O artigo X do Tratado tratava, ainda, sobre a gradual extinção do tráfico de escravos africanos e sua limitação às possessões portuguesas. Tal resolução suscitou inúmeras acusações de arbitrariedade, pois, segundo comerciantes portugueses, se foi elevado o número de embarcações apreendidas sob alegação de tráfico ilegal, também foi grande o número de traficantes que alegavam comerciar apenas nas possessões portuguesas, onde o governo britânico não deveria atuar. Em termos práticos, a medida mostrou-se ineficaz, a abolição do comércio de escravos só seria efetivada quatro décadas mais tarde.

[3] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4] Refere-se aos princípios de direito que regiam as relações coloniais. O controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora a verificação de contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie falhas e brechas no sistema. Tratado como um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a Coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Essa estrutura seria invertida com a chegada da Corte joanina e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, na prática, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura, em 1810, do Tratado de Navegação e Comércio que estabeleceu uma série de medidas que dariam vantagens a este país sobre outras nações no comércio com o Brasil e Portugal.

[5] Afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[6] 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

Elevação de d. Rodrigo a conde com grandeza de Linhares

Carta régia pela qual o príncipe regente d. João concede a d. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, a promoção à conde de Linhares com grandeza, como reconhecimento pelos serviços prestados à Coroa.

Conjunto documental: Conselho da Fazenda. Registro de alvarás e cartas régias de mercês e propriedade, da Secretaria do Conselho da Fazenda
Notação: códice 29, vol. 3
Datas-limite: 1808-1815
Titulo do fundo ou coleção: Conselho da Fazenda
Código do fundo ou coleção: EL
Argumento de pesquisa: D. Rodrigo de Souza Coutinho
Data do documento: 22 de dezembro de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 5 e 5v

 

Dom João[1] por graça de Deus príncipe regente de Portugal e dos Algarves, d'aquém e d'além mar em África de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia etc.[2] Faço saber aos que esta carta virem, que tendo presente os distintos serviços que dom Rodrigo de Souza Coutinho[3] do meu Conselho de Estado[4]Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis[5], ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra[6] me tem feito nos muitos, e importantes empregos tem exercido com toda honra, desinteresse, inteligência, e zelo, do meu real serviço; e querendo dar-lhe uma pública significação do reconhecimento de tão importante serviços. Hei por bem promovê-lo à grandeza[7] com o título de conde de Linhares. E quero, e mando, que o referido dom Rodrigo de Souza Coutinho se chame conde de Linhares, e que com o dito título goze de todas as honras, preeminências, prerrogativas, privilégios, isenções, liberdades, e franquezas, que há e tem, e de que usam, e sempre usaram os condes destes meus reinos, e seus domínios, assim como por uso, e antigo costume, e de direito lhe pertencem; e que lhe sejam guardados em todos os atos, e tempos, sem minguamentos, ou dúvida alguma, que a isso lhe seja posta porque assim é minha mercê e vontade. E com o referido título haverá o assentamento[8], que lhe pertencer, de que pelo conselho da minha Real Fazenda[9], se lhe passará alvará na forma costumada. E por firmeza de tudo o que dito é lhe mandei dar esta carta por mim assinada, passada pela chancelaria, e selada com o selo pendente de minhas armas[10]. Pagou de novos direitos seiscentos mil reis que foram carregados ao tesoureiro deles no livro primeiro da sua receita às folhas trinta e oito verso, como constou por um conhecimento em forma por ele assinada e pelo escrivão do seu cargo, que foi registrada à folha cento e dezessete verso; do livro primeiro do registro geral dos mesmos novos direitos. Dado no Palácio do Rio de Janeiro a os vinte e dois dias do mês de dezembro ano do nosso senhor Jesus Cristo de mil oito centos e oito. = O príncipe com guarda = Conde de Aguiar[11] = Carta porque Vossa Alteza Real há por bem fazer mercê a dom Rodrigo de Souza Coutinho, do título de conde de Linhares, na forma acima declarada para Vossa Alteza Real ver = Joaquim Antônio Lopes da Costa a fez = registrada nesta Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil[12], no livro primeiro de leis, alvarás, e cartas régias a folha oitenta e quatro verso. Rio de Janeiro trinta de dezembro de mil oitocentos e oito = João Manoel Martins da Costa = Nesta Secretaria do Registro Geral das Mercês[13] fica registrada esta carta, Rio de Janeiro dois de janeiro de mil oitocentos e nove = Luis Antônio de Faria Souza Lobato = grátis = Número oito. Pagou vinte e quatro mil réis de selo Rio em sete de janeiro de mil oitocentos e nove = Souza = Tomás Antônio de Vila Nova Portugal = grátis = Pagou vinte e dois mil e quatro centos réis, e aos oficiais cento e vinte. Rio sete de janeiro de mil oitocentos e nove = José Maria Raposo de Andrada e Souza = Registrada na Chancelaria Mor da Corte e Estado do Brasil[14] a folha sessenta e cinco do livro primeiro de ofícios e mercês. Rio sete de janeiro de mil oitocentos e nove = José Leocádio do Vale = Registro doze mil e oitocentos réis.

 

[1] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] País situado na Península Ibérica, localizada na Europa meridional, cuja capital é Lisboa. Sua designação originou-se de uma unidade administrativa do reino de Leão, o condado Portucalense, cujo nome foi herança da povoação romana que ali existiu, chamada Portucale (atual cidade do Porto). Compreendido entre o Minho e o Tejo, o Condado Portucalense, sob o governo de d. Afonso Henriques, deu início às lutas contra os mouros (vindos da África no século VIII), das quais resultou a fundação do reino de Portugal no século XIII. Tornou-se o primeiro reino a constituir-se como Estado Nacional após a Revolução de Avis em 1385. A centralização política foi um dos fatores que levaram o reino a ser o precursor da expansão marítima e comercial europeia, constituindo vasto império com possessões na África, nas Américas e nas Índias ao longo dos séculos XV e XVI. Os séculos seguintes à expansão foram interpretados na perspectiva da Ilustração e por parte da historiografia contemporânea como uma lacuna na trajetória portuguesa, um desvio em relação ao impulso das navegações e dos Descobrimentos e que sobretudo distanciou os portugueses da Revolução Científica. Era o “reino cadaveroso”, dominado pelos jesuítas, pela censura às ideias científicas, pelo ensino da Escolástica. Para outros autores tratou-se de uma outra via alternativa, a via ibérica, sem a conotação do “atraso”. O século XVII é o da união das coroas de Portugal e Espanha, período que iniciado ainda em 1580 se estendeu até 1640 com a restauração e a subida ao trono de d. João IV. Do ponto de vista da entrada de novas ideias no reino deve-se ver que independente da perspectiva adotada há um processo, uma transição, que conta a partir da segunda metade do XVII com a influência dos chamados “estrangeirados” sob d. João V, alterando em parte o cenário intelectual e mesmo institucional luso. Um momento chave para a história portuguesa é inaugurado com a subida ao trono de d. José I e o início do programa de reformas encetado por seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal. Com consequências reconhecidas a longo prazo, no reino e em seus domínios, como se verá na América portuguesa, é importante admitir os limites dessa política, como adverte Francisco Falcon para quem “por mais importantes que tenham sido, e isso ir-se-ia tornar mais claro a médio e longo prazo, as reformas de todos os tipos que formam um conjunto dessa prática ilustrada não queriam de fato demolir ou subverter o edifício social” (A época pombalina, 1991, p. 489). O reinado de d. Maria I a despeito de ser conhecido como “a viradeira”, pelo recrudescimento do poder religioso e repressivo compreende a fundação da Academia Real de Ciências de Lisboa, o empreendimento das viagens filosóficas no reino e seus domínios, e assiste a fermentação de projetos sediciosos no Brasil, além da formação de um projeto luso-brasileiro que seria conduzido por personagens como o conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho. O impacto das ideias iluministas no mundo luso-brasileiro reverberava ainda os acontecimentos políticos na Europa, sobretudo na França que alarmava as monarquias do continente com as notícias da Revolução e suas etapas. Ante a ameaça de invasão francesa, decorrente das guerras napoleônicas e face à sua posição de fragilidade no continente, em que se reconhece sua subordinação à Grã-Bretanha, a família real transfere-se com a Corte para o Brasil, estabelecendo a sede do império ultramarino português na cidade do Rio de Janeiro a partir de 1808. A década de 1820 tem início com o questionamento da monarquia absolutista em Portugal, num movimento de caráter liberal que ficou conhecido como Revolução do Porto. A exemplo do que ocorrera a outras monarquias europeias, as Cortes portuguesas reunidas propõem a limitação do poder real, mediante uma constituição. Diante da ameaça ao trono, d. João VI retorna a Portugal, jurando a Constituição em fevereiro de 1821, deixando seu filho Pedro como príncipe regente do Brasil. Em 7 de setembro de 1822, d. Pedro proclamou a independência do Brasil, perdendo Portugal, sua mais importante colônia.

[3] Afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[4] O Conselho de Estado foi criado no século XVI para ser um órgão de consulta do monarca e por este presidido. Depois da reforma das secretarias de Estado de 1736, o conselho passou a ser a reunião dos secretários ministros que aconselhariam o rei em assuntos de Estado. Essa instituição não teve grande destaque durante a regência e o reinado de d. João, e só passaria a adquirir força e importância política depois da revolução liberal do Porto, de 1821, quando desempenhou papel central ao longo do período da monarquia constitucional em Portugal.

[5] Antiga ordem religiosa e militar, fundada no século XII sob a proteção de d. Afonso Henriques, posteriormente à conquista da cidade de Évora, tendo ficado conhecida também como a Milícia de Évora. A ordem, composta de cavaleiros religiosos, adotou a regra beneditina como o voto de pobreza feito pelos seus membros, mas com o passar do tempo foi perdendo seu caráter religioso. A secularização aconteceu formalmente durante o reinado de d. Maria I, que reformou a ordem em 1789. Foi extinta por d. Pedro em 1834, quando deixou de ser uma ordem militar para tornar-se exclusivamente uma ordem honorífica. O mais alto grau da ordem era o de Grã-Cruz, que conferia especial distinção ao possuidor, principalmente aos ‘Grandes’ do reino, que formavam a aristocracia da nobreza de Portugal. A insígnia da ordem é uma cruz verde com as pontas em formato que lembra uma flor-de-lis.

[6] Em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[7] O termo grandeza, na nobreza com grandeza, é um tratamento honorífico dos antigos "Grandes do Reino". Originalmente era uma recompensa e reconhecimento por serviços grandiosos prestados à pátria, principalmente em tempos de guerra. A grandeza não era hereditária, mas enobrecia os descendentes dos Grandes. A obtenção de um título com grandeza significava uma promoção em seu título, garantindo a posição de ser um dos ‘grandes’ do reino, e receber um tratamento diferenciado dos outros nobres. Somente nobres de linhagem e de casas muito antigas tinham a possibilidade de alçarem à posição de grandeza.

[8] De acordo com o Vocabulário Português e Latino do padre Rafael Bluteau (1712), o assentamento concedido a um fidalgo que recebe um título de conde com grandeza, como o caso de d. Rodrigo de Souza Coutinho, consiste em um ordenado que passa a receber enquanto detiver o título, não podendo passá-lo a seus herdeiros. Diferente da mercê de assentamento, na qual o fidalgo recebe uma “moradia”, um trecho de terras onde residir com a família e que era transmitida de pai para filho, o assentamento como “ordenado”, termo de Bluteau, variava de acordo com o título recebido, com a grandeza e com o grau de proximidade ao rei, o que fazia com que nobres de mesmo título recebessem assentamentos desiguais.

[9] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[10] Selo com o brasão de armas do rei marcado em cera nos documentos oficiais, com a finalidade de certificá-los e autenticá-los. O selo pendente era colocado em um pedaço de fita ou pergaminho que ‘pendia’, ficava pendurado no documento, habitualmente nas cores da casa real ou do país.

[11] 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

[12] Em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[13] A Secretaria do Registro Geral das Mercês foi criada em 1808, depois da chegada da Corte portuguesa ao Brasil, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, recriando no Rio de Janeiro, os órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca.

[14] Secretaria criada pelo alvará de 22 de abril de 1808, quando da instalação da governação joanina no Rio de Janeiro, no âmbito do movimento de recriação, na América portuguesa, de uma série de instituições que vigoravam em Portugal, concedendo-se particular atenção à esfera do judiciário. À Chancelaria-Mor, conforme o alvará, competia “a mesma jurisdição que exercia o do Reino”, e ao chanceler-mor, segundo o disposto nas Ordenações Filipinas, o exame do conjunto de despachos, decisões ou sentenças emanados do rei, desembargadores do Paço, vedores e conselheiros da Fazenda, provedor-mor das Obras Reais e restantes oficiais-mores da Casa Real, sendo acrescidas as juntas e conselhos régios posteriores às Ordenações. Responsável, entre tantas atribuições, por dar publicidade às leis, a chancelaria gerava receita, visto que se pagavam direitos pelas cartas passadas no órgão (Chancelaria-Mor da Corte e Reino. Associação dos Amigos da Torre do Tombo. Disponível em http://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=206 ). O primeiro ocupante do cargo foi Tomás Antônio Vilanova Portugal, um dos políticos mais poderosos da corte.

 

Pedido de jubilação de José Bonifácio

Representação feita por José Bonifácio de Andrada e Silva pedindo jubilação da cadeira de lente de metalurgia da Universidade de Coimbra. O suplicante menciona diversos alvarás e decretos pelos quais é encarregado de empregos públicos e comissões, inclusive como intendente de Polícia interino, com a tomada da cidade do Porto pelos franceses, e cita sua eleição para secretário da Academia Real de Ciências de Lisboa, justificando assim, o seu pedido de dispensa da cadeira de professor da Universidade de Coimbra.

Conjunto documental: Secretaria de estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 665, pct. 02
Datas-limite: 1812-1820
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo ou coleção: 59
Argumento de pesquisa: José Bonifácio de Andrada e Silva
Data do documento: 26 de abril de 1813
Local: Lisboa
Folha(s): -
Obs. Grifos no original.

 

Senhor,

Representa a V. A. R. o doutor José Bonifácio de Andrada e Silva[1]lente[2] de metalurgia[3] na Universidade de Coimbra[4] que o tempo de ensino da sua cadeira tem findado; e que suas outras obrigações, e empregos lhe não permitem por mais tempo ficar ligado ao exercício da mesma: é-lhe portanto forçoso ir requerer agora a V.A.R. a sua prometida jubilação[5]. Os motivos, em que se funda são os seguintes:
Pela carta régia[6] de 15 de abril de 1801 foi V.A.R. servido despachá-lo 5º lente da Faculdade Filosófica[7] com o ordenado de 500 mil réis, e mais uma pensão anual de 300 mil réis, o que tudo ficaria conservando, quando estabelecido, e firmado o ensino da referida cadeira, V.A.R. fosse servido jubilá-lo da mesma.
Pela carta régia de 18 de maio do mesmo ano se dignou V.A. nomear o suplicante membro do novo Tribunal, que se propunha criar para a direção das Casas de moeda, minas e bosques[8] dos seus domínios, com o cargo e título de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino[9]; ordenando-lhe, em consideração a necessidade de residência, e assistência pessoal nos lugares de sua administração, que estabelecesse, e firmasse convenientemente o ensino da cadeira durante seis anos findo os quais o mandaria retirar da Universidade, para ficar unicamente da Intendência Geral das Minas e Metais de tudo desde já o encarregava ainda mesmo no tempo em que durassem suas funções de lente; por assim o exigir o seu real serviço.
Pelo decreto de 8 de julho do mesmo ano lhe ordenou V.A.R. fosse tomar posse da Administração das Minas de carvão de Buarcos[10], vaga pela morte do tenente general Bartolomeu da Costa; e fizesse logo restabelecer as antigas ferrarias de Figueiró dos Vinhos[11].
Pelo decreto de 12 de novembro do dito ano se dignou V.A.R. fazê-lo diretor do laboratório, que se criou na Casa da Moeda, para ali se darem lições de ilegível metalurgia aos oficiais da dita casa, e aos alunos de fora, que fossem hábeis, e desejassem instruir-se.
Pelo alvará de 30 de janeiro de 1802 foi V.A.R. servido dar regimento aos estabelecimentos metálicos destes reinos encarregando o suplicante de muitas e novas obrigações, que requerem continuar viagens, e trabalhos assíduos.
Ocupado nestas sucessivas comissões, e empregos não pode o suplicante ir tomar posse de sua cadeira senão em 21 de junho de 1802.
Pela carta régia do 1º de julho do mesmo ano que V.A. se dignou dirigir-lhe, foi o suplicante de novo encarregado de dirigir e ativar as sementeiras de pinhais nos areais de nossas contas devendo logo principiar pelas do couto de Lavos; as quais só puderam começar no 1º de janeiro de 1805 e pararam em 28 de março de 1806 pelos obstáculos, que recresceram, e pela falta dos dinheiros consignados.
Como o local para as lições não estava ainda pronto, nem havia então para as demonstrações os minerais, desenhos e modelos que depois gratuitamente emprestava a Universidade o suplicante, e demais exigindo o real serviço a sua assistência em outras partes, foi ele autorizado pelo real aviso de 7 de agosto de 1802 a estar ausente da Universidade pelo espaço dos dois anos letivos próximos seguintes, sendo porém contado como se presente fora.
Em outubro de 1804, abriu a sua nova cadeira; e no exercício da mesma continuou por quatro anos seguidos até junho de 1808 em que pela faustíssima restauração destes reinos[12] se suspenderam as tarefas de Minerva para começarem os trabalhos de Marte[13]. Foi o suplicante o primeiro que mandou vir das Reais Ferrarias o destacamento de artilheiros, que guarnecia a Real Fábrica de Ferro, para defesa de Coimbra[14]: assentou praça na companhia dos lentes e doutores, que então se formou, e na secretaria e expediente dos negócios políticos, e militares do governo de Coimbra se ocupou constantemente, como tudo é de notoriedade pública.
Porém, já antes da pérfida usurpação dos franceses[15] foi V.A.R. servido pelo alvará de 13 de julho de 1807 despachar ao suplicante superintendente do rio Mondego, e Obras Públicas da cidade de Coimbra[16], - e por aviso posterior lhe reuniu à Provedoria dos Marachões[17], cujos trabalhos hidráulicos e administrativos começaram imediatamente; e só pararam em outubro de 1809 pelas apertadas circunstâncias da guerra, e pela falta dos cabedais consignados roubados a princípio pelos franceses, e depois aplicados a novos destinos, e precisões; mas que deverão brevemente continuar verificadas que sejam as novas providências, que o suplicante não tem cessado de requerer ao governo.
Em 1809 pela invasão ilegível se fechou a Universidade e formou-se por ordem superior o Corpo Militar Acadêmico[18] onde o suplicante serviu primeiramente no posto de major, e depois no de tenente coronel, fazendo a campanha de Vouga e Douro[19]. Neste arriscado e glorioso serviço mereceu os elogios mais lisonjeiros do seu general o brigadeiro ilegível, como consta entre outros do seu ofício de 22 de agosto de 1809, e os do marechal em chefe o marquês de campo maior, como se vê da ordem do dia do exército de 4 de agosto do mesmo ano.
Durante a campanha do Vouga não só serviu como soldado, mas igualmente como magistrado, sendo presidente do Conselho de Segurança e Polícia do Exército, em cuja comissão lhe foi preciso empregar a maior probidade, prudência e atividade.
Depois da tomada do inimigo a cidade do Porto[20], foi o suplicante nomeado intendente de Polícia[21] interino, e superintendente de Alfândega, e Marinha, pela falta, e ausência dos magistrados respectivos cujos cargos serviu gratuitamente. Foi igualmente encarregado de tomar posse, e inventariar os armazéns do inimigo, e de posse, e de restituir aos legítimos donos, o que lhes havia roubado e se achava em diferentes mãos: fez embarcar, e entregar no Real Erário[22] mil e tantas sacas de algodão, e outras fazendas tomadas ao inimigo, que reclamou; e desempenhou muitas outras comissões civis e militares; de que continuamente era encarregado.
Em outubro de 1809 veio para Lisboa[23] onde o retiveram por todo este ano e o seguinte vários negócios do Real Serviço. Requereu e obteve do Governo algumas providências para reanimar as minas e ferrarias, que pela usurpação e invasões inimigas estavam quase a expirar, do que resultou poder aprontar em 1811 para o serviço do exército acima de 4000 balas dos calibres pedidos, 107 arrobas de bala miúda para metralha, e 17 eixos grandes para os reparos de artilharia; e para os lavradores das terras devastadas mais de 1800 peças de ferramentas, e instrumentos de lavoura, como é notório, e consta das ordens, e livros respectivos. Fez reparar, e pôr em atividade o Real Laboratório da Casa da Moeda[24] arruinado e paralisado desde a intrusão dos franceses. Por ordem do Governo, tendo chegado o inimigo às nossas linhas, escolheu os artigos e produtos de maior valia do Real Museu da Ajuda[25], que inventariou, classificou, e fez embarcar. Deu o plano, e dirigiu por ordem superior o fabrico da nova moeda de bronze. Juntou de novo, e reorganizou uma parte do Corpo Militar Acadêmico, de que era comandante, para marchar imediatamente em defesa da Pátria, como efetivamente marchou. Tudo isto consta das numerosas ordens e avisos, que param em sua mão, e se acham registrados nas Secretarias de Estado respectivas.
Em 1811, esteve fechada a Universidade; e no seguinte ano não sendo precisa a sua residência em Coimbra por não haver discípulos da sua cadeira, continuou o suplicante em Lisboa ocupado em objetos de utilidade e serviço público. Neste ano, foi eleito secretário da Academia Real das Ciências[26] cujo emprego aceitou por estar capacitado, que nele fará tanto serviço ao Estado e a instrução pública, como se continuasse a ser lente da Universidade; visto ser aquela corporação literária o complemento desta: ensinando uma os elementos das ciências a mocidade, e aproveitando a outra os homens já instruídos; para que concentradas as sua forças e de mãos dadas divulguem pela nação os conhecimentos úteis, e com seu exemplo, e prêmios anuais promovam, e fomentem as ciências, as artes, e a literatura, que tanto devem ao amor e ilegível de V.A.R.
A vista da singela exposição cronológica, que o suplicante acaba de fazer, julga ter, toda a justiça de impetrar da bondade de V.A.R. a jubilação, que requer; pois não só tem acabado o seu tempo, segundo a carta régia de 18 de maio de 1801, mas porque as numerosas comissões, empregos, que tem, de nenhum modo lhe permitem continuar por mais tempo, no exercício da sua cadeira. Porém se para obter a sua jubilação for ainda precisa nova graça, então espera, que os serviços, que não tem cessado de fazer desde 1790 (em que por ordem e escolha da Augusta Rainha[27] Nossa Senhora partiu a viajar por quase toda a Europa) lhe hajam de alcançar não só esta mercê; mas talvez alguma nova contemplação da magnanimidade de V.A.R. se dignar atender, que o suplicante é lente catedrático na Universidade há doze anos, e como tal pela lei do 1º de dezembro de 1804, e carta régia de 22 de novembro de 1805 já lhe compete a graduação de Agravos na Suplicação, sem faltar da sua antiguidade de desembargador ordinário da Relação e casa do Porto, para onde foi despachado em 1805, como igualmente que o suplicante tem criado o novo lugar de intendente geral das Minas e Metais do Reino, que pelo seu objeto e alçada da Polícia, segundo o direito público dos Estados da Alemanha que pelo alvará de 30 de janeiro de 1802 - título 1º §3 é direito subsidiário com Portugal.

Lisboa, 26 de abril de 1813.

Doutor José Bonifácio de Andrada e Silva

 

[1] Intelectual ilustrado, naturalista e político que exerceu grande influência no processo de independência do Brasil. Nasceu em Santos em 1763, proveniente de família rica e pai funcionário da administração colonial. Assim como os demais integrantes da “geração de 1790” formou-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de filosofia e direito. Como sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, viajou pela Europa estudando química e mineralogia. Em Portugal, ocupou as funções de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, professor de metalurgia em Coimbra e diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda. De volta a São Paulo em 1819, viajou pela província fazendo estudos mineralógicos e em seguida, por ocasião da Revolução do Porto, foi eleito membro da Junta Governativa de São Paulo. Era adepto da ideia de um Império luso-brasileiro, sem que o Brasil perdesse a autonomia já conquistada. Porém, as pressões das Cortes de Lisboa o fizeram mudar de estratégia e defender, então, a emancipação da colônia. Conhecido por suas articulações políticas na construção do novo império idealizou a aclamação do imperador, além de trabalhar na adesão das províncias que ainda se mantinham fiéis a Lisboa e no reconhecimento da independência junto a Inglaterra. Quando d. Pedro I, em 1823, dissolveu a assembleia constituinte para a qual foi eleito com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, Bonifácio rompeu relações com o imperador e passou a criticar seu autoritarismo e aproximação com os grupos portugueses, o que o levou a ser deportado para a França. A reaproximação entre ambos aconteceu em 1829, quando voltou ao Brasil. Depois se tornou tutor de d. Pedro II por ocasião da abdicação. Foi destituído desta função e preso em sua casa em Paquetá por seus adversários, acusado de apoiar a restauração de d. Pedro. Mesmo com a absolvição, em 1835, permaneceu nessa casa até sua morte em 1838. Inspirado pelo ideário das Luzes [Iluminismo], Bonifácio mostrou-se preocupado com as populações indígenas, contrário ao trabalho escravo e favorável à educação como meio de transformação da sociedade. Dentre suas principais contribuições à Assembleia de 1823 constam o fim da escravidão e a civilização dos índios, propondo a distribuição de terras gratuitas a imigrantes pobres, a negros forros, a mulatos e índios domesticados. Por outro lado, também assumia um ideário conservador ao defender o sistema monárquico centralizado e o princípio de um Estado aliado a uma elite para a condução do país ao progresso.

[2] Professor catedrático, termo que denominava os professores das chamadas cadeiras grandes, isto é, os professores dos ensinos superiores. De acordo com os estatutos da Universidade de Coimbra de 1653, caberia aos lentes preservar todo o conteúdo das grandes áreas de ensino, apresentado e lido aos alunos, sem nenhuma espécie de questionamento. As aulas deveriam ser ministradas em latim, com os professores de barrete (espécie de chapéu de tecido) na cabeça – com pena de multa para os que não o usassem. Com a reforma pombalina da Universidade, em 1772, os novos estatutos reformularam a atuação dos lentes. Apesar das grandes áreas de ensino continuarem demarcadas, abriu-se o caminho do professor para o acompanhamento do aluno, através da indicação de bibliografia e explicação dos conteúdos, em uma tarefa levada mais à compreensão que a memorização. No Brasil, sua atuação iniciou-se com a criação das primeiras instituições de ensino superior (Academias Médicas e Militares) a partir da vinda da corte portuguesa em 1808.

[3] A metalurgia designa um conjunto de procedimentos e técnicas para extração, fabricação, fundição e tratamento dos metais e suas ligas. A descoberta e uso dos metais e minerais foi de decisiva importância para a história do Brasil, especialmente durante o período colonial, marcado pela busca de metais preciosos como ouro e prata, e fundamental para a ocupação e povoamento dos chamados sertões do território português nas Américas. Ao longo, principalmente, do século XVIII, o Brasil foi um grande fornecedor de ouro e diamantes para Portugal, extraídos por meio de técnicas primitivas de exploração dos minerais, e pouco se sabia de suas reservas de metais. A partir do período da governação pombalina, com a penetração das ideias ilustradas em Portugal, de incentivo à ciência pragmática, útil à racionalização e modernização do Estado, impulsionou-se o desenvolvimento de novas técnicas e estudos visando a modernização dessa atividade. O desenvolvimento da mineralogia e metalurgia no Império português foi fundamental no que diz respeito à melhoria do uso dos minerais e recursos naturais para aumento da riqueza do reino, principalmente no momento no qual o ouro e os diamantes brasileiros começavam a dar sinais de declínio, e a Revolução Industrial inglesa apontava novas possibilidades de usos de minerais como ferro e carvão. Neste contexto, foi criada a cadeira de metalurgia na Universidade de Coimbra, visando dar suporte teórico, prático, mas sobretudo científico, para melhor conhecimento do potencial mineral do Império e sua mais lucrativa exploração. Para lente dessa cadeira, foi indicado o renomado metalurgista e mineralogista José Bonifácio de Andrada, intendente Geral das Minas e Metais do Reino, administrador das minas de carvão e ferro de Buarcos e Figueiró dos Vinhos, do Real Laboratório da Casa da Moeda, entre vários outros cargos que acumulava, e que tinha longa experiência e grande conhecimento do assunto, adquiridos nos dez anos em que esteve em viagem científica pela Europa. Durante esta viagem, Bonifácio conheceu novos métodos de extração, fundição e fabricação de metais e minérios que se desenvolviam em outros Estados europeus, principalmente os escandinavos; descobriu minerais, escreveu diversas memórias científicas sobre suas descobertas e adquiriu grande conhecimento e experiência. Apesar de sua dedicação, a cadeira de metalurgia da universidade não obteve muito sucesso, e enfrentava graves problemas como a falta de alunos matriculados e de um laboratório adequado para os estudos práticos.

[4] Fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.

[5] O lente jubilado era o professor catedrático que deixava de exercer suas funções, mediante o recebimento de uma pensão do Estado. Eram os professores aposentados por tempo de serviço (que poderia variar entre 15 e 30 anos), invalidez, por força do exercício de outro cargo ou por seu próprio pedido.

[6] Trata-se de um documento produzido pelo monarca dirigido às autoridades metropolitanas ou coloniais contendo ordens de caráter permanente, com poder de lei. As cartas régias diferem-se dos outros documentos jurídicos pela sua estrutura. Em geral principiam com o nome do destinatário seguido da frase “Eu El Rei vos envio muito saudar”. Quando endereçadas a pessoas de maior graduação, encontramos a designação “amigo” após o nome. Quando dirigidas a indivíduos de alta graduação, costumam apresentar, após o nome do destinatário, o termo amigo seguido do período “Eu El Rei vos envio muito saudar, como aquele que prezo”. A assinatura segue o modelo dos Alvarás: Rei, Rainha ou Príncipe.

[7] Criada no âmbito das reformas da Universidade de Coimbra de 1772, a faculdade de Filosofia Natural tinha duração de quatro anos e contava com quatro cadeiras: Filosofia racional e moral; História natural; Química teórica e prática (ministradas pelo naturalista italiano Domingos Vandelli); e Lógica, Metafísica e Ética (cujo lente era Antônio Soares Barbosa). Em 1791, foram criadas as cadeiras de Botânica e Agricultura; de Zoologia e Mineralogia; de Física; e de Química e Metalurgia. Os doutores formados eram chamados de naturalistas. Influenciadas pelo espírito experimental, pragmático e racional das Luzes, o ensino era orientado para a prática, reduzindo-se bastante as matérias do “espírito” (teóricas e humanistas, que refletiam a tradição inaciana na educação que se pretendia substituir). Nesse sentido, a concepção de filosofia passou a ser a da filosofia natural, de orientação agostiniana, superando a tradicional filosofia racional e moral, de orientação aristotélica. Seguindo a orientação pragmática, foram instalados anexos que serviam de laboratório para os estudantes, como o Observatório, o Museu e Gabinete de Física, e o Laboratório Químico, que junto ao Horto (depois Jardim) Botânico formavam o Teatro da Natureza e serviam principalmente  ao estudo prático de botânica, história natural, medicina, física, química, entre outras matérias.

[8] As Casas da Moeda, Minas e Bosques, também conhecidas por Conselho Supremo das Minas, Moedas e Bosques, foram um dos três tribunais criados pela Intendência Geral das Minas e Metais do Reino, a cargo de José Bonifácio de Andrada e Silva, nomeado em 1801, para inspecionar as companhias que administravam e exploravam as minas de metais e carvão de Portugal. Este tribunal funcionava em instância nacional, enquanto outros dois, a Superintendência das Minas e as Juntas de Distrito, correspondiam às esferas regional e distrital, respectivamente. Visavam, todas, ao melhoramento da extração e produção dos metais do reino para melhor aproveitamento prático, modernização e maior lucratividade para a Real Fazenda.

[9] Cargo criado pelo príncipe regente pela carta régia de 18 de maio de 1801, para José Bonifácio de Andrada e Silva. A sugestão para criação da Intendência partiu de d. Rodrigo de Souza Coutinho, que, atento às transformações provocadas pela Revolução Industrial na Grã-Bretanha, percebeu a necessidade da exploração de novas matérias e minerais para a indústria, como o ferro e o carvão, para exportação, mas também evidenciou sua preocupação com o esgotamento das minas no Brasil, em decorrência de uma exploração descontrolada. A indicação de José Bonifácio para o cargo se explica por sua longa experiência como mineralogista e metalurgista, formado pela Universidade de Coimbra, e que teve a oportunidade de ampliar seus conhecimentos em uma longa viagem científica pela Europa na última década do século XVIII. A Intendência seria o órgão responsável por uma exploração mais moderna e racional dos recursos, baseada em pressupostos científicos e pragmáticos, e seria o fiscalizador das companhias de exploração, através dos tribunais a ela subordinados. A atuação da Intendência abrangia as áreas de mineração e agricultura portuguesas e ultramarinas, e os trabalhos resultaram na produção de diversas memórias científicas no campo da mineralogia, apresentadas na Academia Real das Ciências de Lisboa.

[10] Instituição criada para dirigir o funcionamento das atividades extrativistas de carvão nas minas localizadas na freguesia de Buarcos em Portugal. O empreendimento gerou altos lucros para economia portuguesa a partir de 1773, com o advento da revolução industrial e o grande emprego do carvão mineral nas indústrias. Entre 1801 e 1804, a administração das minas de carvão de Buarcos esteve sob a competência da Intendência Geral das Minas e Metais do Reino. Em 1826, a direção foi transferida para as mãos de particulares, permanecendo assim por vinte anos. Com o passar do tempo, o negócio sofreu diversas crises econômicas, agravadas pela má qualidade do carvão extraído, que, em conjunto a um incêndio que a devastou, conduziram ao fim de suas atividades.

[11] Antigas minas de carvão e ferro de Figueiró dos Vinhos, às quais José Bonifácio foi chamado a reativar as escavações e administrar a extração e fundição de ferro em 1801, quando foi designado para administrar a Intendência Geral das Minas e Metais do Reino.

[12] Refere-se à transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, precedendo a invasão francesa em Portugal e a criação do império luso-brasileiro, com a elevação do Brasil a categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves.

[13] Na mitologia romana, Minerva era a deusa da sabedoria, estratégia e da guerra limpa – sua correspondente grega era Atena –, responsável pelas resoluções diplomáticas, evitando ao máximo o derramamento de sangue. Marte, irmão de Minerva, era o deus romano da guerra sangrenta – correspondente do deus grego Ares. Nas correspondências entre os letrados d. Rodrigo de Souza CoutinhoJosé Bonifácio e José da Silva Lisboa, conhecidos como Geração de 1790, a expressão foi utilizada como metáfora à invasão francesa em Portugal. As tarefas de Minerva referem-se aos debates e negociações diplomáticas que aconteceram entre Portugal, França e Inglaterra e que antecederam a invasão das tropas napoleônicas a Portugal, já os trabalhos de Marte fazem menção à guerra contra os franceses depois que Portugal optou pela proteção da Inglaterra e pela transferência da Corte para o Brasil. 

[14] Coimbra, cidade localizada nas proximidades do rio Mondego, se ergueu sobre a colina da Alta, o que lhe conferia um caráter estratégico, por sua privilegiada posição geográfica. Sua época de esplendor sob o domínio romano se encerrou no século V, após ter sido invadida pelos bárbaros suevos. Teve uma longa e significativa passagem sob domínio árabe (do século VIII ao XI), e foi reconquistada pelos portugueses em 1064, tornando-se uma importante cidade ao sul do Douro. Neste período, Coimbra foi capital da região, sendo depois substituída por Lisboa quando da unificação do Estado no século XIV. Coimbra ainda abriga uma das instituições superiores de ensino de maior relevo na Europa (a quarta universidade mais antiga do continente) e do mundo luso-brasileiro: a Universidade de Coimbra – fundada em 1290, inicialmente instalada em Lisboa, mas posteriormente transferida, em definitivo, para Coimbra. Em 1772, o marquês de Pombal realizou a Reforma da Universidade, abolindo, de modo geral, o ensino nos moldes da segunda escolástica praticado pelos membros da Companhia de Jesus e privilegiando a ciência moderna e experimental. A elite colonial, desde cedo, adquiriu o hábito de enviar seus filhos a Coimbra, onde puderam entrar em contato com as teorias liberais dos iluministas que começavam a revolucionar o mundo.

[15] A invasão a Portugal pelos franceses aconteceu em decorrência da guerra que Napoleão Bonaparte movia contra a Inglaterra pela hegemonia no continente europeu. No campo econômico, uma das principais medidas de Napoleão para enfraquecer os britânicos foi a decretação do bloqueio continental em 1806. Tal medida previa a proibição de quaisquer laços comerciais com os ingleses às nações aliadas a França, sob pena de terem seus territórios invadidos por seus temíveis exércitos, incluindo os lusitanos. Diante da não adesão portuguesa ao bloqueio e, ao contrário, da reafirmação dos compromissos com a potência britânica, tropas francesas, comandadas pelo general Junot, entraram em Portugal em novembro de 1807, contando com o reforço da aliança firmada entre Espanha e França. Como consequência, a corte e a família real portuguesa transferiram-se para o Brasil naquele mesmo ano. Uma vez no Brasil, d. João declarou guerra à França. Após importante vitória na batalha do Buçaco em 1810, sob o comando do general inglês Arthur Wellesley, duque de Wellington, os franceses foram definitivamente expulsos de Portugal pelas tropas anglo lusitanas em 1811.

[16] Cargo cuja responsabilidade seria empreender e administrar as obras públicas da cidade de Coimbra, principalmente as relativas ao rio Mondego. Este é o maior rio com nascente em Portugal, na serra da Estrela, e que deságua no oceano Atlântico, em Figueira da Foz, e também um dos mais importantes para o país, não somente por fornecer água para abastecimento da região que corta (na qual fica a cidade de Coimbra), mas também para navegação.

[17] Esta provedoria era responsável pela construção e provimento de marachões, ou diques, nos rios portugueses, visando a facilitar a navegação, a proteção das margens para habitação, para abastecimento de água, e principalmente, para irrigação das lavouras às margens dos rios.

[18] Batalhão formado pelos membros da congregação da Universidade de Coimbra – mestres, alunos, religiosos, funcionários – que lutou nas guerras contra os exércitos franceses que invadiram Portugal. O Corpo Acadêmico foi responsável pela proteção da universidade (que interrompeu suas atividades logo depois das invasões napoleônicas) e da cidade de Coimbra, tendo também atuado em batalhas em outras regiões do país ocupadas pelos exércitos franceses, e ajudado na libertação de outras importantes cidades, como o Porto.

[19] Batalha travada em 1809, durante a Segunda Invasão Francesa a Portugal, ocorrida entre os rios Vouga e Douro, que resultou na retomada da cidade do Porto. Os portugueses contaram com o reforço das tropas inglesas, comandadas pelo tenente-general Arthur Wellesley, 1º duque de Wellington.

[20] Localizada à margem direita do rio Douro, é atualmente a segunda maior cidade de Portugal, sendo considerada a capital do norte do país. Inicialmente batizada de Cale e, posteriormente, de Portucale (nome que deu origem à denominação Portugal), a cidade passou a chamar-se Porto no século XIII, como forma de distingui-la do reino recém-fundado. Entre os séculos XIII e XV, a região desenvolveu fortemente a atividade marítima e comercial, reforçando as relações com portos importantes do Velho Mundo (Barcelona, Valência, Londres, entre outros). A cidade também se tornou conhecida pela produção e comércio de vinho de alta qualidade, que contribuiu para o aumento populacional da região no século XVII. No Porto foi instalada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o objetivo de sustentar a reputação dos vinhos dessa região, a cultura das vinhas, beneficiar o seu comércio. A cidade foi palco e centro irradiador da Revolução Liberal do Porto em 1820. De caráter liberal e antiabsolutista, tinha como principal objetivo a formulação da primeira constituição de Portugal.

[21] A Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime,  se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[22] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[23] Capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[24] Fundado em 1801, com o apoio do então presidente do Real Eráriod. Rodrigo de Souza Coutinho, e ainda em decorrência da reforma do ensino superior promovida durante o período pombalino a partir de 1772, quando os estudos de química foram introduzidos na Universidade de Coimbra. No laboratório, eram realizadas “análises químicas, industriais e [eram fabricados] medicamentos”, requisitadas por diversas instituições e regiões do Império português. A partir dos investimentos que a Coroa fez no laboratório, este passou a oferecer cursos de química e física, supervisionados por Luiz da Silva Mousinho D`Albuquerque, os quais foram vistos com bastante ânimo pelos que neles se inscreviam, como farmacêuticos, cirurgiões, professores, estudantes. A partir de 1811, o laboratório passou também a analisar vinhos estrangeiros e realizar ensaios sobre metais, sob a supervisão do intendente Geral das Minas do Reino, José Bonifácio de Andrada e Silva. Entretanto, depois da transferência da Corte para o Brasil, o Laboratório começou a perder importância e, em 1812, boa parte da aparelhagem da instituição foi enviada ao Laboratório Químico instalado no Rio de Janeiro, nova sede do império luso.

[25] Considerado o primeiro jardim botânico de Portugal, o Jardim Botânico da Ajuda foi fundado em 1768, parte da política pombalina de fomento às instituições de caráter científico no reino. Construído em uma quinta comprada por d. José I ao conde da Ponte, junto ao Paço d’Ajuda, e sob direção do naturalista, botânico e químico italiano Domingos Vandelli (que foi seu primeiro diretor entre 1791 e 1811), o Real Museu e Jardim Botânico d’Ajuda tinha, como fim primeiro, auxiliar na educação dos jovens príncipes, bem como servir para seu divertimento. Era composto de três anexos: o Museu de História Natural, que recolheu espécies dos chamados “três reinos da natureza” frutos de expedições científicas e filosóficas [viagens e expedições filosóficas], tais como a de Alexandre Rodrigues Ferreira, ao Brasil e depois em outras colônias portuguesas, como Angola, Goa, Moçambique, Cabo Verde; o Laboratório de Química (que mais tarde passou a ser de Física também); e a Casa do Risco, para o ensino de desenho e artes. Recebeu plantas e sementes de praticamente todos os continentes (aproximadamente cinco mil exemplares no início), mas no final da gestão de Vandelli, o jardim havia decaído consideravelmente (a coleção baixou para cerca de mil e duzentas espécies vegetais), pois privilegiou-se as obras de melhoramento e estrutura em detrimento ao cuidado com as espécies. Em 1811, começou um período próspero, sob a direção de Félix de Avelar Brotero, discípulo de Vandelli, renomado botânico, que fez reviver o jardim, com a construção de estufas e o cultivo de plantas exóticas, vindas, sobretudo, do Brasil e de colônias portuguesas na África.

[26] Fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.

[27] Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

 

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