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Limites e Fronteiras

Sala de aula

Escrito por Mirian Lopes Cardia | Publicado: Quarta, 23 de Mai de 2018, 13h24 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 13h22

Comissão demarcatória de limites

Suplemento do Tratado de Madri sobre a instrução real para nomeação de comissários responsáveis pela demarcação dos territórios ibéricos na América. Pretendia-se, com esta demarcação, estabelecer a fronteira luso-castelhana com uma maior precisão para evitar disputas posteriores. Este documento expressa a preocupação das coroas ibéricas com uma demarcação clara de suas fronteiras e soberanias no Novo Mundo, estabelecida através da ação diplomática dos tratados, em uma tentativa de fazer cessar definitivamente as hostilidades. 

 

Conjunto documental: capitanias do Pará, Minas Gerais e Colônia do Sacramento
Notação: caixa 747, pct.03
Data-limite: 1703-1772
Título do fundo: vice-reinado
Código do fundo: d9
Argumento de pesquisa: limites
Data do documento: 17 de janeiro de 1751
Local: Madri
Folha: -

 

"Em nome da Santíssima Trindade

Os sereníssimos reis de Portugal[1] e Espanha[2] tendo concluído felizmente o Tratado de Limites[3] dos seus domínios na América assinado em Madri a 13 de janeiro do ano de 1750, e ratificado em forma, e desejando que se estabeleça a fronteira com a maior individualidade, e precisão, de sorte que no tempo adiante não haja lugar nem motivo para a mais leve disputa, concordaram pelo artigo XXII do dito tratado, que se nomeassem comissários por ambas as partes, para que ajustem com a maior clareza as paragens por onde há de correr a raia, e demarcação; segundo, e conforme se expressa no referido tratado, e artigo, e depois reconhecendo a demasiada extensão do terreno que se há de reconhecer, e demarcar, se conformarão em que vão duas tropas de comissários, uns pelo rio Maranhão, ou Amazonas[4], e outros pelo rio da Prata[5]; aos quais tem outorgado os poderes, que se porão no fim desta instrução, nomeando cada um pela sua parte pessoas de confiança, inteligência e zelo, para que concorrendo com os da outra, estabeleçam os limites na forma ajustada. E querendo que se execute com a união, e boa fé correspondente à sinceridade da suas intenções, resolverão instruir aos referidos comissários, do que hão de executar na prática dos casos, que se podem prevenir, dando-lhes também regra, e norma para que eles por si decidam os que não estejam prevenidos, a cujo efeito nós abaixo assinados ministros de suas majestades Fidelíssima e Católica usando dos plenos poderes que nos tem conferido para o tratado principal, sua execução e complemento, bem instruídos das intenções dos sereníssimos reis nossos amos, temos concordado nos presentes artigos que os comissários das duas coroas, que hão de ir pelo rio da Prata observarão em tudo, e por tudo. Em fé do que, em virtude das ordens e poderes que temos dos reis nossos amos, firmamos a presente instrução e assinamos com o zelo de nossas armas. Madri, 17 de janeiro de 1751.Visconde Tomás da Silva Teles[6]. José de Carvajal e Lancaster[7].

 

Segue-se o suplemento, e depois dele as ratificações dos dois respectivos monarcas."

 

 

[1] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[2] FERNANDO VI (1713-1759): governou a Espanha entre os anos de 1746 e 1759, sendo adepto de uma política pacifista e de neutralidade. Teve como seus principais colaboradores os fidalgos José de Carvajal y Lancaster e o marquês de Ensenada. Em 1729, casou-se com Bárbara de Bragança, filha de d. João V, rei de Portugal. Sob seu governo, foi assinado o Tratado de Madri com a corte portuguesa em 1750 e firmado o tratado regalista de 1753, que possibilitou o controle sobre a Igreja, atribuindo ao rei o patronato universal. No campo das artes, destacou-se pela fundação da Academia de São Fernando de Belas Artes em 1752. Foi sucedido no trono por seu irmão Carlos III.

[3] TRATADO DE MADRI (1750): acordo de limites firmado entre Portugal e Espanha em 1750, visando reconhecer oficialmente as fronteiras marítimas e terrestres, definindo os limites do poderio de cada coroa sobre as colônias na América. Nesse contexto, merece destaque a figura de Alexandre de Gusmão, secretário do Conselho Ultramarino, brasileiro que intermediou o tratado e conferiu a este o princípio do uti possidetis, isto é, a ideia de que a terra deveria pertencer a quem de fato a ocupasse. Essa iniciativa constituiu uma inovação jurídica no domínio das negociações diplomáticas. Gusmão também foi o responsável pela elaboração do Mapa dos Confins do Brazil com as terras da Coroa de Espanha na América Meridional, conhecido como mapa das Cortes, que buscou ilustrar o estipulado no texto do projeto de tratado proposto, uma construção cartográfica com objetivos diplomáticos. No mapa apareciam as terras em disputa que já estariam efetivamente ocupadas pelos súditos portugueses na América e foi fundamental para o aceite espanhol de quase todas as cláusulas que vieram de Lisboa. Em suas determinações, o tratado estabelecia que a colônia do Sacramento pertenceria à Espanha e o território dos Sete Povos das Missões a Portugal. Ao Norte, no vale Amazônico, também foram atendidos os interesses portugueses, garantindo a defesa daquele território diante da possibilidade de investidas de estrangeiros na região e consolidando o controle político-administrativo do estado do Grão-Pará e Maranhão; além de garantir a integração dessa região com a capitania de Mato Grosso, mantendo o controle dos rios existentes no vale do Guaporé. Pela primeira vez, desde o Tratado de Tordesilhas (1494), procurava-se definir a totalidade dos limites entre as possessões das coroas ibéricas no novo mundo. Este tratado acabou por fornecer à América portuguesa uma configuração muito próxima à atual delimitação territorial do Brasil. A demarcação de tais fronteiras, demasiado extensas, não foi um processo simples: após a assinatura do tratado, as coroas ibéricas organizaram expedições demarcatórias constituídas por diversos profissionais formados nas áreas de engenharia, cartografia, matemática, desenho, astronomia, entre outros, com o objetivo de reconhecer, cartografar e delimitar as fronteiras do território colonial. No entanto, um clima de desconfiança entre os participantes das comissões de demarcação ameaçava a conclusão dos trabalhos, além das dificuldades em retirar os jesuítas e índios da região dos Sete Povos e outros problemas encontrados na demarcação territorial, explicam a pouca duração desse tratado, anulado, em 1761, pelo Tratado de El Prado. Cabe ressaltar que o Tratado de Madri desempenhou um papel de extrema importância na formação territorial do Brasil pois expôs as reais proporções da ocupação portuguesa na América, resultado da expansão territorial para além do tratado de Tordesilhas durante mais de dois séculos de colonização.

[4] RIO AMAZONAS: Maranhão foi o primeiro nome dado ao rio Amazonas e à região por ele banhada. Recebeu a denominação de Amazonas, por existirem na região mulheres que combatiam lado a lado com os homens para expulsar os invasores. Por ser uma das principais vias de acesso ao interior do Brasil, o rio Amazonas era fonte de preocupação para a administração colonial, temerosa da ação de corsários e piratas. Entre as medidas adotadas pelo poder colonial para impedir a entrada de corsários na América portuguesa pelo rio Amazonas, esteve a criação do Forte do Presépio em 1616, o qual mais tarde deu origem a cidade de Belém.

[5] PRATA, RIO DA: descoberto pelo navegador espanhol João Dias de Solis em 1515, na busca por uma comunicação entre o oceano Atlântico e o Pacífico. O rio, como também seu estuário – na região da tríplice fronteira entre os atuais países Brasil, Uruguai e Argentina – recebeu o nome de Prata por inspiração de Sebastião Caboto, navegador italiano a serviço da Coroa espanhola, impressionado pela abundância deste metal na localidade. A região do rio da Prata foi alvo, durante o período de dominação colonial ibérica nas Américas, de intensas disputas entre as duas metrópoles (Portugal e Espanha), em função de sua importância econômica – jazidas de prata – e estratégica – principal via de acesso ao interior da América. Uma das consequências dessas intensas disputas pela região foi a quase ausência de uma ocupação política efetiva, já que se alternavam invasões de um lado ou de outro do rio – nas províncias de São Pedro do Rio Grande e na Colônia do Sacramento – que mais se assemelhavam a incursões de pilhagem do que tentativas de estabelecimento de domínio de autoridade. A fundação de Sacramento por Portugal em 1680 representou uma iniciativa para apoiar a ampliação dos limites do império até o rio da Prata. No entanto, a região foi palco de inúmeros processos de ocupação e, até sua independência política em 1825, fez parte de diferentes nações ou confederação de estados. O Tratado de Madrid não conseguiu solucionar as questões em torno da região e os portugueses continuaram a insistir na ideia de uma “fronteira natural, ” que os levaria até o lado esquerdo do estuário. Interesses da coroa britânica na região agiam como fator complicador nos litígios entre Portugal e Espanha, interesses estes registrados e documentados desde o século XVIII em função de atividades mercantis daquela que era, à época, a nação que mais produzia e comercializava produtos manufaturados. A participação da Inglaterra na concepção do projeto de transmigração da corte portuguesa para o Brasil integrava as tentativas de estender a influência inglesa a outras regiões da América do Sul, embora tal atuação não significasse o apoio à ideia de formação de um bloco coeso na região, supostamente sob influência de Portugal. A Inglaterra fez dura oposição ao projeto de anexação da região cisplatina ao Reino do Brasil, projeto levado a cabo por d. João VI em 1821, e apoiou o movimento de independência do atual Uruguai, interessada na liberação e fragmentação completa das colônias espanholas.

[6] TELLES, TOMÁS DA SILVA (1683-1762): era filho do marquês de Alegrete, Fernando da Silva Teles, e de d. Helena de Noronha. Tendo freqüentado a Universidade de Coimbra, Silva Teles iniciou a carreira militar em 1708, participando das lutas contra as tropas de Filipe V, na Guerra de Sucessão Espanhola (1703-1713). Recebeu os títulos de visconde de Vila Nova da Cerveira ao casar-se com a sua sobrinha d. Maria José de Lima e Hohenloe e de gentil-homem da câmara de d José I em 1750. Foi ainda embaixador extraordinário em Madri e conselheiro de Guerra. Vila Nova esteve entre os fidalgos que fizeram oposição ao marquês de Pombal, sendo preso no castelo de S. João da Foz onde permaneceu até o seu falecimento. Sob o pseudônimo de Teotônio de Souza Tavares, publicou o Discurso sobre a disciplina militar, a ciência de um soldado de infantaria, dedicado aos soldados novos em 1737.

[7] LANCASTER, JOSÉ DE CARVAJAL Y (1698-1754): político espanhol e membro da ilustre família inglesa dos Lancaster. Ocupou importantes cargos no Conselho das Índias durante o reinado de Felipe V. A partir de 1746, como secretário de Estado, Carvajal passou a controlar as relações exteriores da Espanha. Favorável a uma solução das questões limítrofes entre o império português e espanhol na América dirigiu as negociações do Tratado de Madri, assinado em 1750. Foi um dos fundadores da Academia de Belas Artes e da Real Academia Espanhola.

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes temas
- Estados modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

Disputas territoriais na região do Prata

Ofício relatando a disputa de terras entre os comissários das Coroas ibéricas no território da lagoa de Merin. De acordo com o documento, o comissário de Portugal utilizou-se do artigo 15 do tratado preliminar de paz, datado de 1777, para alegar posse portuguesa sobre o referido território. O artigo mencionado tratava da formação de uma comissão, composta por agentes das duas Coroas, que deveria determinar os limites e fronteiras na região do Prata. Através deste documento, é possível perceber o esforço das nações ibéricas no sentido por termo às questões de limites e fronteiras na América.

 

Conjunto documental: Capitania do Rio Grande do Sul
Notação: caixa 749, pacote 02
Datas - limite: 1766-1813
Título do fundo ou coleção: Vice-reinado
Código do fundo:  D9
Argumento de pesquisa: limites
Folha(s): doc. 16
Data: 4 de setembro de 1793
Local: s.l.

"Em o fuso de 20 de Maio do presente ano, requeri a Excelência que manda se evacuar o terreno compreendido nas vertentes da Lagoa de Merin, que me constava haver se ocupadas de próximo por algumas guardas espanholas e ultimamente pela que acabava de se os ter o alferes de Fragata São Joaquim Gundim, fundando me em que o referido terreno no qual ao tempo de se dar princípio a atual demarcação de Limites[1], não existia estabelecimento algum, faz desde então assaz disputado entre mim e o comissário espanhol meu concorrente, reclamando cada um de nós favor dos Domínios da sua Nação e terminado a mesma disputa ou discórdia conforme o Artigo 15 do Tratado Preliminar de 1777[2], ordena que se terminem todas as de semelhante natureza dando parte as cortes, a fim de esperar a sua resolução. Com data de 20 de julho próximo passado me responde Vossa Excelência insinuando os motivos que o obrigaram a não assentir na minha requisitória, e os quais não obstante protesto satisfazer principiando pelo primeiro em que Vossa Excelência se funda dizendo que não sabe como se puderam haver reclamado desde as primeiras conferências de Chuí os terrenos compreendidos nas vertentes da Lagoa de Merin; seria para admirar na verdade, que meu concorrente se visse obrigado a reclamá-los, se a Espanha os possuísse de tempo imemorial, ou da conquista da América, como informaram a Vossa Excelência ... em consequência do disposto pelo Tratado Preliminar de 1777, não menos que do deduzido das suas regras gerais se deve traçar a linha divisória salvando as vertentes da Lagoa Merin, a favor dos Domínios de Portugal[3] compreendido nos limites desta fronteira do Brasil ... ao Artigo 3 que encerra a descrição da linha divisória e domínios pertencentes a Espanha[4], desde a barra do Arroio Chuí até as cabeceiras ou vertentes do Rio Negro, por convenção e ajuste feito entre ambos se suspendeu o curso ou direção da própria linha, pelo 4º e último marco daquela demarcação colocado nas imediações e do sul da barra do Rio São Luís, primeira vertente da Lagoa de Merin o que era impossível que sucedesse se todas elas se não reclamassem como nos ofícios a que se procedeu nos acampamentos de Chuí e outros mais a saber, ... Primeiros comissários nomeados por  Sua Majestade Fidelíssima[5] para a demarcação dos seus domínios a cerca dos pontos por onde deve dirigir-se a linha divisória desde as margens da Lagoa Merin, até as cabeceiras do Rio Negro, lançado a origem e integridade da posse e domínios do expressado terreno em disputa, o que não padece duvida é que no ano de 1735, povoaram os portugueses esta vila do Rio Grande estendendo as suas possessões até altura ... de Castilhos, aonde hoje em dia se olha o forte de Santa Teresa, distante da outra vila 50 léguas, que assim se conservarão ou conservaram os mesmos portugueses sem contradição nem oposição de pessoa alguma não só até ao ano de 1750[6], cujo tratado não restringia antes ampliava aquelas mas até que por ocasião da guerra que se rompeu na Europa no ano de 1762[7] ocuparam as tropas Espanholas os referidos estabelecimentos pertencentes a coroa de Portugal e ultimamente pelo artigo 21 do tratado de paz de 1763[8] se determinou o seguinte "As tropas espanholas e francesas evacuarão todos os territórios, campos, cidades ... E a respeito das colônias portuguesas na América, África, ou nas Índias orientais, se houvesse acontecido qualquer mudança, todas as coisas se tornarão após no mesmo pelo em que estavam e na conformidade dos Tratados precedentes que subsistiam entre as Cortes de Espanha, da França e de Portugal antes da presente guerra. Depois desta guerra e deste Tratado que serviu de confirmar a Portugal a legitima posse em que havia 28 anos se achava do obrigado terreno em disputa ...". Deus salve Vossa Excelência 4 de setembro de 1793=".

 

[1] LIMITES: a demarcação dos limites na América passou pela legitimidade dos domínios de Espanha e Portugal, provocando confrontos diretos entre as potências europeias, que buscaram, através da diplomacia, resolver as disputas existentes. As duas Coroas tiveram a necessidade de acordar entre si partilhas territoriais por meio de tratados, os quais apresentavam como aspecto inovador a instituição do rigor científico para uma melhor elaboração das delimitações, valendo-se de conhecimentos de astronomia e instrumentos matemáticos. A disputa pelos territórios da região do rio da Prata pelas metrópoles ibéricas, por exemplo, resultou numa série de tratados internacionais ao longo do século XVIII, entre eles o de Madri em 1750 e Santo Ildefonso em 1777, embora nenhum deles tenha solucionado efetivamente a questão dos limites. Em meio a estas disputas, os interesses da Inglaterra atuaram como obstáculo para a resolução das querelas territoriais na América, afetando a neutralidade lusa em relação à Espanha, pressionando a região do Prata com uma possível invasão, lembrando-se ainda a importância da colônia de Sacramento para o comércio inglês nessa área.

[2] TRATADO PRELIMINAR DE 1777 (TRATADO DE SANTO ILDEFONSO): o Tratado Preliminar de Paz e Limites, assinado em Santo Ildefonso, em 1º de outubro de 1777, teve como finalidade encerrar os conflitos fronteiriços na América e na Ásia, que ocorreram ao longo de quase três séculos, entre Portugal e Espanha. Com o fracasso do Tratado de Madri, anulado pelo El Pardo (1761), representantes das coroas ibéricas, d. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho e o conde de Floridablanca, negociaram um tratado preliminar que, posteriormente, foi reafirmado e aprimorado pelo Tratado de Amizade, Garantia e Comércio em 11 de março de 1778 (Tratado de El Pardo). O acordo pretendia demarcar fronteiras conforme os acidentes demográficos das regiões em litígio, para tanto, comissões demarcatórias foram estabelecidas por ambas as coroas, que deveriam encaminhar-se até os locais determinados pelo tratado e estabelecer a linha divisória entre os limites espanhóis e portugueses. De acordo com o tratado, Colônia do Sacramento e as terras a leste do rio Uruguai caberiam à Espanha, incluindo o território das missões orientais, admitindo a soberania castelhana sobre as duas margens do rio da Prata.  Enquanto a Espanha deveria restituir a ilha de Santa Catarina – invadida em 1776 pelas forças espanholas a partir de Buenos Aires – à coroa lusa, além de garantir o domínio português na região do Rio Grande de São Pedro e adjacências, passando o limite fronteiriço pelo rio Jacuí. O tratado previa ainda, ajustes nas divisas da região norte, notadamente Amazonas e Mato Grasso.

[3] IMPÉRIO PORTUGUÊS: a gênese do grande império português começou a se delinear nos séculos XV e XVI, impulsionado pelo comércio de especiarias, durante a expansão marítima e comercial europeia. A conquista de Ceuta, em 1415, marcou o início deste processo seguido da exploração do litoral africano, da passagem pelo extremo sul da África e da ambicionada chegada de Vasco da Gama às Índias, em 1498. As conquistas prosseguiram com a expedição de Pedro Álvares Cabral, que alcançou o Brasil em 1500, e as posteriores aquisições de territórios na China e no Japão. O Império ultramarino português alcançou tal extensão e diversidade regionais que, no início do século XVI, d. Manuel acrescentou ao título de rei de Portugal e Algarves, os de “senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia e Índia”. Um grande Império português foi o sonho acalentado em alguns momentos ao longo da história de Portugal, especialmente os de crise, como solução possível para grandes impasses e ameaças à própria existência do reino. Em muitos desses momentos (embora não em todos), a sede eleita para esse grande empreendimento seria, não por acaso, o Brasil, a maior e mais lucrativa colônia portuguesa. Mas, em nenhum outro período como no início do século XIX, o projeto desse grande, novo e poderoso Império se fez tão forte e urgente para a sobrevivência de Portugal. O autor desta proposta, que vingaria em 1808, foi d. Rodrigo de Souza Coutinho (posteriormente conde de Linhares) que, em 1797, professando as ideias da Ilustração portuguesa, propôs a criação de um grande Império ultramarino português, colocando o Brasil, estrategicamente, como sede do governo. Justificava seu plano em nome de reforçar a unidade do Império, ameaçada constantemente por rebeliões anticoloniais, pela Independência das Treze colônias e pela Revolução Francesa e sua perigosa mensagem de liberdade. Pretendia deste modo, diminuir a insatisfação dos colonos e as diferenças entre estes e os metropolitanos, dando a todos os habitantes do novo Império o status de vassalos portugueses. A escolha do Brasil, mais especificamente do Rio de Janeiro, para sede do novo governo, também não foi por acaso – localizada estrategicamente próxima a Lisboa, a Luanda (em contato permanente com as possessões na Índia) e às minas gerais, a cidade era ponto chave no comércio do Atlântico e no escoamento da produção aurífera, assim como a colônia era objeto de cobiça de várias outras nações europeias, mais poderosas e fortes que Portugal, como a França e a Grã-Bretanha, por exemplo. A princípio, esse projeto não encontrou eco entre os portugueses reinóis, inconformados em perder o status de metrópole e ver suas colônias elevadas à condição de reino. Essa insatisfação provocou a saída de d. Rodrigo do governo, mas os acontecimentos de 1807 (o bloqueio comercial decretado à aliada Inglaterra, a iminência de uma invasão francesa e o pacto entre França e Espanha sobre a partilha dos territórios portugueses depois de ocupados) empurraram a Coroa para a única solução que se apresentava: transferir a Corte, o governo e todo seu aparato burocrático e administrativo para o Rio de Janeiro, concretizando, ainda que forçosamente, o sonho do Império com sede no Brasil como única saída para a salvação da monarquia portuguesa ante a ameaça francesa, acontecimento sem precedentes na história do colonialismo europeu.

[4] DOMÍNIOS PERTENCENTES A ESPANHA: após a reunificação da Espanha pelos reis católicos Isabel de Castela e Fernão de Aragão (1469) e da expulsão dos mouros (1492), iniciou-se, pelos mesmos soberanos, a política de financiamento das expansões marítimas, visando a descoberta de novas rotas comerciais e a equiparação de conquistas com Portugal. Através da expedição de Cristóvão Colombo, a América tornou-se conhecida pela Europa, principiando-se o processo de colonização de suas terras pelos espanhóis. O Império castelhano alcançou o seu esplendor sob o governo de Carlos I (1516-1556), que estendeu seus domínios aos Países Baixos, Áustria, Sardenha, Sicília e Nápoles, tornando-se o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, com o título de Carlos V. Em 1580, seu sucessor Filipe II unificou as coroas espanhola e portuguesa, após a morte de d. Henrique de Portugal, iniciando o período conhecido como União Ibérica. Somente em 1640, o império luso readquiriu sua independência. Durante a idade moderna, a exploração da prata e da mão-de-obra indígena nas colônias americanas transformaram-se nas mais lucrativas atividades comerciais espanholas. Desta forma, os limites dos seus territórios no Novo Mundo, constituíram-se, desde o início, um grave problema a ser resolvido com a coroa portuguesa, o que iniciou uma série de tratados na busca de um a solução para a questão, desde o século XV.

[5] JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[6] TRATADO DE MADRI (1750): acordo de limites firmado entre Portugal e Espanha em 1750, visando reconhecer oficialmente as fronteiras marítimas e terrestres, definindo os limites do poderio de cada coroa sobre as colônias na América. Nesse contexto, merece destaque a figura de Alexandre de Gusmão, secretário do Conselho Ultramarino, brasileiro que intermediou o tratado e conferiu a este o princípio do uti possidetis, isto é, a ideia de que a terra deveria pertencer a quem de fato a ocupasse. Essa iniciativa constituiu uma inovação jurídica no domínio das negociações diplomáticas. Gusmão também foi o responsável pela elaboração do Mapa dos Confins do Brazil com as terras da Coroa de Espanha na America Meridional, conhecido como mapa das Cortes, que buscou ilustrar o estipulado no texto do projeto de tratado proposto, uma construção cartográfica com objetivos diplomáticos. No mapa apareciam as terras em disputa que já estariam efetivamente ocupadas pelos súditos portugueses na América e foi fundamental para o aceite espanhol de quase todas as cláusulas que vieram de Lisboa. Em suas determinações, o tratado estabelecia que a colônia do Sacramento pertenceria à Espanha e o território dos Sete Povos das Missões a Portugal. Ao Norte, no vale Amazônico, também foram atendidos os interesses portugueses, garantindo a defesa daquele território diante da possibilidade de investidas de estrangeiros na região e consolidando o controle político-administrativo do estado do Grão-Pará e Maranhão; além de garantir a integração dessa região com a capitania de Mato Grosso, mantendo o controle dos rios existentes no vale do Guaporé. Pela primeira vez, desde o Tratado de Tordesilhas (1494), procurava-se definir a totalidade dos limites entre as possessões das coroas ibéricas no novo mundo. Este tratado acabou por fornecer à América portuguesa uma configuração muito próxima à atual delimitação territorial do Brasil. A demarcação de tais fronteiras, demasiado extensas, não foi um processo simples: após a assinatura do tratado, as coroas ibéricas organizaram expedições demarcatórias constituídas por diversos profissionais formados nas áreas de engenharia, cartografia, matemática, desenho, astronomia, entre outros, com o objetivo de reconhecer, cartografar e delimitar as fronteiras do território colonial. No entanto, um clima de desconfiança entre os participantes das comissões de demarcação ameaçava a conclusão dos trabalhos, além das dificuldades em retirar os jesuítas e índios da região dos Sete Povos e outros problemas encontrados na demarcação territorial, explicam a pouca duração desse tratado, anulado, em 1761, pelo Tratado de El Prado. Cabe ressaltar que o Tratado de Madri desempenhou um papel de extrema importância na formação territorial do Brasil pois expôs as reais proporções da ocupação portuguesa na América, resultado da expansão territorial para além do tratado de Tordesilhas durante mais de dois séculos de colonização.

[7] GUERRA DO PACTO DE FAMÍLIA (1762): também conhecida como Guerra Fantástica, eclodiu na Europa em 1762, envolvendo as Coroas de Portugal e Espanha. Inserido no contexto da Guerra dos Sete Anos, este conflito foi decorrente da recusa lusitana em aderir ao Terceiro Pacto de Família (aliança militar na qual se reuniriam todos os soberanos da família Bourbon), participação que implicaria no rompimento das relações com a Inglaterra. Como consequência, Portugal pediu auxílio à Inglaterra, enquanto a Espanha recorreu à França, motivando o ataque dos espanhóis do rio da Prata ao sul do Brasil e culminando com o envolvimento das Coroas ibéricas na Guerra dos Sete Anos.

[8] TRATADO DE PARIS (1763): acordo que pôs fim à Guerra dos Sete Anos (1756-1763), selando a paz entre as potências beligerantes em fevereiro de 1763. Consolidado pelo duque Choiseul, da França, o marquês de Grimaldi, da Espanha e o duque de Bedford, da Inglaterra, o tratado foi resultado de dois anos de negociações, iniciadas pelo ministro francês desde janeiro de 1761. A Inglaterra foi a grande beneficiada neste acordo, recebendo da França a maior parte de suas colônias na América do Norte. De uma maneira geral, suas principais implicações foram: a França cedeu para os ingleses as possessões americanas do Canadá, parte do Mississipi, a Ilha de Cabo Breton, Dominica, Granada, São Vicente, Tobago, a colônia do Senegal (África), além de possessões na Índia; a Inglaterra recebeu da Espanha o território da Flórida, Menorca e algumas possessões no Mississipi; a Espanha obteve da Inglaterra a devolução de Cuba e das Filipinas e da França a Luisiana – território com o qual se compensou a perda da Flórida; já a França, conservou as posses de Guadalupe e Santa Lucia (ambas no Caribe), assim como o direito de pesca nas costas da Terra Nova (Canadá); Portugal obteve da Espanha a devolução da colônia do Sacramento, junto à promessa da retirada das tropas da Espanha e da França deste território.

Sugestões de uso em sala de aula:
- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes temas:
- Estados modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

Fiscalização das fronteiras

Documento ordenando a execução dos artigos previstos no tratado preliminar de paz e de limites da América meridional, firmado entre a rainha de Portugal d. Maria I e o rei espanhol Carlos III. Entre os pontos abordados neste documento, estava a necessidade de se coibir o contrabando, o roubo e outras infrações, o que se faria através de uma fiscalização eficaz das fronteiras meridionais. O tratado também determinou a vigilância das fronteiras com patrulhas de ambas as coroas no chamado território neutro, em uma tentativa de impedir que essa região fosse ocupada indevidamente. Para além da preocupação com a proteção e fiscalização das fronteiras, o presente documento revela a necessidade de uma ajuda mútua para garantir a ordem no território fronteiriço sul-americano.

 

Conjunto documental: Vice-reinado. Correspondência com o governador e mais pessoas do Rio Grande do Sul sobre demarcação de limites, etc.
Notação: códice 104, vol. 01
Data-limite: 1779-1779
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: limites
Data do documento: 6 de novembro de 1779
Local: Rio de Janeiro
Folha: 52v a 53v

 

"Em observância dos reais tratados preliminares de paz, e de limites da América[1] meridional relativo aos estados, que nela possuem as Coroas de Portugal, e de Espanha, e de aliança defensiva entre os muitos altos e poderosos senhores d. Maria[2] rainha de Portugal, e d. Carlos III[3] de Espanha: mando ao governador do Rio Grande de São Pedro[4], que depois de solenemente publicados, faça praticar a disposição dos seguintes Artigos:

I-Devendo os governadores, e comandantes de ambas as fronteiras procurar todos os meios de evitar nelas os contrabandos[5], roubos, assassinos, e outros quaisquer delitos, terão um eficacíssimo cuidado em reconhecer, e examinar quaisquer pessoas desconhecidas, pondo não só nas ditas fronteiras, mas ainda nos sítios mais próximos a elas, espiãs para lhas denunciarem, pessoas de grande zelo, e desinteresse.

II - E como na forma do artigo 19 do sobredito tratado preliminar fica proibida reciprocamente a entrada no espaço do dito território neutro, que não deve servir de asilo aos delinqüentes, estabelecerão os ditos governadores e comandantes das fronteiras ambas patrulhas, que possam livremente divagar pelo dito território, chegando de cada uma das ditas fronteiras até certos lugares proporcionados, em que se avistem para apreenderem os referidos delinqüentes, ou evitarem a facilidade de conseguirem semelhante asilo ...

IV - Sucedendo o caso de ser apreendido pela patrulha de uma das fronteiras algum delinqüente, que pertença ao domínio da outra, sem que tivesse saído a mesma patrulha com esse determinado fim, e encontra-se com a patrulha da outra fronteira, mostrando-se que esta saiu ... para apreender aquele mesmo delinqüente, se lhe deverá entregar, precedendo a reclamação do mesmo oficial, que o procurava, sendo o delito dos especificados no artigo sexto do sobredito tratado de aliança defensiva , ou dos tratados, e concordatas antigas, a que aquele artigo se refere.

V - Só se passarão semelhantes passaportes, além das ditas patrulhas, a quem levar algum ofício, ou aviso do Real Serviço, declarando-se assim nos mesmos passaportes; porque a ninguém fica permitido passar à fronteira estranha, nem ainda com o pretexto de prosseguir demandas, que só devem tratar-se por meio dos governadores, comandantes ou magistrados; antes a toda a pessoa, que for apreendida na dita fronteira, serão sequestrados seus bens, avisando-se prontamente não só o próprio governador da fronteira estranha, a que o apreendido pertence, mas também o oficial, ou magistrado mais vizinho da mesma fronteira com declaração de todos os sinais, e confrontações, que possam dar um verdadeiro conhecimento da pessoa apreendida, para poder ser reclamada com toda a brevidade possível se o delito for dos indicados no artigo antecedente...

VII - Igualmente terão efeito as sobreditas requisitórias para a remissão dos escravos, que houverem desertado para os limites do domínio estranho; mas, quando confessarem o plano a sua servidão, e por consequência o furto, que de si mesmos cometeram, fugindo de seus senhores, bastará esta sua confissão para logo prontamente se entregarem.

E todas estas providências serão observadas com toda a diligência, cuidado, e boa-fé, que pede matéria tão importante, e tão recomendada nos sobreditos reais tratados, para que com a impreterível execução deles se estabeleça com toda a firmeza entre os vassalos[6] de um, e outro domínio aquela paz, boa harmonia e tranqüilidade; a que se dirigem os mesmos reais tratados, e que devem ser frutos da estreita união, e amizade felizmente estabelecida entre os augustíssimos soberanos, por quem foram celebrados. Rio, 6 de novembro de 1779. Luiz de Vasconcelos e Souza.[7]"

 

[1]LIMITES: a demarcação dos limites na América passou pela legitimidade dos domínios de Espanha e Portugal, provocando confrontos diretos entre as potências europeias, que buscaram, através da diplomacia, resolver as disputas existentes. As duas Coroas tiveram a necessidade de acordar entre si partilhas territoriais por meio de tratados, os quais apresentavam como aspecto inovador a instituição do rigor científico para uma melhor elaboração das delimitações, valendo-se de conhecimentos de astronomia e instrumentos matemáticos. A disputa pelos territórios da região do rio da Prata pelas metrópoles ibéricas, por exemplo, resultou numa série de tratados internacionais ao longo do século XVIII, entre eles o de Madri em 1750 e Santo Ildefonso em 1777, embora nenhum deles tenha solucionado efetivamente a questão dos limites. Em meio a estas disputas, os interesses da Inglaterra atuaram como obstáculo para a resolução das querelas territoriais na América, afetando a neutralidade lusa em relação à Espanha, pressionando a região do Prata com uma possível invasão, lembrando-se ainda a importância da colônia de Sacramento para o comércio inglês nessa área.

[2] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[3] CARLOS III (1716-1788): sasumiu o trono espanhol quando seu irmão, o rei Fernando VI, morreu sem deixar descendentes. Apreciador da cultura, durante seu reinado (1759-1788) foram fundados a Biblioteca Nacional de Madrid, o Observatório Astronômico, o Jardim Botânico, o Conservatório de Música e Declamação, o Museu de Ciências Naturais e a Academia de Belas Artes. No seu governo, foi assinado o terceiro pacto de família, apoiando a França contra a Inglaterra na Guerra dos Sete Anos. Com a derrota da aliança entre os Bourbons, a Espanha perderia a Colônia do Sacramento para Portugal, tradicional aliado dos britânicos.

[4] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[5] CONTRABANDO: na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal, sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ouro, diamantes e pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta prática. [Ver também DESCAMINHOS]

[6]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[7] SOUZA, LUÍS DE VASCONCELOS E (1742-1809): nasceu em Lisboa e se formou em bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra. Ainda em Portugal, ocupou importantes cargos da magistratura. Entre os anos 1779 e 1790, foi vice-rei do Brasil, sucedendo o 2º marquês do Lavradio. Em seu governo criou uma prisão especial destinada à punição dos escravos, como alternativa aos violentos castigos impostos pelos seus senhores; promoveu a cultura do anil, do cânhamo e da cochonilha; apoiou as pesquisas botânicas realizadas por frei José Mariano da Conceição Veloso e patrocinou a criação de uma sociedade literária no Rio de Janeiro em 1786. Entre as melhorias realizadas na cidade do Rio de Janeiro durante sua administração, destacam-se a reforma do largo do Carmo; o aterro da lagoa do Boqueirão; a construção do Passeio Público – primeiro jardim público do país – em 1783 e de novas ruas para facilitar seu acesso, como a rua do Passeio e das Bellas Noutes – atual rua das Marrecas. Foi um incentivador das obras de Mestre Valentim – um dos principais artistas do período colonial – responsável pelo projeto do Passeio Público e de outras obras públicas na cidade. Destacou-se, ainda, na repressão à Inconfidência Mineira [conjuração mineira], sendo um dos interrogadores de Joaquim Silvério dos Reis. Pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, recebeu a honraria da Grã-Cruz da Ordem de Santiago e o título de conde de Figueiró.

 

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes temas:
- Estados modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

Demarcação dos limites da América meridional

Averiguação do marquês do Lavradio e do tenente-coronel do corpo de engenheiros Francisco João Roscio acerca do plano demarcatório da América meridional. Este parecer buscou analisar detalhadamente o plano do governador de Buenos Aires, d. João José de Vertiz, bem como a forma como pretendia executar a demarcação dos limites entre as Américas portuguesa e espanhola, pondo em prática as determinações do tratado preliminar de limites, assinado em Santo Ildefonso no dia 1 de outubro de 1777. Dedicando-se aos problemas existentes no plano demarcatório, este documento revela algumas das dificuldades que permearam o estabelecimento dos limites ibéricos no novo mundo. Da mesma forma, permite o conhecimento dos saberes e do laborioso trabalho exigido para a demarcação dos limites.

Conjunto documental: correspondência da corte com o vice-reinado
Notação: códice 67,vol.10
Data-limite: 1782-1782
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: limites
Data do documento: 17 de janeiro de 1751
Local: Lisboa
Folha: 32 à 45v

 

"Tendo averiguado o plano para executar a demarcação da América1 na raia dos domínios de Portugal[1] e Castela[2], correspondente à divisão do continente do Rio Grande de São Pedro[3], até a do continente, ou raia da capitania de São Paulo[4], expedido a V.Ex.a  pelo general, e governador de Buenos Aires o Ex.mo João José Vertiz, em 12 de setembro de 1778, com o qual V.Ex.a se digna honrar-me em querer ouvir o meu parecer a este respeito: Sou obrigado a expor mais em detalhe os meus sentimentos, muito principalmente não sendo estes acordes ao dito plano, não só na execução, e terminação da mesma raia, como já a V.Ex.a expus nas representações de 5 de março de 1778, e de 17 de abril de 1779, que tive a honra pôr na presença de V.Ex.a, mas ainda na facilidade e brevidade com que este general pretende se faça a dita demarcação (...).

Ainda com toda esta restrição, e abreviatura, eu ignoro o modo de passar duzentos léguas de raia, dela elevar planos, seguir rumos, medir justas distâncias, estabelecer ranchos, averiguar rios desconhecidos, fazer cortes, e passagens em bosques, e montanhas nunca passados, meter marcos, erguer padrões, observar latitudes, e longitudes continuadamente, e variações da bússola[5], fazendo-se o cálculo para seis até oito meses, em que cabe mais de légua por dia, e se andem notar todas as particularidades expressadas no plano deste general: cuido que é método ou sistema até agora nunca praticado, nem pretendido, e muito menos de lembrar naquele país todo deserto, e em grande parte intratável.

É também para se atender o cuidado com que quer que o tempo do descanso sirva para as observações astronômicas[6], e depois de se trabalhar o que é possível de dia se ocupa a noite, nestas delicadas averiguações sem descanso, sem prevenção, e sem ter cômodo, nem estabelecido os seus instrumentos, horizontado os seus movimentos para apanhar a culminação das estrelas, o que tudo se não vence sem tempo, e antecipados preparativos.

As observações de longitude aponta este general como uma matéria corrente, e indeterminada, sem atender que estas se não fazem sem descanso, tirando antes meridianos exatos, para regular os pêndulos, e relógios, e que não serve uma só observação ainda sendo bem feita, que é necessário ter astrônomos no lugar que se quer observar, e também em outro já calculado, para se saber a diferença de tempo, ou de longitude, o que tudo requer gente, guardas, preparativos , e enfim grandes , e avultadas consignações.

A variação da bússola para regular os ponteiros cardeais, também se não faz assim de passagem, é preciso estabelecer meridianos que se não podem formar de noite, muito principalmente naquele hemisfério em que perto do ponto polar não há estrela alguma que possa servir de governo: Os rumos para se fazerem boatos por terra, é preciso vagar, e tempo, seguir linhas bem dirigidas, e medir as suas distâncias, para conferir com as latitudes, e certificar as observações e planos: Os rumos da navegação são incertíssimos, e inconstantes em tantas voltas e rodeios dos rios, e não pode haver outra certeza que as repetidas observações de latitude, e de longitude, principalmente naqueles rios que não admitem seguir rumos por terra junto das suas margens.

As imersões dos satélites de Júpiter não são certas todos os dias aquele hemisfério é coberto de muitos vapores que embaraçam o uso dos telescópios[7] principalmente não estando este planeta em grande altura: Ele não é visível três meses do ano, pela sua aproximação com o Sol, e os eclipses da Lua são tão raros como cada um sabe por experiência, sendo estes bem patentes a todos....

Este trabalho não é para dois observadores, que se hão de repartir em diferentes subdivisões, sem notícia uns dos outros, e longe do alcance de as poderem ter, e de mutuamente se fazerem as observações, é preciso esperar outro da Europa, que o substitua, e por conseqüência acabada no entanto a diligência.

Deus guarde a V.Ex.a por muitos anos. Lisboa, 29 de agosto de 1780.// Il.mo e Ex.mo Sr Marquês do Lavradio[8].// De V.Ex.a o mais humilde e mais obediente servo// Francisco João Rocio[9].

 

[1] IMPÉRIO PORTUGUÊS: a gênese do grande império português começou a se delinear nos séculos XV e XVI, impulsionado pelo comércio de especiarias, durante a expansão marítima e comercial europeia. A conquista de Ceuta, em 1415, marcou o início deste processo seguido da exploração do litoral africano, da passagem pelo extremo sul da África e da ambicionada chegada de Vasco da Gama às Índias, em 1498. As conquistas prosseguiram com a expedição de Pedro Álvares Cabral, que alcançou o Brasil em 1500, e as posteriores aquisições de territórios na China e no Japão. O Império ultramarino português alcançou tal extensão e diversidade regionais que, no início do século XVI, d. Manuel acrescentou ao título de rei de Portugal e Algarves, os de “senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia e Índia”. Um grande Império português foi o sonho acalentado em alguns momentos ao longo da história de Portugal, especialmente os de crise, como solução possível para grandes impasses e ameaças à própria existência do reino. Em muitos desses momentos (embora não em todos), a sede eleita para esse grande empreendimento seria, não por acaso, o Brasil, a maior e mais lucrativa colônia portuguesa. Mas, em nenhum outro período como no início do século XIX, o projeto desse grande, novo e poderoso Império se fez tão forte e urgente para a sobrevivência de Portugal. O autor desta proposta, que vingaria em 1808, foi d. Rodrigo de Souza Coutinho (posteriormente conde de Linhares) que, em 1797, professando as ideias da Ilustração portuguesa, propôs a criação de um grande Império ultramarino português, colocando o Brasil, estrategicamente, como sede do governo. Justificava seu plano em nome de reforçar a unidade do Império, ameaçada constantemente por rebeliões anticoloniais, pela Independência das Treze colônias e pela Revolução Francesa e sua perigosa mensagem de liberdade. Pretendia deste modo, diminuir a insatisfação dos colonos e as diferenças entre estes e os metropolitanos, dando a todos os habitantes do novo Império o status de vassalos portugueses. A escolha do Brasil, mais especificamente do Rio de Janeiro, para sede do novo governo, também não foi por acaso – localizada estrategicamente próxima a Lisboa, a Luanda (em contato permanente com as possessões na Índia) e às minas gerais, a cidade era ponto chave no comércio do Atlântico e no escoamento da produção aurífera, assim como a colônia era objeto de cobiça de várias outras nações europeias, mais poderosas e fortes que Portugal, como a França e a Grã-Bretanha, por exemplo. A princípio, esse projeto não encontrou eco entre os portugueses reinóis, inconformados em perder o status de metrópole e ver suas colônias elevadas à condição de reino. Essa insatisfação provocou a saída de d. Rodrigo do governo, mas os acontecimentos de 1807 (o bloqueio comercial decretado à aliada Inglaterra, a iminência de uma invasão francesa e o pacto entre França e Espanha sobre a partilha dos territórios portugueses depois de ocupados) empurraram a Coroa para a única solução que se apresentava: transferir a Corte, o governo e todo seu aparato burocrático e administrativo para o Rio de Janeiro, concretizando, ainda que forçosamente, o sonho do Império com sede no Brasil como única saída para a salvação da monarquia portuguesa ante a ameaça francesa, acontecimento sem precedentes na história do colonialismo europeu.

[2] CASTELA: região localizada no centro da Península Ibérica. Incorporada ao Reino de Navarra, teve seu território ampliado com a anexação de Leão, das Astúrias e da Galícia, sendo definitivamente reunida ao Reino de Leão em 1230. O casamento de Isabel de Castela com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, em 1469, permitiu a união dos três reinos (Castela, Leão e Aragão) em 1479, facilitando a unidade da Espanha. Esta situação, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada (1492), favoreceu as campanhas marítimas da Espanha durante os grandes descobrimentos do século XV. Os súditos da Coroa espanhola são conhecidos como castelhanos, em alusão à região. Os castelhanos disputaram, ao longo do período colonial, as fronteiras da América com Portugal, o que resultou na assinatura de vários tratados entre as duas coroas, principalmente com relação aos limites territoriais na região do rio da Prata.

[3] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[4] SÃO PAULO, CAPITANIA DE: ao final do século XVII, período da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro, o que se mostrou ineficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro. Considera-se ainda que a Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região, levou à fundação da capitania de São Paulo em 1709. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e a então formada capitania de São Paulo passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões agrupavam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música sacra e eram forçados à conversão ao cristianismo. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, se acostumou a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de minérios, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a partir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A primeira, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia somente em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visavam fortalecer a região centro-sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

[5]BÚSSOLA:  importante instrumento de navegação utilizado durante a expansão marítima, a bússola chegou ao Ocidente pelas mãos dos árabes, embora sua invenção seja atribuída aos chineses. Empregada na Europa a partir do século XII foi o primeiro instrumento a permitir navegadores no mar ou em terra determinar sua direção de modo rápido e preciso a qualquer hora do dia ou da noite e sob praticamente quaisquer condições. Isso possibilitou que mercadorias fossem transportadas de maneira eficiente e confiável através dos mares e abriu o mundo para a exploração marítima. Muitas são as versões sobre a origem da bússola. Contudo, é plausível supor que os europeus a tenham obtido durante ou após a 1a Cruzada, iniciada em 1096. Um exame desse período sugere a hipótese de que as Cruzadas e a presença franca, normanda e italiana na Palestina (e também no Império Bizantino) tenham permitido o contato com uma bússola vinda da China. O período 1160-80 é tido como uma boa estimativa para a introdução da bússola no Ocidente.

[6] OBSERVAÇÕES ASTRONÔMICAS: na primeira metade do século XVIII, as observações astronômicas consistiam no cálculo das longitudes das regiões a partir dos eclipses das luas de Júpiter – método desenvolvido por Galileu e, posteriormente, aperfeiçoado pelo astrônomo italiano Giovanni Cassini. Essa astronomia prática, também denominada “das longitudes”, proporcionou as bases técnicas para o surgimento de uma cartografia mais precisa, utilizada para resolver as contendas sobre os limites das possessões das coroas ibéricas na América. Em novembro de 1729, período de tensão entre as potências ibéricas em torno da posse da Colônia do Sacramento, d. João nomeou dois jesuítas matemáticos, Diogo Soares e Domingos Capassi, para fazerem cartas geográficas do litoral e do sertão do Brasil, através de observações astronômicas. As cartas dos padres matemáticos abrangeram grande parte do território do Brasil: toda a costa desde a capitania do Rio de Janeiro até o Rio da Prata e a Colônia do Sacramento; o interior da capitania de Goiás; toda a capitania de Minas e de São Paulo e dos territórios que se estendem desses pontos em direção ao sul até o Rio da Prata. Os astrônomos ou “técnicos da observação das longitudes” participaram das primeiras comissões demarcadoras dos limites entre Brasil e a América espanhola, buscando estabelecer cartograficamente os contornos da ocupação portuguesa na América.

[7] TELESCÓPIO: instrumento destinado a observar objetos que, em função da distância, eram invisíveis a olho nu. A invenção do primeiro telescópio é creditada ao ótico holandês Hans Lippershey (1570?-1619), que teria observado que os objetos parecem maiores e mais próximos quando olhados através de uma lente convexa e outra côncava. Lippershey buscou patentear o instrumento em 1608, mas a patente foi negada. O governo holandês, entretanto, pagou-lhe uma alta soma por cópias do invento. A partir de 1609, Galileu Galilei (1564-1642), que tomou conhecimento do instrumento, aperfeiçoou-o produzindo telescópios cada vez mais potentes. Galileu é considerado o pioneiro no uso de um telescópio para finalidades astronômicas, tendo descoberto os satélites de Júpiter, as manchas solares, as fases de Vênus e os montes e vales da Lua, transformando radicalmente a ciência ocidental. Em 1610, publicou o Sidereus Nuncius, pequeno tratado científico e a primeira obra baseada em observações feitas com auxílio de um telescópio.

[8] MELO, LUÍS DE ALMEIDA SOARES PORTUGAL ALARCÃO EÇA (1729-1790): E Trata-se do 2º marquês do Lavradio e 5º conde de Avintes, d. Luís de Almeida Soares Portugal Alarcão Eça e Melo (1729-1790), militar e político português. Vice-rei e capitão-geral de mar e de terra do Brasil entre os anos de 1769 e 1779, fizeram parte da sua ação governamental: medidas visando à salubridade do Rio de Janeiro, mandando entulhar pântanos e lagoas, e pavimentando ruas; remoção do mercado de escravos para um local mais afastado; desenvolvimento das plantações de café e arroz; introdução da cultura do vinho, proteção e intensificação da produção de cochonilla e bicho-da-seda; instituição na capital do Brasil de regimentos de milícias e fundação da sociedade de ciências naturais. Entre suas funções, destacou-se como: Conselheiro da Guerra, Presidente do Desembargo do Paço, Inspetor-Geral das Tropas do Alentejo e Algarve, Veador da Rainha e Conde coroado com a Grã-cruz da Ordem de Cristo.

[9] ROSCIO, FRANCISCO JOÃO (1733-1805): Nascido na ilha da Madeira em 1733, o geógrafo e engenheiro militar Francisco João Roscio chega ao Brasil em 1767, onde atuaria como cartógrafo. Foi responsável por diversos projetos de vilas, prédios públicos e igrejas. No atual Rio Grande do Sul, seus principais projetos foram a Matriz de Cachoeira do Sul e a Matriz de Rio Pardo. No Rio de Janeiro, projetou a Igreja da Candelária. Designado pelo marquês de Lavradio, vice-rei entre 1770 e 1779, para construção e reparação de fortificações, realizou também o levantamento cartográfico das capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro o. Tenente-coronel do Corpo de Engenheiros integrou as expedições de demarcação de limites na região Sul do Brasil, decorrentes dos tratados assinados entre as coroas ibéricas. Atuou como segundo comissário, chefiando a primeira divisão da quarta Campanha de demarcação de limites da América Meridional, integrada, ainda, pelo engenheiro José Saldanha e pelo ajudante Elói Portelli. Durante os anos de 1774 e 1775, escreve seu Compêndio Noticioso do Continente do Rio Grande de São Pedro, descrevendo os costumes dos habitantes, as atividades econômicas e o sistema de transportes da região. Entre os anos de 1801 e 1803 ocupou o cargo de governador interino da Capitania do Rio Grande de São Pedro, vindo a falecer em 1805, em Porto Alegre.

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes temas
- Estados modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

Querela dos Sete Povos das Missões

Ofício enviado pelo visconde de Anadia à Corte, pedindo orientações sobre a questão dos Sete Povos de Missões e informando as pretensões do vice-rei do rio da Prata de recuperar a referida colônia. Ao rememorar os vários tratados firmados entre as coroas ibéricas para cessar as hostilidades no Novo Mundo, o visconde informa sobre a violação do tratado de paz pelos espanhóis. Discutindo a complexidade da questão da demarcação dos limites na América e a fragilidade da diplomacia ibérica, este documento ainda aborda a apreensão da terra sob outra perspectiva - a dos índios e a das missões jesuíticas.

 

Conjunto documental: Vice-Reinado
Notação: caixa 494, Pct 02
Datas-limite: 1806-1808
Título do fundo ou coleção: Vice-Reinado
Código do fundo: D9
Argumento de pesquisa: limites
Data do documento: 19 de abril de 1806
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): pacote 02, 4º caderno, doc. nº 54

 

Ilm° Exm° Sr

Em ofício de 21 de maio de 1802, e 17 de março de 1803, participei a V.Exa, que não resolvia a entregar aos espanhóis sem ordem positiva os Sete Povos de Missões[1] de Índios Guaranis situados na margem oriental do Uruguai, que lhe tomamos na última guerra, com o fundamento de que o Tratado de Paz de 6 de junho de 1801[2] celebrado entre a nossa corte, e a de Madri nada dizia a respeito de que se deveria praticar no caso que se tivessem tomado alguns terrenos na América Meridional e só tratava no artigo 3º das praças, e povoações ocupadas pelos espanhóis em Portugal; o que era natural assim sucedesse, porque estes povos foram conquistados depois da celebração e ratificações do Tratado, quando ainda a que se não sabia da ... Paz, que V.Exa me comunicou por ofício de 16 de novembro do mesmo ano, para que imediatamente cessassem as hostilidades; (...).

Na resposta que dei em 26 de outubro de 1803 no ofício de V. Exa de 23 de ilegível de 1802 em que me ordenava informar-me de tudo quanto soubesse a respeito da Demarcação de Limites[3] e dos meios e modos de se prosseguir nela, segundo a respeito do Tratado Preliminar de 1º de outubro de 1777[4], tornei a tocar nesta matéria, expondo que sobre ela não tenha recebido divisão alguma e quando por aqui passou o atual governador do Rio Grande[5], Paulo José da Silva Gama[6], lho fiz saber o estado em que se ilegível esta dependência ....

Tem continuado as contestações, e correspondência entre o marquês de Sobre Monte atual vice-rei do Rio da Prata[7], e o governador do Continente do Rio Grande, instando aquele, que me sejam entregue os Sete Povos, que sem dúvida pelo Tratado de Limites de 1777 ficaram pertencidos aos espanhóis, fora da nossa linha divisória, e conquistamos como já ponderei, depois do último tratado de Paz, mas antes que aqui se tivesse publicado e insta ao menos a que enquanto pelas Cortes não se decida esta questão se contenha em uma linha provisional ou fronteira principiada na confluência do Rio Ibicuí no Uruguai, e continuada pelo seu tronco principal, até as últimas vertentes que unindo com as do rio Negro continuem a ligar-se com as do rio Jaguarão, seguindo este águas a baixo até entrar na lagoa Merim, com o fundamento de que as nossas armas não conquistaram terreno algum na margem meridional do Ibicuí ....

Em consequência destas controvérsias, ordenam ultimamente o governador do Rio Grande ao brigadeiro Francisco João Roccio[8], ao comandante da fronteira do Rio Pardo, e o comandante dos Povos de Missões, declarassem até que sítios, ou lugares ... passados com todas as cópias de papéis, e ofícios tocantes a este objeto, e um mapa topográfico dos terrenos avançados em Missões e fronteiras do Rio Pardo e Rio Grande marcados com a aguada de carmim ou pudesse melhor perceber as pretensões que o vice-rei espanhol forma sobre a projetada linha provisional como V. Exª verá da mesma carta, que envio por documento com o mapa, os documentos mais essenciais, que a acompanharam expondo, que se remetia tudo à minha determinação, e que os espanhóis não perdiam já mais de vista o momento favorável em que pudessem conseguir reconquistar as suas possessões perdidas, concluindo finalmente lhe iniciasse, se quando ilegível desse ser atacada a nossa fronteira, lhe seria lícito obrar ainda efetivamente, no caso de se proporcionarem circunstâncias.

Quanto a entrega dos Sete Povos de Missões Orientais do Uruguai não me considere autorizado para a fazerem sem ordem positiva de ?. A Verdade é, eles ? pertence aos espanhóis pelo Artigo ... do Tratado de Limites de 1º de Outubro de 1777, mas nós o conquistamos na última guerra, ilegível depois de celebrada a Paz, porém muito antes de ter recebido o mencionado ofício de V.Exa de 16 de novembro de 1801 em que me participava esta notícia é ? também certo, segundo o princípio do Direito das Gentes[9], que qualquer tratado obriga os contraentes no momento em que é concluído logo que recebeu a sua forma, e que imediatamente devem todas as hostilidades, a não se assinalar dia determinado em que a Paz deva principiar; porém não obriga aos vassalos se não novamente em que lhes é noticiado e por isso as hostilidades cometidas antes, que o mesmo tratado ao seu conhecimento, é uma desgraça que se lhes não pode imputar e pela qual não deverão ser punidos, tocando meramente ao Sumo Imperante mandar restituir tudo quanto se tiver forçado ? depois da convulsão da Paz,  se assim lhe parecer justo, ou conveniente, o que não posso participar no caso presente, resposta à dúvida em que entrei pendente da régia decisão e ignorar quais sejam as instruções de S. A, e o que se tem passado entre as duas cortes, a este respeito. ... Mas como os espanhóis têm dado todos os indícios, desde o ano de 1802 de tentarem reconquistar os Sete Povos de Missões, tomo o expediente de ordenar o ? governador do Rio Grande, que no caso de haver da parte deles alguns movimentos, que se façam mais suspeitos e que causem mais receio, convenha com toda a política, e decoro na linha provisional proposta para evitar um rompimento e hostilidades, que trazem consigo consequências mais funestas, e que, com afeto for atacado, de necessidade se há de defender praticando sempre atos defensivos, e não ofensivos, para a todo tempo se mostrar, que da nossa parte não violamos o Tratado de Paz e Amizade celebrado há poucos anos entre as duas cortes. ....

As inflações que acabo de fazer sobre este importante objeto mostram bem a ilegível de que o Príncipe Regente[10] nosso Senhor haja de resolver com a brevidade possível se devo ou não mandar entregar os Sete Povos de Missões Orientais do Rio Uruguai para me poder assim regular em matéria tão delicada. Deus Guarde V.Exa Rio, 19 de abril de 1806.

Snr  Visconde de Anadia[11]"

 

[1] SETE POVOS DAS MISSÕES: território situado no atual estado do Rio Grande do Sul, a leste do rio Uruguai, foi constituído por sete povoações indígenas (São Nicolau, São Luís, São Lorenzo, São Borja, Santo Ângelo, São João Batista e São Miguel) controladas por jesuítas espanhóis. Localizada em região de permanentes disputas entre Portugal e Espanha, com a assinatura do Tratado de Madri (1750) passou ao domínio português. Como consequência desse tratado, ocorreu a chamada Guerra Guaranítica (1754-56). Contando com o apoio dos jesuítas, os guaranis missioneiros começaram a impedir os trabalhos de demarcação da fronteira e anunciaram a decisão de não sair de Sete Povos, justificando-se a resistência ao tratado em nome do direito legítimo dos índios de permanecer nas suas terras. Tropas espanholas e portuguesas foram enviadas ao local, encarregadas de cumprir o Tratado de Madri e a guerra explodiu em 1754. O saldo do violento conflito foi o massacre de milhares de índios pelas tropas ibéricas e a anulação do tratado. O processo de definição de fronteiras entre Portugal e Espanha nessa região levaria, ainda, à assinatura dos tratados de Santo Ildefonso (1777) e Badajós (1801). Sob o aspecto político, o conflito pode ser visto como mais um fator favorável ao crescimento do sentimento anti-jesuítico em Portugal, visto que a resistência inaciana ameaçava os interesses do reino na América, o que culminou com a expulsão dos jesuítas do território brasileiro pelo marquês de Pombal em 1759.

[2] TRATADO DE BADAJOZ (1801): acordo de paz e amizade celebrado entre Portugal, de um lado, e França e Espanha de outro. Firmado na cidade espanhola de mesmo nome, foi imposto a Portugal em virtude da presença dos exércitos francês e espanhol em seu território. Implicava na restituição à Espanha de todas as conquistas lusas feitas na Galiza, além da cessão de alguns territórios coloniais na América do Sul, reconhecendo definitivamente o direito espanhol à posse da Colônia do Sacramento e dos Sete Povos das Missões – regiões disputadas entre as duas coroas ao longo do século XVIII. Em relação à França, estabeleceu-se o rio Arawani como fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa, bem como o fechamento dos portos lusitanos ao comércio britânico.  A violação de algum dos seus artigos por qualquer uma das partes envolvidas conduziria à anulação do acordo, o que veio a suceder com a assinatura do Tratado de Fontainebleau, em 27 de outubro de 1807, e a subsequente invasão franco-espanhola a Portugal.

[3] LIMITES: a demarcação dos limites na América passou pela legitimidade dos domínios de Espanha e Portugal, provocando confrontos diretos entre as potências europeias, que buscaram, através da diplomacia, resolver as disputas existentes. As duas Coroas tiveram a necessidade de acordar entre si partilhas territoriais por meio de tratados, os quais apresentavam como aspecto inovador a instituição do rigor científico para uma melhor elaboração das delimitações, valendo-se de conhecimentos de astronomia e instrumentos matemáticos. A disputa pelos territórios da região do rio da Prata pelas metrópoles ibéricas, por exemplo, resultou numa série de tratados internacionais ao longo do século XVIII, entre eles o de Madri em 1750 e Santo Ildefonso em 1777, embora nenhum deles tenha solucionado efetivamente a questão dos limites. Em meio a estas disputas, os interesses da Inglaterra atuaram como obstáculo para a resolução das querelas territoriais na América, afetando a neutralidade lusa em relação à Espanha, pressionando a região do Prata com uma possível invasão, lembrando-se ainda a importância da colônia de Sacramento para o comércio inglês nessa área.

[4] TRATADO PRELIMINAR DE 1777 (TRATADO DE SANTO ILDEFONSO): o Tratado Preliminar de Paz e Limites, assinado em Santo Ildefonso, em 1º de outubro de 1777, teve como finalidade encerrar os conflitos fronteiriços na América e na Ásia, que ocorreram ao longo de quase três séculos, entre Portugal e Espanha. Com o fracasso do Tratado de Madri, anulado pelo El Pardo (1761), representantes das coroas ibéricas, d. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho e o conde de Floridablanca, negociaram um tratado preliminar que, posteriormente, foi reafirmado e aprimorado pelo Tratado de Amizade, Garantia e Comércio em 11 de março de 1778 (Tratado de El Pardo). O acordo pretendia demarcar fronteiras conforme os acidentes demográficos das regiões em litígio, para tanto, comissões demarcatórias foram estabelecidas por ambas as coroas, que deveriam encaminhar-se até os locais determinados pelo tratado e estabelecer a linha divisória entre os limites espanhóis e portugueses. De acordo com o tratado, Colônia do Sacramento e as terras a leste do rio Uruguai caberiam à Espanha, incluindo o território das missões orientais, admitindo a soberania castelhana sobre as duas margens do rio da Prata.  Enquanto a Espanha deveria restituir a ilha de Santa Catarina – invadida em 1776 pelas forças espanholas a partir de Buenos Aires – à coroa lusa, além de garantir o domínio português na região do Rio Grande de São Pedro e adjacências, passando o limite fronteiriço pelo rio Jacuí. O tratado previa ainda, ajustes nas divisas da região norte, notadamente Amazonas e Mato Grasso.

[5] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[6] GAMA, PAULO JOSÉ DA SILVA (1779-1826): oficial militar, cavaleiro e fidalgo da Casa de S. M. Fidelíssima, almirante da Real Armada e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Governador da capitania de São Pedro do Rio Grande, entre os anos de 1803 e 1809, foi incumbido de implementar a seção regional da Junta da Real Fazenda, como seu presidente, em substituição à antiga provedoria, no interesse de sanear as finanças da capitania. O período de Paulo José da Silva Gama é marcado por uma administração forte, sobretudo no que se refere ao trato dos conflitos com os espanhóis, e pelo aumento e equilíbrio das receitas da capitania. Foi também em seu governo que a capitania do Rio Grande de São Pedro foi desanexada da capitania do Rio de Janeiro. Durante os sete anos de governo no Rio Grande é condecorado publicamente como capitão-general da capitania e recebe o título de barão de Bagé. Além de suas atuações no sul, Gama foi nomeado governador do Maranhão de 1811 a 1819 e nomeado ministro do Superior Tribunal Militar, em 13 de janeiro de 1818.

[7] PRATA, RIO DA: descoberto pelo navegador espanhol João Dias de Solis em 1515, na busca por uma comunicação entre o oceano Atlântico e o Pacífico. O rio, como também seu estuário – na região da tríplice fronteira entre os atuais países Brasil, Uruguai e Argentina – recebeu o nome de Prata por inspiração de Sebastião Caboto, navegador italiano a serviço da Coroa espanhola, impressionado pela abundância deste metal na localidade. A região do rio da Prata foi alvo, durante o período de dominação colonial ibérica nas Américas, de intensas disputas entre as duas metrópoles (Portugal e Espanha), em função de sua importância econômica – jazidas de prata – e estratégica – principal via de acesso ao interior da América. Uma das consequências dessas intensas disputas pela região foi a quase ausência de uma ocupação política efetiva, já que se alternavam invasões de um lado ou de outro do rio – nas províncias de São Pedro do Rio Grande e na Colônia do Sacramento – que mais se assemelhavam a incursões de pilhagem do que tentativas de estabelecimento de domínio de autoridade. A fundação de Sacramento por Portugal em 1680 representou uma iniciativa para apoiar a ampliação dos limites do império até o rio da Prata. No entanto, a região foi palco de inúmeros processos de ocupação e, até sua independência política em 1825, fez parte de diferentes nações ou confederação de estados. O Tratado de Madrid não conseguiu solucionar as questões em torno da região e os portugueses continuaram a insistir na ideia de uma “fronteira natural, ” que os levaria até o lado esquerdo do estuário. Interesses da coroa britânica na região agiam como fator complicador nos litígios entre Portugal e Espanha, interesses estes registrados e documentados desde o século XVIII em função de atividades mercantis daquela que era, à época, a nação que mais produzia e comercializava produtos manufaturados. A participação da Inglaterra na concepção do projeto de transmigração da corte portuguesa para o Brasil integrava as tentativas de estender a influência inglesa a outras regiões da América do Sul, embora tal atuação não significasse o apoio à ideia de formação de um bloco coeso na região, supostamente sob influência de Portugal. A Inglaterra fez dura oposição ao projeto de anexação da região cisplatina ao Reino do Brasil, projeto levado a cabo por d. João VI em 1821, e apoiou o movimento de independência do atual Uruguai, interessada na liberação e fragmentação completa das colônias espanholas.

[8] ROSCIO, FRANCISCO JOÃO (1733-1805): nascido na ilha da Madeira em 1733, o geógrafo e engenheiro militar Francisco João Roscio chega ao Brasil em 1767, onde atuaria como cartógrafo. Foi responsável por diversos projetos de vilas, prédios públicos e igrejas. No atual Rio Grande do Sul, seus principais projetos foram a Matriz de Cachoeira do Sul e a Matriz de Rio Pardo. No Rio de Janeiro, projetou a Igreja da Candelária. Designado pelo marquês de Lavradio, vice-rei entre 1770 e 1779, para construção e reparação de fortificações, realizou também o levantamento cartográfico das capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro o. Tenente-coronel do Corpo de Engenheiros integrou as expedições de demarcação de limites na região Sul do Brasil, decorrentes dos tratados assinados entre as coroas ibéricas. Atuou como segundo comissário, chefiando a primeira divisão da quarta Campanha de demarcação de limites da América Meridional, integrada, ainda, pelo engenheiro José Saldanha e pelo ajudante Elói Portelli. Durante os anos de 1774 e 1775, escreve seu Compêndio Noticioso do Continente do Rio Grande de São Pedro, descrevendo os costumes dos habitantes, as atividades econômicas e o sistema de transportes da região. Entre os anos de 1801 e 1803 ocupou o cargo de governador interino da Capitania do Rio Grande de São Pedro, vindo a falecer em 1805, em Porto Alegre.

[9] DIREITO DAS GENTES: equivalente ao atual direito internacional, o direito das gentes regia as relações entre os Estados, as distintas sociedades políticas em formação, que demandavam prerrogativas e princípios aplicados à conduta e negócios entre nações e soberanos. A emergência dos Estados modernos a partir do século XV criou a necessidade de um direito interestatal, concebendo o Estado apenas como personalidade jurídica internacional. Direito que regia o tratado Direito das Gentes de Emer de Vattel, publicado no século XVIII, reflete a realidade das relações políticas internas e internacionais da época em que foi escrito e produzia regras que limitavam a liberdade plena de ação de Estados ciosos de sua soberania, desenvolvendo o princípio diplomático de equilíbrio entre as nações. Este código estava relacionado à ideia de reparação, sendo antes de caráter compensatório do que punitivo.

[10] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[11] MELO SOTTOMAYOR, JOÃO RODRIGUES DE SÁ E (1755-1809): filho de Aires de Sá e Melo e de d. Maria Antônia de Sá Pereira e Meneses, participou ativamente do cenário político luso-brasileiro. Entre as funções e distinções que possuiu, destacam-se: senhor donatário da vila de Anadia (1787); comendador de São Paulo de Maçãs; alcaide-mor de Campo Maior; membro do conselho da Fazenda e ministro plenipotenciário em Berlim. Em reconhecimento aos serviços prestados pelo seu pai como diplomata e secretário de Estado adjunto do marquês de Pombal e depois secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, d. Maria I concedeu-lhe o título de visconde de Anadia em 1786, sendo agraciado com o título de conde pelo príncipe regente d. João em 1808. Transferiu-se junto com a Corte portuguesa para o Brasil em 1808 e exerceu o cargo de secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos até sua morte em 1809.

 

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes temas:
- Estados modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

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