Alteração de pena
Carta régia em que é comunicada ao conde de Rezende a alteração da pena de Antônio da Costa Sampaio, que foi preso transportando setecentas oitavas de diamantes. O degredo para Angola que havia sido determinado era substituído pelo envio do criminoso para a corte de Lisboa. A medida resultava da pobreza em que o preso se encontrava depois do sequestro dos seus bens e de considerações de caráter pessoal, não explicitadas no documento.
Conjunto documental: correspondência da Corte com o vice-reinado
Notação: códice 67, vol. 18
Datas-limite: 1790-1794
ítulo do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código de Fundo: 86
Argumento: diamantes
Data: 20 de janeiro de 1792
Local: Lisboa
Folha: 146
Conde de Rezende[1], Dom José de Castro, vice-rei[2] e capitão general de mar e terra do Estado do Brasil, do meu Conselho[3]. Eu, a rainha[4], vos envio muito saudar como aquele que estimo. Sendo-me presente que Antônio da Costa Sam Paio, fora apreendido no caminho do Distrito Diamantino[5] com uma partida de setenta e duas oitavas de diamantes[6] brutos que trazia extraviados, pela culpa havendo sido preso e sentenciado pela relação[7] dessa cidade do Rio de Janeiro[8] e condenado nas penas de dez anos de degredo[9] para o Reino de Angola[10] e do perdimento dos referidos diamantes e o dobro de seu valor, se achava nos termos de não poder ir cumprir o sobredito degredo, pela miserável situação a que havia reduzido a larga prisão em que se achava, e última indigência em que ficava, pelo sequestro em que todos os seus bens se havia feito. Temos consideração ao referido e a outros justos e particulares motivos que se fizeram da minha real consideração. Hei por bem, e por graça especial que não será a `...] para exemplo de comutar ao sobredito Antônio da Costa Sam Paio a pena de degredo dos dez anos para o Reino de Angola, em outros tantos anos de degredo e residência neste reino, para onde o fareis remeter com guia em forma e residência neste reino, para onde digo em forma, que haja de apresentar a um dos meus corregedores do crime[11] da corte, do qual obterá certidão de apresentação, para vos ser remetido e se juntar aos autos, que se processarão, e sentenciarão contra ele, pela referida culpa. O que me pareceu participar-vos para que tendo o assim entendido o façais executar nesta conformidade. Escrita em Salvaterra de Magos em vinte de janeiro de mil setecentos e noventa e dois. Rainha.
[1]CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.
[2]VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).
[3]CONSELHO DE ESTADO [PORTUGAL]: o Conselho de Estado foi criado no século XVI para ser um órgão de consulta do monarca e por este presidido. Depois da reforma das secretarias de Estado de 1736, o conselho passou a ser a reunião dos secretários ministros que aconselhariam o rei em assuntos de Estado. Essa instituição não teve grande destaque durante a regência e o reinado de d. João, e só passaria a adquirir força e importância política depois da revolução liberal do Porto, de 1821, quando desempenhou papel central ao longo do período da monarquia constitucional em Portugal.
[4]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.
[5]DISTRITO DIAMANTINO: "Única na história é essa ideia de isolar uma região, na qual toda a vida civil foi subordinada à exploração de um bem exclusivo da coroa." Spix & Martius. Viagem pelo Brasil. Uma das consequências mais imediatas e visíveis da descoberta de jazidas minerais na colônia americana de Portugal, ainda no final do século XVI, foi o surgimento de núcleos populacionais urbanos nas áreas de mineração. Alguns desses núcleos, em especial aqueles situados em áreas estratégicas, se tornaram oficialmente vilas, o que permitia ao governo metropolitano um controle formal maior sobre as atividades desenvolvidas na região e sobre a população local. Assim nasceu o arraial do Tejuco, em meio à exploração da região por indivíduos e agentes do estado em sua incessante busca por ouro (principalmente) e pedras preciosas. Em 1729, ocorre a oficialização da descoberta de diamantes na região deste arraial, já que há anos se sabia da existência das pedras na região, cujo comércio ilegal era levado a cabo inclusive por funcionários da Coroa. Em 1731, foi decretado o monopólio régio de exploração das pedras, mas este decreto jamais foi posto em prática. O arraial do Tejuco, principal centro de exploração de diamantes, continuou a receber pessoas dispostas a se aventurar na mineração. Mais uma vez, em 1734, o governo da metrópole interdita não só a exploração de diamantes, mas a região como um todo, como forma de evitar uma exploração desenfreada que já fazia com que os preços das pedras começassem a cair. Pela primeira vez, um decreto regulamentando a atividade mineradora na área procurava controlar não apenas os rios, mas os povoados e o território de forma mais ampla. O decreto de 1734 estipulou a demarcação territorial do Distrito Diamantino “com a colocação de seis marcos cuidadosamente fixados nas divisas estabelecidas e, cerca de oito postos fiscais que controlavam a entrada e saída do distrito”. Estabeleceu-se um quadrilátero em torno do arraial do Tejuco – sede – que incluía também povoados e arraiais como Gouveia, Milho Verde, São Gonçalo, Rio Manso, entre outros. A exploração de diamantes foi suspensa, para que os preços no mercado internacional se estabilizassem. Nesse mesmo ano, foi criada a Intendência dos Diamantes, cujo intendente era a autoridade suprema no distrito, que prestava obediência à Junta Diamantina, localizada em Lisboa. Em 1739, a Coroa reabriu a exploração e estabeleceu o regime de contratos para a exploração das lavras de diamante, sistema este que favoreceu a corrupção e o nepotismo, excluindo um grande número de pessoas da atividade mineradora. A dificuldade para se controlar uma rede de contrabando anterior ao estabelecimento do Distrito Diamantino, que começava no Tejuco e alcançava Portugal, pode ser percebida pela quantidade de decretos específicos editados para tentar evitar o descontrole sobre a exploração e o comércio ilegal de diamantes. O arraial fervilhava em função da exploração diamantífera e as riquezas, legal ou ilegalmente adquiridas, trouxeram consigo um grande crescimento no comércio de todo o tipo de bens, que vinham ou da Europa, ou mesmo de outras regiões do Brasil, à guisa do que aconteceu na região mineradora de ouro, em Vila Rica e adjacências. Em 1771, o marquês de Pombal extingue o sistema por contratos e cria a Real Extração de Diamantes, que custearia diretamente a mineração e teoricamente permitiria maior controle sobre a atividade. As leis específicas ao distrito, diversas àquelas que regiam o restante da colônia, foram reunidas em um volume intitulado Livro da Capa Verde, que continha todo o regimento do Distrito Diamantino. A existência deste distrito foi suspensa em 1821, com a Revolução do Porto.
[6]DIAMANTE: material constituído por moléculas estáveis de carbono, de maior dureza entre as substâncias naturais, o diamante tem uma infinidade de utilizações, indo de componentes industriais ao adorno em joias. Embora as primeiras referências à existência de diamantes na região sudeste do Brasil remontem ainda ao século XVII (Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Brandão, escrito em 1618, já enumerava os diamantes como uma de suas riquezas), sua exploração teve início, comprovadamente, durante o governo de d. Lourenço de Almeida (1720-1732), nas lavras de Bernardo da Fonseca Lobo, na comarca de Serro Frio. O diamante, durante algum tempo, foi extraído sem conhecimento da Coroa, possivelmente com a ativa participação do próprio governador Lourenço e do ouvidor de Serro Frio, Rodrigues Banha. No fim dos anos 1720, já não era possível esconder a existência de veios tão ricos da mais preciosa das pedras, e o próprio governador Lourenço tratou de comunicar a descoberta ao rei de Portugal, d. João V, que, em julho de 1729, recebeu em sua Corte o proprietário das notáveis lavras, Bernardo Fonseca Lobo. Em grande quantidade e de qualidade superior, os diamantes brasileiros correram mundo e inúmeras foram as formas encontradas para ludibriar a vigilância oficial e evitar o pagamento de impostos. A quantidade da pedra em dado momento era tão grande que o governo português se viu obrigado a limitar sua exploração, posto que o mercado, com a súbita afluência de diamantes, começava a baixar o seu preço. A exploração prosseguiu até meados do século XIX, mas, assim como a exploração do ouro, a atividade foi prejudicada frente ao esgotamento dos veios e à falta de técnicas mais modernas de exploração.
[7]RELAÇÃO DA BAHIA: também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representá-la e ao mesmo tempo torna-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer as leis e a ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias.
[8]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.
[9]DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.
[10]ANGOLA: localiza-se na região sudoeste da África. Como colônia portuguesa tem seu início em 1575, a partir do contrato de conquista e de colonização recebido da Coroa pelo explorador Paulo Dias de Novaes, face ao sucesso obtido na corte do Ndongo, conforme J. Vansina no capítulo “O reino do Congo e seus vizinhos” (História Geral da África, vol. V, Unesco, 2010). A colônia viria a se chamar Angola, nome atribuído pelos portugueses, inspirado no título ngola dado ao rei do Ndongo, região constituída mais pela submissão de grupos a uma autoridade maior, por alianças ou guerra, do que por uma delimitação territorial como explica Marina de Mello e Souza (Além do visível: poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola. São Paulo: Edusp, 2018). No ano seguinte é criada a vila de São Paulo de Luanda, da qual Dias de Novaes foi o primeiro governador e capitão geral, conforme o modelo implantado no Brasil, instalando-se com famílias de colonos e soldados portugueses. As pressões metropolitanas para se impor na região e as suspeitas surgidas entre os líderes locais de que os portugueses vinham para ficar levaram à eclosão de uma guerra iniciada em 1579 que durou até 1671. Entre 1641 e 1648, Angola esteve sob domínio holandês, em um movimento que não pode ser dissociado da ocupação da região nordeste da América portuguesa. Se desde o início de sua presença, os portugueses dedicaram-se ao comércio de escravos, primeiro para São Tomé e depois para o Brasil, esse negócio tornar-se-ia a principal atividade econômica da região, fazendo de Angola a grande exportadora de mão de obra compulsória para a América. Segundo a base de dados americana Atlantic Slave Trade, calcula-se que tenham saído de Angola, entre 1501 e 1866, quase 5,7 milhões de escravos. Criaram-se relações bilaterais entre Brasil e Angola, onde o primeiro produzia matérias-primas e alimentos – quer para a agro exportação, quer para o mercado interno, e Angola forneceria a força de trabalho cativo. Este eixo é, para parte da historiografia, constitutivo do sistema atlântico luso e sustenta a concepção de uma monarquia pluricontinental, na qual Angola, destacando-se a cidade de Luanda, já no século XVII era um dos seus polos. A independência de Angola só foi declarada em 1975, marcando também o fim do colonialismo português.
[11]CORREGEDOR DO CRIME DA CORTE E CASA: magistrado superior criminal, o cargo estava previsto como um dos ministros que integravam a Casa de Suplicação. Também servia à Casa Real, e atuava na comarca onde estava instalada a Corte, comandando, em matéria de justiça, as vilas da região.
Decadência do ouro
Carta de Fernando Delgado de Castilho ao Conde de Aguiar, sobre a decadência da extração do ouro verificada desde 1778. Afirma que isto se deve mais à falta de técnica do que ao esgotamento das reservas, o que levou muitos mineiros às atividades agropecuárias.
Conjunto documental: Goiás. Ministério do Império. Ofícios dos Presidentes
Notação: IJJ9 493
Datas-limite: 1771-1820
Título do fundo ou coleção: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: ouro
Data do documento: 26 de novembro de 1813
Local: Vila Boa
Folha (s): 08
Ilmo e Exmo. Snr.
A extração de ouro[1] nesta capitania vai correndo à sorte daquela dos mais produtos minerais, com tão vantajosos passos, que em breve será reduzido a nada o seu quinto[2] tendo diminuído quase progressivamente desde o ano de 1778, que marcou a época do fim da sua abundância e princípios da sua decadência. Isto certamente não é ainda pela falta deste metal, pois creio e creio bem, estar intacta a sua matriz, por não haver memória de mineração[3] regular e metódica nos montes a devo supor, e muito abundante pela grande quantidade que dele tem afluído para os campos e rios, donde até agora tem sido extraviado sem o mais pequeno princípio mineralógico, tanto por se descobrir e encontrar com mais facilidade, como por não ter havido alguém com os conhecimentos e posses para um semelhante trabalho e o que agora é absolutamente impossível, porque a maior parte dos habitantes chamados mineiros, semelhantes ao jogador, que nem sabe ter outro ofício, nem aplicar algum, ganho mais que as coisas supérfluas, ou a ver se faz pelo mesmo caminho, outro maior, finalmente perde tudo, fica pobre e sem [...]. Assim eles vivem na miséria lavando terra já muitas vezes lavada ou vagando a ver se encontram alguma riqueza, ou descoberto, como vulgarmente chamam isto de alguma mancha ou pinta que ainda não fosse encontrada e que tem feito e fará sua desgraça até que esta mesma os obrigue à recorrer à rica e inextinguível mina da agricultura[4], muito particularmente em um país como este, onde ela paga o trabalho com tanta [...] que em muitos lugares produz trezentos por um, e ordinariamente cem. Tenho a satisfação de que alguns já vão abrindo os olhos, e eu vi com o maior prazer arremataram-se os dízimos de três ou quatro povoações, coisa que não sucedia ha muito tempo, com o aumento de oito mil e duzentos cruzados: a abundância em que já vivem os seus habitantes, produzida pela cultura das terras e criação de gado e juntamente com as minhas persuasões, espero que incite os mais a fazer a sua felicidade e a das rendas reais desta capitania ,que pelo que tenho referido, se acham no mais miserável estado, de sorte que não tem sido prejuízo valer-me de toda a ideia que o meu espírito me pode sugerir para suprir muitas das despesas a que elas são obrigados. [...]
Deus guarde V.Exa. Vila Boa. 26 de novembro de 1813.
Ilmo. e Exmo. Snr. Conde de Aguiar[5]
Fernando Delgado H. de Castelo.
[1]OURO: por ser um mineral ao mesmo tempo maleável e de incrível resistência às alterações químicas causadas por outros elementos, há milênios é utilizado na fabricação de ornamentos e na cunhagem de moedas. É frequente que seja trabalhado sob forma de liga com outros metais, que lhe dão mais rigidez. É encontrado geralmente em rios, em forma de pepitas ou incrustado em outros depósitos minerais. Durante muito tempo um dos atributos do ouro foi o lastro de moedas correntes ou, de modo geral, seu uso como padrão de valor. O ouro no Brasil foi descoberto na região que corresponde atualmente a Minas Gerais, em fins do século XVII, por bandeirantes [bandeiras] de São Paulo, após décadas de buscas infrutíferas por diversas expedições. Responsável pela prosperidade da região, embora tenha que se considerar o papel desempenhado pelas atividades de pecuária e agricultura na capitania de Minas Gerais, teve um lugar preponderante na economia da metrópole e de sua maior credora, a Inglaterra. As cargas de ouro, segundo alguns historiadores, são um importante vetor de avaliação da economia portuguesa e das políticas adotadas, como de incentivo às manufaturas nacionais em momentos de crise, por exemplo. Durante o período em que sua extração se manteve no auge, a corrida ao ouro originou tal afluxo de imigrantes (do Reino e de outras partes da colônia), que uma lei foi decretada para tentar conter a evasão da população de Portugal. Atraindo indivíduos de todos os tipos e “cabedais”, a atividade mineradora desencadeou o desenvolvimento de uma sociedade diferente da predominante nas regiões de plantio extensivo: mais urbana e, a princípio, com maior diversidade social. Com um crescimento da produção entre 1730 e 1759, verificam-se nesse processo diferenças importantes entre as regiões: Minas Gerais inicia seu declínio na década de quarenta, quando Goiás e Mato Grosso adquirem visibilidade (COSTA, Leonor Freire et al. O ouro do Brasil: transporte e fiscalidade (1720-1764). Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas, 2003. https://ideas.repec.org/p/abp/he2003/083.html). Em consequência, cidades da região que haviam florescido no período, em especial Vila Rica (Ouro Preto), conheceriam a decadência no final do Setecentos. O ouro, principal meio de troca e a principal reserva de valor da capitania, deixou de circular livremente como moeda em 1807 e, como assinala Ângelo Carrara, um alvará de 1. ° de setembro de 1808 proibiu sua circulação, com posterior regulamentação em 12 de outubro do mesmo ano que obrigou a confecção de bilhetes impressos para o troco do ouro em pó nas casas de permuta (A capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma sociedade agrária. História Econômica & História de Empresas. v.3 n. 2 (2000). http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/138)
[2]QUINTO: tributo devido à coroa correspondente a 20% (ou seja, 1/5, um quinto) sobre as riquezas adquiridas. Incidia sobre os produtos como ouro, prata, diamantes, couro, entre outros. O imposto remonta ao alvará de 1557 e visava taxar riquezas que ainda nem haviam sido detectadas na América portuguesa: determinava que aqueles que descobrissem veios de metais preciosos deveriam pagar o quinto a Coroa, depois que estes tivessem sido fundidos. Para a arrecadação do tributo, a coroa estabeleceu os chamados registros, que funcionavam como alfândegas e ficavam em pontos estratégicos localizados nas estradas do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Para a área mineradora, foram designados funcionários especiais: provedores das minas, superintendentes, ouvidores e guardas-mores, buscando uma melhor fiscalização da atividade mineradora. A primeira forma de arrecadação do quinto ocorreu pelo sistema “de bateia”, entre 1711 e 1713, que consistia no pagamento de dez oitavas (35 gramas) de ouro por bateia (tipo de prato cônico utilizado na mineração). Depois, instalou-se a arrecadação por fintas e avenças, entre 1713 e 1719, ou seja, uma taxa anual repartida entre as comarcas, que contribuíam com uma cota proporcional a sua produção. Em 1719, foram instaladas as oficinas dos quintos, ou casas de fundição, onde o ouro extraído era fundido e reduzido a barras marcadas com o selo real, indicando peso, quilate e ano de fundição, e onde o quinto era recolhido. Durante este período, a porcentagem tributada ao rei variou entre 12 e 20%, por vezes sendo adotada uma taxa fixa resultado de cálculos das médias. Em 1735, foi instituído um sistema de capitação e censo de indústria, baseado na contagem de braços que produziam. Em 1750, a coroa novamente volta ao sistema de cobrança nas casas de fundição, forma definitiva de recolhimento do quinto.
[3]MINERAÇÃO: mineração define todos os processos e instâncias envolvidos na extração de substâncias minerais. No Brasil, a atividade mineradora teve início no século XVII com a descoberta e exploração sistemática de aluviões auríferos em Minas Gerais, e também de diamantes, na mesma capitania, já no século XVIII. Eminentemente predatória, a empreitada mineradora levada a cabo por indivíduos a quem era concedido o direito de exploração, apresentava uma produtividade muito baixa: da forma aluvionar do ouro e dos diamantes decorria um método primitivo de recolhimento destas riquezas, e se inicialmente a quantidade era tanta que permitia aos detentores das lavras e, principalmente, à coroa portuguesa um enorme volume de lucros, logo tornou-se óbvio o esgotamento dos depósitos superficiais de ouro e diamantes. A brusca diminuição na extração demonstrava claramente este esgotamento, que não foi necessariamente das riquezas, mas do método utilizado. A partir das últimas décadas do século XVIII, alguns funcionários do próprio governo português começaram a enfatizar a necessidade de se estudar processos de extração de minérios e, principalmente, de se modernizar o equipamento e o método utilizados na colônia. A situação nas lavras fluviais não era muito melhor do que a das minas em terras, e Azeredo Coutinho, sacerdote e escritor brasileiro que se dedicou a analisar os problemas econômicos da colônia, afirmava: "supondo que naquelas minas haja ainda muito ouro, já contudo não é muito para ser retirado por mãos grosseiras e sem arte." [Citado por Sílvia Figueroa em http://alhe.mora.edu.mx/index.php/ALHE/article/viewFile/23/18]. Algumas medidas foram tomadas pela metrópole no sentido de alterar a situação: a tradução e publicação, em 1790, de dois tratados bastante abrangentes sobre mineração, e o envio de três recém-formados de Coimbra em uma viagem de especialização pelos melhores centros científicos e mineiros da Europa, entre eles José Bonifácio de Andrada, a fim de encontrar soluções e ajustes aos antigos sistemas de exploração que caracterizou a colônia.
[4]AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.
[5]CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.
Dificuldade de arrecadação
Carta do governador do Rio de Janeiro, Luiz Vahia Monteiro para o rei de Portugal dom João V comunicando a dificuldade para arrecadar os quintos reais do ouro e diamantes. Recomenda ainda que a administração das minas seja realizada diretamente pela fazenda real. Sugere também a proibição da exploração das demais minas para evitar os extravios das riquezas citadas.
Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a corte. Registro original
Notação: códice 80, vol. 04
Datas-limite: 1730-1731
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: diamantes
Data do documento: 26 de agosto de 1730
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 45 v, 46
A El Rei pela secretaria de Estado
Sobre a administração das minas
Senhor,
Pela frota de Pernambuco representei a Vossa Majestade[1] em carta de catorze do presente mês, da qual encaminho segunda via com esta, a impossibilidade que considero para se arrecadarem os reais quintos[2] do ouro[3] e diamantes[4] e cada vez me certifico mais que será impossível em nenhum tempo arrecadar Vossa Majestade a terça parte daquele direito real, salvo mandando administrar por conta de sua real fazenda[5] as minas que julgar mais conveniente, proibindo todas as mais, a fim de remediar os mais danos públicos que causa a desordenada ambição do ouro, na forma que representa na dita carta e não me fiando somente na minha tenho proposta a forma da administração àquelas pessoas que reconheço mais inteligentes e praticas das minas, e respondendo-lhe as dificuldades que se lhe ofereciam, todos concordam na facilidade da administração e nos grandes interesses da Fazenda de Vossa Majestade, e chegando agora aqui Ivan leite da Silva, guarda mor e descobridor da minas dos Goyazes de caminho para o reino e com esperanças de alcançar ainda a frota de Pernambuco, lhe comuniquei a mesma matéria por ser homem que toda a vida se criou e trabalhou em minas, o qual concordou comigo reconhecendo que era o único meio de uma verdadeira arrecadação dizendo que já dos Goyazes, sendo minas tão novas e sem mais conhecimento que o da única estrada que há para minas se tinha extraviado muito ouro porque não entrava na casa da fundição[6] em São Paulo todo o que tinha registrado nos Goyazes[7], a vista do que lhe expliquei o modo da administração por feitorias[8], como tenho proposto a Vossa Majestade para que ele possa responder vocalmente as dúvidas que se ofereceram no caso, que Vossa Majestade seja servido por em pratica esta única arrecadação de tão grossos tesouros e desta carta lhe dou a uma via, e a outra remeto pelas Ilhas.
A real pessoa de Vossa Majestade. Guarde Deus muitos anos como seus vassalos havemos mister. Rio de janeiro, 26 de agosto de 1730. Luiz Vahia Monteiro[9].
[1]JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.
[2]QUINTO: tributo devido à coroa correspondente a 20% (ou seja, 1/5, um quinto) sobre as riquezas adquiridas. Incidia sobre os produtos como ouro, prata, diamantes, couro, entre outros. O imposto remonta ao alvará de 1557 e visava taxar riquezas que ainda nem haviam sido detectadas na América portuguesa: determinava que aqueles que descobrissem veios de metais preciosos deveriam pagar o quinto a Coroa, depois que estes tivessem sido fundidos. Para a arrecadação do tributo, a coroa estabeleceu os chamados registros, que funcionavam como alfândegas e ficavam em pontos estratégicos localizados nas estradas do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Para a área mineradora, foram designados funcionários especiais: provedores das minas, superintendentes, ouvidores e guardas-mores, buscando uma melhor fiscalização da atividade mineradora. A primeira forma de arrecadação do quinto ocorreu pelo sistema “de bateia”, entre 1711 e 1713, que consistia no pagamento de dez oitavas (35 gramas) de ouro por bateia (tipo de prato cônico utilizado na mineração). Depois, instalou-se a arrecadação por fintas e avenças, entre 1713 e 1719, ou seja, uma taxa anual repartida entre as comarcas, que contribuíam com uma cota proporcional a sua produção. Em 1719, foram instaladas as oficinas dos quintos, ou casas de fundição, onde o ouro extraído era fundido e reduzido a barras marcadas com o selo real, indicando peso, quilate e ano de fundição, e onde o quinto era recolhido. Durante este período, a porcentagem tributada ao rei variou entre 12 e 20%, por vezes sendo adotada uma taxa fixa resultado de cálculos das médias. Em 1735, foi instituído um sistema de capitação e censo de indústria, baseado na contagem de braços que produziam. Em 1750, a coroa novamente volta ao sistema de cobrança nas casas de fundição, forma definitiva de recolhimento do quinto.
[3]OURO: Por ser um mineral ao mesmo tempo maleável e de incrível resistência às alterações químicas causadas por outros elementos, há milênios é utilizado na fabricação de ornamentos e na cunhagem de moedas. É frequente que seja trabalhado sob forma de liga com outros metais, que lhe dão mais rigidez. É encontrado geralmente em rios, em forma de pepitas ou incrustado em outros depósitos minerais. Durante muito tempo um dos atributos do ouro foi o lastro de moedas correntes ou, de modo geral, seu uso como padrão de valor. O ouro no Brasil foi descoberto na região que corresponde atualmente a Minas Gerais, em fins do século XVII, por bandeirantes [bandeiras] de São Paulo, após décadas de buscas infrutíferas por diversas expedições. Responsável pela prosperidade da região, embora tenha que se considerar o papel desempenhado pelas atividades de pecuária e agricultura na capitania de Minas Gerais, teve um lugar preponderante na economia da metrópole e de sua maior credora, a Inglaterra. As cargas de ouro, segundo alguns historiadores, são um importante vetor de avaliação da economia portuguesa e das políticas adotadas, como de incentivo às manufaturas nacionais em momentos de crise, por exemplo. Durante o período em que sua extração se manteve no auge, a corrida ao ouro originou tal afluxo de imigrantes (do Reino e de outras partes da colônia), que uma lei foi decretada para tentar conter a evasão da população de Portugal. Atraindo indivíduos de todos os tipos e “cabedais”, a atividade mineradora desencadeou o desenvolvimento de uma sociedade diferente da predominante nas regiões de plantio extensivo: mais urbana e, a princípio, com maior diversidade social. Com um crescimento da produção entre 1730 e 1759, verificam-se nesse processo diferenças importantes entre as regiões: Minas Gerais inicia seu declínio na década de quarenta, quando Goiás e Mato Grosso adquirem visibilidade (COSTA, Leonor Freire et al. O ouro do Brasil: transporte e fiscalidade (1720-1764). Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas, 2003. https://ideas.repec.org/p/abp/he2003/083.html). Em consequência, cidades da região que haviam florescido no período, em especial Vila Rica (Ouro Preto), conheceriam a decadência no final do Setecentos. O ouro, principal meio de troca e a principal reserva de valor da capitania, deixou de circular livremente como moeda em 1807 e, como assinala Ângelo Carrara, um alvará de 1.° de setembro de 1808 proibiu sua circulação, com posterior regulamentação em 12 de outubro do mesmo ano que obrigou a confecção de bilhetes impressos para o troco do ouro em pó nas casas de permuta (A capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma sociedade agrária. História Econômica & História de Empresas. v.3 n. 2 (2000). http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/138)
[4]DIAMANTE: material constituído por moléculas estáveis de carbono, de maior dureza entre as substâncias naturais, o diamante tem uma infinidade de utilizações, indo de componentes industriais ao adorno em joias. Embora as primeiras referências à existência de diamantes na região sudeste do Brasil remontem ainda ao século XVII (Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Brandão, escrito em 1618, já enumerava os diamantes como uma de suas riquezas), sua exploração teve início, comprovadamente, durante o governo de d. Lourenço de Almeida (1720-1732), nas lavras de Bernardo da Fonseca Lobo, na comarca de Serro Frio. O diamante, durante algum tempo, foi extraído sem conhecimento da Coroa, possivelmente com a ativa participação do próprio governador Lourenço e do ouvidor de Serro Frio, Rodrigues Banha. No fim dos anos 1720, já não era possível esconder a existência de veios tão ricos da mais preciosa das pedras, e o próprio governador Lourenço tratou de comunicar a descoberta ao rei de Portugal, d. João V, que, em julho de 1729, recebeu em sua Corte o proprietário das notáveis lavras, Bernardo Fonseca Lobo. Em grande quantidade e de qualidade superior, os diamantes brasileiros correram mundo e inúmeras foram as formas encontradas para ludibriar a vigilância oficial e evitar o pagamento de impostos. A quantidade da pedra em dado momento era tão grande que o governo português se viu obrigado a limitar sua exploração, posto que o mercado, com a súbita afluência de diamantes, começava a baixar o seu preço. A exploração prosseguiu até meados do século XIX, mas, assim como a exploração do ouro, a atividade foi prejudicada frente ao esgotamento dos veios e à falta de técnicas mais modernas de exploração.
[5]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.
[6]CASA DE FUNDIÇÃO: mais do que estabelecimentos de processamento de ouro, as casas de fundição eram órgãos de controle e arrecadação de impostos relativos ao mineral que era extraído na colônia portuguesa na América. Normalmente instalada junto à casa dos quintos, era o local em que o ouro extraído era recolhido, transformado em barras e "quintado" [ver quinto], ou seja, onde recebia a marca ou selo real, marca de que era ouro legal e que já havia sido taxado. As casas de fundição eram dirigidas por um provedor e contavam com outros funcionários: escrivães, fundidores, ensaiadores, cunhadores, meirinhos, tesoureiros e fiscais. Embora houvesse casas de fundição antes da descoberta de ouro em abundância na região em que hoje se encontram Sabará, Ouro Preto e arredores (instaladas para dar conta das primeiras descobertas do minério, na capitania de São Vicente, na região de Jaraguá), as maiores e mais importantes viriam a ser instaladas apenas a partir do final do século XVII, com a abertura da casa de fundição (ou Casa Real dos Quintos) de Taubaté (1695), de Rio das Velhas (1701), e várias outras, ao longo das primeiras décadas do século XVIII, em Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso. Em 1737, passa a vigorar o sistema de captação como forma de tributação da atividade mineradora, e assim as casas de fundição são fechadas. Não muito tempo depois, em 1750, o sistema de arrecadação novamente muda e o retorno do sistema de quintação determina a reabertura das casas de fundição.
[7]GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.
[8]FEITORIAS: de origem mediterrânea e medieval, as feitorias eram armazéns fortificados de que se valeram os portugueses no desenvolvimento das suas atividades comerciais. As primeiras feitorias portuguesas surgiram por ocasião da conquista da costa africana, sendo estes os locais destinados ao comércio com os nativos. Com a descoberta do Brasil e o início da exploração do pau-brasil, as feitorias foram instaladas também aqui, com o mesmo propósito de possibilitar o desenvolvimento da atividade comercial. O fim do período das feitorias no Brasil coincide com o início do seu processo de colonização, marcado pela criação das capitanias hereditárias.
[9]MONTEIRO, LUIZ VAHIA (1660?-1732): governador do Rio de Janeiro entre 1725 e 1732, substituído interinamente por Manoel de Freitas da Fonseca (1732-1733) em consequência de problemas, na época, descritos por demência. Foi o primeiro a alertar a Coroa para a existência de intensa atividade comercial ilegal na região de Angra dos Reis (incluindo Parati e Ilha Grande), incluindo descaminho do ouro, comercialização de gêneros que só poderiam ser vendidos pela metrópole e pirataria. Sua forma rígida de governar valeu-lhe o apelido de “o Onça,” fama esta que conseguiu ao não compactuar com o que considerava desvios de conduta das elites locais, que a seu ver, acobertavam o contrabando. Envolveu-se em conflitos com o Senado da Câmara, com os Beneditinos e outras figuras proeminentes no governo colonial, todos acusados de desvios de conduta ou facilitação do contrabando. Acusado de possuir “maus modos” e de intolerância extrema, dizia-se rígido no cumprimento dos regulamentos e ordens régias e acusava seus detratores de difamarem seu caráter de forma a que não fossem levadas a sério suas investigações de irregularidades.
Em busca de falsificadores
Carta de Gomes Freire de Andrade para o conde das Galveas sobre o sucesso da fragata de Nossa Senhora das Ondas na proteção do ouro e busca dos criminosos como o padre Manoel Carneiro e Cristovão Cordeiro de Castro. A esta altura, o falsificador Antonio Pereira de Souza já havia fugido da capitania. Permaneciam em busca de indícios de mais dois deles, aparentemente ainda em Serro Fria: Aleixo Roys e Lourenço Pereira.
Conjunto documental: Correspondência de governadores do Rio de Janeiro. Original e Copia
Notação: códice 82, vol. 02
Datas-limite: 1722-1738
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: mineração
Data do documento: 30 de setembro de 1733
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 61
Para o conde das Galveas[1] sobre criminosos.
Excelentíssimo senhor,
Meu senhor pelo índio[2] que trouxe a caixa e carta de vossa excelência para Diogo de Mendonça respondi em breve grande [...] que me achava na expedição da fragata de nossa senhora das ondas, a qual saiu deste porto no dia vinte sete e eu fiquei gostoso vendo quanto efeito produziu a grande atividade de vossa excelência de cuja remessa me dou parabéns na certeza de bem recebida que há de ser esta conduta da nossa corte.
De São Paulo[3] vieram trinta arrobas de ouro[4] entre as quais se achava uma de noventa marcos: do importante cabedal que foi nesta nau[5] remeto a vossa excelência o extrato junto: queira deus que nas frotas sucessivas possamos contar igual felicidade. Quando recebi a de vossa excelência em que me fazia aviso de demarcar nesta capitania[6] com as marcas de São Paulo e Minas andava eu com maior trabalho em seguimento de Antonio Pereira de Souza[7] (de quem remeto os sinais da memória junto) que é o delinquente de tal delito: foram tão ativas as diligencias com que o apurei que estou certo haver saído desta capitania e nela fica preso Christovão Cordeiro de Castro um dos seus antigos sócios e na nau de guerra remeti par a corte o padre Manoel Carneiro[8], convencido do mesmo delito e seguro a vossa excelência não pararei obrar tudo o que possa conduzir ao embaraço da extração do ouro.
Entre as inquisições que tenho feito descobri que Aleixo Roiz Branco e Lourenço Pereira, seu camarada, ambos fugidos da cadeia desta cidade e culpados na devassa[9] do ouro se acham assistentes no Serro do Frio[10] e por uma carta que aqui se viu na mão do seu correspondente consta haver recebido no dito Serro Frio uns foles de ferreiro e alguns ferros que na frota lhe vieram do reino e na mesma carta se queixara de algumas coisas não serem do seu gosto: o que ponho na presença de vossa excelência na forma de ordens de sua majestade. A expedição dos reais quintos do rei se fez na forma que no seu papel expõem Eugenio Freire e pelo que toca os antecedentes anos farei aviso a corte na frota vindoura para ver se podemos achar aonde para o acréscimo daqueles anos.
Remeto a vossa excelência a reposta do provedor[11] da casa da moeda[12] sem embargo da qual eu lhe ordeno remeta logo a maior porção do que tiver. Aos pés de vossa excelência fico como devo.
Deus guarde a vossa excelência muitos anos. Rio de Janeiro a 30 de setembro de 1733 excelentíssimo senhor conde das Galveas.
Beija as mãos de vossa excelência seu sobrinho e fiel cativo, Gomes Freire de Andrade[13].
[1]CASTRO, ANDRÉ DE MELO E (1668-1753): 4º conde das Galveias, foi embaixador junto à Santa Sé no governo de d. João V, nomeado governador e capitão-general de Minas Gerais em 1732. Quatro anos depois, 1736, foi nomeado vice-rei do Estado do Brasil, cargo que ocupou até 1749. Logo no início de seu governo, a colônia de Sacramento foi invadida pelos espanhóis, mas, com seu apoio, conseguiu resistir ao cerco até 1737, quando foi novamente retomada. Promoveu a criação de tropas na Bahia e o povoamento dos sertões, como Minas Gerais e Goiás, e do Sul, no Paraná e Rio Grande do Sul.
[2]ÍNDIOS: Os europeus, ao chegarem à América, deram a seus habitantes a denominação de índios por pensarem estar pisando terras das Índias. Mesmo depois que suas explorações os levaram a perceber seu engano, os habitantes do Novo Mundo continuaram a ser chamados de índios, imputando o termo às mais diversas populações que habitavam o território, numa clara perspectiva etnocêntrica. Índios eram os não-europeus. A categoria índio abrange populações muito diferentes entre si, quer seja do ponto de vista físico, linguístico ou dos costumes. Contudo, esse termo genérico é amplamente encontrado na legislação e em documentos da coroa portuguesa. Em algumas situações, o termo pode vir associado a qualificações como índios bravos/hostis ou índios mansos. Em outras ocasiões, faz-se uma diferenciação entre os índios tupi, que majoritariamente habitavam a costa brasileira, e tapuias, aqueles não tupi. Todavia, o termo encerra uma natureza homogeneizadora, não raro eivado de preconceitos, que visa omitir o caráter pluriétnico de uma população que girava em torno de cinco milhões em 1500 e que, um século depois se reduziria a quatro milhões pelas epidemias das populações do litoral atlântico, que sofreram o primeiro impacto da civilização. A de população prossegue, entre 1600 e 1700, não só pelas doenças, mas pelo trabalho escravo e pelas guerras, reduzindo a população indígena para cerca de dois milhões. Ao final de período colonial, estima-se que essa população estivesse reduzida a um milhão.
[3]SÃO PAULO, CAPITANIA DE: ao final do século XVII, período da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro, o que se mostrou ineficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro. Considera-se ainda que a Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região, levou à fundação da capitania de São Paulo em 1709. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e a então formada capitania de São Paulo passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões agrupavam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música sacra e eram forçados à conversão ao cristianismo. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, se acostumou a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de minérios, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a partir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A primeira, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia somente em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visavam fortalecer a região centro-sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).
[4]OURO: por ser um mineral ao mesmo tempo maleável e de incrível resistência às alterações químicas causadas por outros elementos, há milênios é utilizado na fabricação de ornamentos e na cunhagem de moedas. É frequente que seja trabalhado sob forma de liga com outros metais, que lhe dão mais rigidez. É encontrado geralmente em rios, em forma de pepitas ou incrustado em outros depósitos minerais. Durante muito tempo um dos atributos do ouro foi o lastro de moedas correntes ou, de modo geral, seu uso como padrão de valor. O ouro no Brasil foi descoberto na região que corresponde atualmente a Minas Gerais, em fins do século XVII, por bandeirantes [bandeiras] de São Paulo, após décadas de buscas infrutíferas por diversas expedições. Responsável pela prosperidade da região, embora tenha que se considerar o papel desempenhado pelas atividades de pecuária e agricultura na capitania de Minas Gerais, teve um lugar preponderante na economia da metrópole e de sua maior credora, a Inglaterra. As cargas de ouro, segundo alguns historiadores, são um importante vetor de avaliação da economia portuguesa e das políticas adotadas, como de incentivo às manufaturas nacionais em momentos de crise, por exemplo. Durante o período em que sua extração se manteve no auge, a corrida ao ouro originou tal afluxo de imigrantes (do Reino e de outras partes da colônia), que uma lei foi decretada para tentar conter a evasão da população de Portugal. Atraindo indivíduos de todos os tipos e “cabedais”, a atividade mineradora desencadeou o desenvolvimento de uma sociedade diferente da predominante nas regiões de plantio extensivo: mais urbana e, a princípio, com maior diversidade social. Com um crescimento da produção entre 1730 e 1759, verificam-se nesse processo diferenças importantes entre as regiões: Minas Gerais inicia seu declínio na década de quarenta, quando Goiás e Mato Grosso adquirem visibilidade (COSTA, Leonor Freire et al. O ouro do Brasil: transporte e fiscalidade (1720-1764). Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas, 2003. https://ideas.repec.org/p/abp/he2003/083.html). Em consequência, cidades da região que haviam florescido no período, em especial Vila Rica (Ouro Preto), conheceriam a decadência no final do Setecentos. O ouro, principal meio de troca e a principal reserva de valor da capitania, deixou de circular livremente como moeda em 1807 e, como assinala Ângelo Carrara, um alvará de 1.° de setembro de 1808 proibiu sua circulação, com posterior regulamentação em 12 de outubro do mesmo ano que obrigou a confecção de bilhetes impressos para o troco do ouro em pó nas casas de permuta (A capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma sociedade agrária. História Econômica & História de Empresas. v.3 n. 2 (2000). http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/138)
[5]NAUS E FRAGATAS DE GUERRA: nau designa uma extensa variedade de navios de médio e grande porte utilizada pelos portugueses desde o século XIV para fins bélicos e comerciais. Eram embarcações com acastelamentos na popa e na proa, apresentando um mastro de pano redondo. À época das grandes navegações, as naus se tornaram mais bojudas (a boca poderia apresentar cerca de um terço do comprimento da quilha), para enfrentar o mar revolto, sobretudo, no entorno do Cabo das Tormentas, onde as caravelas encontrariam dificuldades. Em geral, bem armadas com artilharia pesada, passaram e ter até três mastros com velas quadrangulares. Devido a forma de seu casco, bem mais largo do que comprido, em relação a outras embarcações da época, as naus ficaram conhecidas como “navios redondos”. Tais modificações a tornaram uma embarcação bastante imponente, usada para intimidar adversários e guardar territórios, mas também de difícil manejo. Eram intensamente utilizadas para proteger o pouco povoado litoral brasileiro de piratas e missões europeias rivais. A nau de guerra objetivava a segurança das embarcações comerciais e os combates marítimos, podendo ser classificada como de primeira, segunda e terceira classes, dependendo do número de peças de artilharia. Já as fragatas eram navios de guerra que, apesar de terem o mesmo comprimento, eram mais estreitas, o que lhe conferiam maior agilidade e velocidade frente às naus. Eram usadas em missões de escolta ou reconhecimento territorial e movidas por propulsão à vela. Em meados do século XIX, se desenvolveram as fragatas mistas e a vapor.
[6]CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou. ” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.
[7] SOUZA, ANTÔNIO PEREIRA DE: ocupou o cargo de abridor dos cunhos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, responsável por moldar numa peça de ferro o molde para a cunhagem das moedas reais. A partir de 1730, entretanto, Antônio Pereira aparece nos registros oficiais como um falsário e contrabandista. Suas conexões com figuras envolvidas no comércio ilícito (indivíduos de várias origens, de escravos a clérigos) tornaram-se claras aos olhos das autoridades da metrópole e seu nome foi registrado em devassas realizadas entre 1730 e 1740. Parte do ouro vindo dos sertões era cunhado em moedas falsas que atravessavam as fronteiras da América portuguesa ou se dirigiam para outros reinos europeus. Por trabalhar na Casa da Moeda, o funcionário da Coroa encontrava-se em posição privilegiada, tanto para falsificar, como para desviar o ouro que vinha da região das minas. Inácio de Souza Jácome, juiz de fora da capitania do Rio de Janeiro, foi o primeiro a acusá-lo de falsário, em 1730. Ficou preso por ordem de Luís Vahia Monteiro no palácio dos Governadores, no Rio de Janeiro, com a justificativa da falta de segurança da cadeia pública da cidade. No entanto, Antônio Pereira logrou escapar, instalando-se nas cercanias da cidade, onde continuou a sua atividade de falsário. Tinha conexões com homens de negócios, religiosos e outros funcionários da Coroa. O depoimento de uma companheira sua, Brites Furtada, indicava, inclusive, que o próprio procurador da Coroa na época, Sebastião Dias da Silva e Caldas, integrava esta rede de corrupção, sem falar no juiz de órfãos Antonio Teles de Menezes, que o abrigou em sua propriedade após sua fuga. Foi preso por Gomes Freire em 1733, em meio a planos de construir uma fábrica de moeda e barras falsas em Itabera, capitania de Minas Gerais.
[8]CARNEIRO, MANOEL: o padre Manoel Carneiro é citado na documentação oficial como um dos cúmplices mais importantes do bandido Mão de Luva. Oriundo do interior da capitania de Goiás, o religioso foi preso por Gomes Freire enquanto se encontrava a caminho do Rio de Janeiro, vindo da região de Parati, onde se escondia.
[9]DEVASSA: a devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, com características inquisitoriais, que concedia pouco ou nenhum direito de defesa ao acusado. Esse rito processual vigorou no Brasil até a promulgação do Código Criminal do Império, em 1830. Nas Ordenações Filipinas, assim como previsto nas Manuelinas, as devassas se dividiam em gerais e especiais: as gerais versavam sobre delitos incertos e eram realizadas anualmente, sendo de competência do juiz de fora, ordinários e corregedores; as devassas especiais supunham a existência de um delito já cometido, cuja autoria era incerta. A primeira tinha por objetivo o delito de autor incerto e eram tiradas uma vez por ano; a segunda se ocupava somente da autoria incerta. (Lucas Moraes Martins. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/an
[10]SERRA DO FRIO: localizado na serra do Espinhaço, entre os atuais estados de Minas Gerais e Bahia, o povoamento do arraial do Serro do Frio, cujo primeiro nome registrado é Arraial do Ribeirão das Minas de Santo Antônio do Bom Retiro do Serro do Frio, teve início em 1701. Foi elevado a vila em 1714 com o nome de Vila do Príncipe e, em 17 de fevereiro de 1720, passou a ser sede da comarca da Serro do Frio. Ao lado do Arraial do Tejuco, a Vila do Príncipe do Serro Frio foi um centro irradiador de povoamento pioneiro na exploração de ouro e diamantes.
[11]PROVEDOR: o provedor era imbuído de especiais funções quanto à vigilância e observância dos estatutos gerais e públicos de uma instituição, à obediência aos decretos, alvarás, avisos e resoluções. No Brasil o cargo foi criado em 1548, por ocasião da instalação do governo-geral, tendo por objetivo cuidar dos assuntos relativos à administração fazendária. Existiram várias categorias de provedores, todos subordinados ao provedor-mor (mais alta instância administrativa, responsável pela arrecadação, contabilidade, fiscalização e convocação dos oficiais da Fazenda) e que atuaram em instâncias diferenciadas, entre as quais se podem mencionar a Alfândega, a Justiça, a Casa da Moeda, as Minas, Defuntos e Ausentes, entre outras. Nomeados pelo rei ou pelo governador-geral, os provedores eram responsáveis por acompanhar e administrar as rendas e direitos régios arrecadados, fiscalizar e registrar a movimentação comercial, cobrar os direitos, punir as irregularidades cometidas pelos oficiais de Fazenda, entre outras funções. Prestavam contas ao provedor-mor, inicialmente, e depois ao Conselho da Fazenda.
[12]CASA DA MOEDA: a produção de dinheiro com metais (ouro, prata) tornou-se símbolo do poder real ainda na Idade Média, já que esta atividade era prerrogativa exclusiva do rei. Em 1644 a Coroa portuguesa instalou a primeira Casa da Moeda no território da sua colônia americana, em São Paulo, pois embora a exploração sistemática de grandes quantidades de ouro não tivesse começado, sinais da existência do metal já haviam sido encontrados na região. No entanto, apesar de toda a burocracia relativa à Casa ter sido levada a cabo, incluindo a nomeação de funcionários, não se conhece nenhum exemplar feito nela. Quando o ouro começou a de fato jorrar dos leitos dos rios em Minas, o governo português criou uma casa da moeda em 1694 na Bahia, na época centro de poder na colônia. Subsequentemente ela foi transferida para o Rio de Janeiro. Em 1714 foi instalada mais uma casa, novamente na Bahia, e mais uma em Vila Rica em 1725. Neste período as casas da moeda eram dirigidas por um provedor e um superintendente, cargos extintos em 1725. "Segundo Cléber Baptista Gonçalves, modernamente, se considera que a reunião das oficinas de fundição, laminação, corte, gravura e cunhagem caracteriza uma Casa da Moeda. Quando só uma ou algumas delas estão presentes, o que existe é uma mera oficina monetária. (citado do sítio da Casa da Moeda, GONÇALVES, Cleber Baptista. Casa da Moeda do Brasil, 290 anos de história, 1694-1984. Rio de Janeiro, 1985)." Apesar de penas severas previstas para falsificadores e contrabandistas, a existência de casas da moeda clandestinas na região das minas não era algo tão fora do comum. Na verdade, a falsificação de moedas foi levada a cabo por indivíduos de status social e algum cabedal, em nada se assemelhando a uma empreitada de criminosos marginalizados. Nos anos 1730, o notório falsificador Antônio Pereira de Souza, ex-fundidor da casa oficial, após fugir da prisão do governador do Rio Vahia Monteiro, associou-se ao padre Manoel Carvalho e a Carlos de Matos do Quental, abridor da Casa da Moeda, entre outros funcionários da própria Casa da Moeda. Alguns associados acabaram logo presos, o que fez com que a Casa fosse transferida para Itabaraba, e pouco depois definitivamente fechada após diligências oficiais.
[13]ANDRADA, GOMES FREIRE DE (1685-1763): nascido no Alentejo, onde serviu no regimento por mais de vinte anos, sobressaiu-se no cenário militar e político, tornando-se governador e capitão-general do Rio de Janeiro em 1733. Sua administração por quase trinta anos foi particularmente importante no Rio de Janeiro onde criou a primeira oficina tipográfica da cidade, posteriormente fechada por ordem da Coroa, erigiu o Aqueduto da Carioca e outros monumentos em que se destaca a construção do palácio dos governadores, atual Paço Imperial. Ainda no campo da cultura impulsionou a criação das Academias dos Felizes e dos Seletos no Rio de Janeiro e como sublinhou Maria de Fátima Silva Gouvea, custeou a educação de muitos jovens no Seminário São José, como do mineiro Basílio da Gama, autor do poema épico a ele dedicado O Uraguai. Foi também governador das capitanias de Minas Gerais (1735-1752), São Paulo (1737-1739), Goiás e Mato Grosso (1748). Em 1758, foi agraciado com o título de conde de Bobadela. Em sua carreira política agiu prontamente no controle do produto das minas, combatendo o contrabando e organizando a coleta dos quintos reais. Esteve à frente no processo de formação de fronteiras na região sul, na qualidade de comissário para a demarcação dos limites previstos no Tratado de Madri, de 1750. Nesse mesmo ano, Gomes Freire de Andrada liderou a violenta Guerra Guaranítica ou das Missões, que reuniu portugueses e espanhóis no Sul contra a rebelião dos índios. Foi sepultado no Rio de Janeiro.
O Mão de Luva
Carta régia a Luiz de Cunha Menezes dando detalhes das investigações sobre os contrabandistas do rio Macacu, chefiados por Manoel Henriques, o "Mão-de-luva". Ordena um ataque ao comboio dos contrabandistas. Ao final da carta, repreende Menezes pelas licenças que havia dado a alguns mineradores, e envia em anexo uma parte do decreto de regulações das minas para sua consulta.
Conjunto documental: Correspondência da corte com o Vice-reinado
Notação: códice 67, vol. 13
Datas-limite: 1785-1785
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: ouro
Data do documento: 10 de janeiro de 1785
Local: Lisboa
Folha (s): 39-42
Em carta que o vice-rei do Estado do Brasil[1] dirigiu a esta secretaria de Estado[2], foi presente à Sua Majestade[3] a participação que V.S. lhe fez por carta de 19 de maio do ano próximo passado, das entradas clandestinas que se haviam descoberto nessa capitania pelos matos denominados Áreas proibidas, e que mandando fazer sobre este importante negócio, mais circunspeto exame, resultou dele o que consta da informação que V.S. remeteu, dada pelo sargento-mor da cavalaria, Pedro Alfonço Galvão de S. Martinho, incumbido desta diligência.
A dita informação e os interrogatórios a que o mesmo sargento-mor procedeu, combinados com outras notícias anteriores, daqueles distritos fazem demonstrativamente ver: que um grande número de contrabandistas e extraviadores tendo por chefe, ou cabeça, um chamado Manoel Henrique por alcunha o, Mão de luva[4] que por diferentes entradas se tinham introduzido no vedado sertão[5] de Macacu, pertencendo à capitania do Rio de janeiro, confinante com essa capitania pelo Rio Parahyba, vendo talvez as providências que o vice-rei do Brasil mandara dar para os fazer sair daquele sertão, e querendo as iludir, foram abrir uma comunicação dele para Minas Gerais[6], com tão bom sucesso que as estabeleceram, não por caminho oculto ou escondido, nem com as mínimas cautelas que os culpados costuma tomar em semelhantes transgressões, mas com toda franqueza, publicidade, segurança e desenvoltura que o dito chefe, mão de luva e os coligados com ele, tendo suas próprias casas e famílias nessa capitania, aí mesmo compram a escravatura que lhes é necessária e as provisões e mantimentos de que também precisam, aí mesmo alugam bestas a diferentes particulares, e se servem das suas próprias, carregando-as todas com os ditos mantimentos e provisões e fazendo-os conduzir até um certo distrito, onde se carregam para depois as transportarem eles mesmos com a sua escravatura aos ranchos e lavras que têm estabelecido no referido sertão, sendo tal a liberdade com que estes fatos se praticam, que atém os próprios pais, persuadidos da tolerância ou consentimento deles, mandam sem algum rebuço ou disfarce, seus filhos com provimentos e escravos[7] para o novo descoberto, como eles lhe chamam, tudo na forma que se depriende da própria confissão dos comboieiros[8] que os conduziam e das mais pessoas que depuseram aos interrogatórios do sobredito sargento-mor.
Nestas circunstâncias, não se devendo tolerar de modo algum semelhantes atentados pelas perniciosíssimas e fatais consequências que deles se tem resultado e podem resultar, e achando-se os estabelecimentos dos referidos contrabandistas muito mais próximos de Minas Gerais, que da capital do Rio de Janeiro, tendo-se valido e aproveitado dessa mesma capitania para se sustentarem nas suas transgressões pelos inauditos modos que ficam acima referidos, e sendo certo que pelos mesmos caminhos e picadas de que eles se servem para a frequente comunicação que tem com essa capitania e por onde conduziram trinta e cinco bestas de carga com provisões e mantimentos para seus ranchos e lavras[9], pode marchar tropa para os ir atacar neles e nelas.
Ordena Sua Majestade que tirando V.S. do Regimento de Cavalaria[10] dessa guarnição e dos corpos auxiliares[11] e pedestres que estão debaixo do seu comando, aquele número de gente escolhida que lhe parecer suficiente para segurar a diligência de que se trata, confiando a um oficial de préstimo e atividade capaz de dar conta dela, e dando, além disto, todas as mais providências precisas para que ela se não malogre, faça marchar o dito corpo a atacar os mencionados contrabandistas, extraviadores nos seus próprios alojamentos, não obstante serem estes no Distrito da capitania do Rio de Janeiro, prendendo os que se puderem colher à mão, muito particularmente os principais cabeças para se remeter àquela capital e ali serem processados como for justo.
Todo o bom sucesso de semelhantes comissões depende essencialmente do segredo e disfarce com que se dispõem e executa, e se por este meio, e em algumas das passagens do sertão para Minas Gerais, ou em outro encontro se puderem antecipadamente prender o principal cabeça, Mão de luva, e com ele seus coligados, ou algum deles, ainda que se prometa um bom prêmio a quem os segurar, isto valerá uma boa tarde da diligência e contribuirá muito para mais facilitar o feliz êxito deles.
Nada, porém, deve executar V.S. executar, quanto à entrada, quanto à entrada no sertão de que se trata sem o comunicar primeiro ao vice-rei[12] do Brasil, participando-lhes todas as suas disposições, para que ele, da sua parte mande fazer as que lhe parecerem mais próprias e que melhor correspondam ao fim de se coajudarem mutuamente neste importante negócio. E logo que se tivesse concluído, desterrando-se inteiramente do mencionado sertão, os contrabandistas e extraviadores que o tem infestado e infestam ao mesmo vice-rei, tem Sua Majestade expedido ordens para o que o mesmo vice-rei deve obrar.
Devo também dizer à V.S. que dos interrogatórios acima indicados, consta que alguns mineiros e outras pessoas obtiveram licença de V.S., por meio de portarias suas para fazer novos descobrimentos em toda a capitania que V.S. comanda, e que o mesmo haviam praticado alguns dos seus predecessores.
Sobre o que manda S. Majestade lembrará V.S. que semelhantes licenças são contrárias ao disposto na carta régia de 8 de fevereiro de 1730[13], de que lhe remeto cópia na qual se defendem as ditas explorações sem expressa ordem de S. Majestade, fora dos distritos das Minas já descobertas pelos inconvenientes já apontados na mesma carta régia. E ainda que no parágrafo 5 do capítulo IX do Alvará de 3 de dezembro de 1750[14], se manda premiar os habitantes de minas que descobrirem alguma nova Beta ou Pinta fértil e rica, este descobrimento se entende nos mesmos distritos das minas e não fora nem distante deles.
Pelo que é Sua Majestade servida que V.S. mande logo recolher não só as sobreditas portarias e licenças que tiver dado, mas as que houver dos seus predecessores, fazendo literalmente executar o que se acha determinado na sobredita carta régia.
Quando, porém, V.S. tiver notícia de que algum sítios que devam ser explorados, ou que se façam representação a este respeito, deve V.S. informar-se da situação [...] dos ditos sítios, da comunicação fácil ou dificultosa que deles pode haver para outras partes, principalmente para os portos do mar e da facilidade com que se lhes pode pôr as cautelas indispensavelmente necessárias para se evitarem os contrabandos e extravios, dando de tudo uma circunstanciada e individual conta à Sua Majestade para que a vista das certas, verídicas e se for possível, oculares informações de V.S. para a mesma Senhora resolver o que for servido.
Sendo V.S. entendido que as riquezas do Brasil, reguladas e dirigidas pela inviolável observância das ordens e das leis e pelo vigilante cuidado, zelo e desinteresse dos governadores, fazem a prosperidade deste reino e deste Estado, e que expostas as ditas riquezas a se apoderarem delas os contrabandistas, extraviadores como acontece no sertão do Macacu, são a ruína de Portugal e do Brasil.
Deus guarde V.S. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda em 10 de janeiro de 1785 / Martinho de Melo e Castro[15]/ Senhor Luiz de Cunha Menezes[16].
[1]ESTADO DO BRASIL: uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semi burocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.
[2]SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.
[3]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.
[4]MANOEL HENRIQUES, POR ALCUNHA O MÃO DE LUVA: a região dos “sertões de Macacu”, nas cercanias do que atualmente compreende os municípios de Cantagalo e Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, foi interditada à ocupação humana durante o período de exploração das minas. Povoada pelos nativos, a região, entretanto passou a receber fluxos de indivíduos considerados marginais, que chegaram a estabelecer um povoado com mais de 200 homens brancos, sem contar escravos e libertos. A liderança desse povoado, cujos integrantes agiam como uma tropa (ou quadrilha) bem organizada e voltada para atividades ilícitas, em especial a faiscação e o comércio ilegais de ouro era o português Manoel Henriques, vulgarmente conhecido por Mão de Luva. O pequeno povoado possuía uma rede de relações com comerciantes locais, soldados, e até mesmo indígenas. A partir de 1779, o governo passou a tomar providências no sentido de coibir a ação da quadrilha, tentando isolar a região e impedir que víveres chegassem aos clandestinos. Durante a administração do governador Cunha Menezes, a situação chegou ao limite: acusado pelo vice-rei de agir em conluio com o Mão de Luva, o governador de Minas se defendeu dizendo que a sua estratégia era, por um lado, ocupar pontos estratégicos da região, de forma a inibir a atuação de grupos ilegais, e por outro, prender os contrabandistas no "sistema de engano" (infiltração de agentes do governo no bando). Em 1786, um ataque organizado pelo governador resultou no desbaratamento da quadrilha. Seu destino e maiores detalhes dessa história nunca foram esclarecidos, e o Mão de Luva tornou-se uma lenda no interior do estado do Rio de Janeiro.
[5]SERTÃO: categoria que povoa há muito a historiografia brasileira, desde os primeiros cronistas e viajantes dos séculos XVI ao XIX, até historiadores dos séculos XIX e XX, que o elegeram como objeto de estudo, entre eles Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. É um conceito chave na construção do imaginário regional, na relação de alteridade com o litoral – na qual um define ao outro – e na construção do conceito de nação. Há uma extensa discussão filológica acerca da origem da palavra sertão, e de qual termo latino ela deriva. De deserto ou de certão, em ambas acepções, a ideia que encerra é sempre do interior, local vazio, despovoado, selvagem, distante do litoral, região de fronteira, mas não necessariamente seca, como atualmente se usa para referir à região do semiárido nordestino. No Brasil, é preciso reforçar, não houve um só sertão, mas vários. Desde o início da colonização, o termo aparece no vocabulário daqueles que descreviam as novas terras desbravadas. Ora usado para o interior da capitania de São Vicente, ora para referir às minas gerais, ou para o centro-oeste, em Mato Grosso ou Goiás, era também o interior do Nordeste e as regiões quase inatingíveis da Amazônia. Durante o povoamento, o sertão estava sempre nas franjas das frentes que avançavam em direção ao oeste, se opondo ao litoral. Se a faixa litorânea, mais povoada, representava o ideal de “civilização” – as cidades, o local da administração colonial e do exercício do poder –, por oposição o sertão se definiria como a terra sem lei, inculta, das guerras contra o gentio selvagem, do vazio populacional. No entanto, para aqueles que não encontravam um lugar no mundo da ordem, o sertão também representou a terra promissora, das riquezas ainda inexploradas, da liberdade para escravos e condenados que para lá fugiam, da mestiçagem entre as “raças”, do encontro entre as culturas e línguas. Apesar de em princípio se situar fora da ordem colonial, o sertão estava sempre sendo conquistado, ocupado, em vias de se civilizar, e avançava: a expansão para dentro da colônia era constante e estava diretamente atrelada às atividades econômicas. A produção açucareira interiorizou os engenhos no Nordeste, a mineração promoveu a penetração desde as Minas Gerais até Goiás, os bandeirantes [bandeiras] também foram responsáveis pelo avanço mais ao Sul, desbravando terras e capturando índios, e a pecuária foi um instrumento importante na conquista dos territórios do interior, o gado e as tropas avançando junto com o povoamento. Nas províncias do Norte, a coleta das drogas “do sertão” foi fundamental para a abertura de novos caminhos e a ocupação de regiões distantes e de difícil acesso na mata. Para além de meramente espacial, o sertão é uma categoria cultural que influi até hoje na construção das identidades regionais Brasil afora, na música, na literatura e nas demais manifestações artísticas, seja no interior como no litoral.
[6]MINAS GERAIS, CAPITANIA DE: nascida a partir do desmembramento da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, ocorrido em 1720, Minas Gerais foi o foco da exploração de ouro e pedras preciosas – inclusive diamantes – ao longo do século XVIII. O início da exploração do ouro em fins do século XVII faria com que a metrópole implementasse reformas administrativas e legislativas com o intuito de estabelecer um maior controle sobre o território e sobre a exploração das suas riquezas, processo acentuado com a descoberta de diamantes na década de 1720. Em 1709, a crise causada pelo confronto entre os primeiros exploradores da região das minas e os “aventureiros” que chegaram posteriormente resultou no conflito conhecido por Guerra dos Emboabas e foi uma das causas para a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1720, a revolta de Felipe dos Santos (ou de Vila Rica), que questionava a forma de tributação sobre o ouro e a intensificação do controle da coroa sobre as atividades locais sob a forma da criação das casas de fundição oficiais contribuiu para novo desmembramento, e a criação da capitania de Minas Gerais. O levante de 1720 não seria o último a opor a coroa aos colonos em torno da exploração e taxação das riquezas da região; em 1789 – no período de decadência da exploração colonial do ouro, diametralmente oposto ao do movimento de Felipe dos Santos – ocorreu a Conjuração Mineira, já sob a influência das ideias liberais e da revolução americana. Tornada polo dinamizador da economia colonial, a capitania das Minas (agora, Gerais, e não apenas do ouro) desenvolve, na sua rede de povoados, vilas e cidades uma sociedade mais urbana e dinâmica do que a que caracterizava a economia agrícola, cuja exclusividade marcou os primeiros dois séculos da colonização. À medida que ouro e diamantes jorravam, as cidades se desenvolviam e sofisticavam, a sociedade se diversificava, assim como as atividades econômicas, a despeito da repressão da metrópole que não via com bons olhos a produção local de bens necessários ao dia a dia dos colonos e à própria atividade mineradora. Neste painel variado, a massa de escravos e o pequeno grupo de senhores – molas mestras da produção de riquezas – dividiam espaço com artistas, intelectuais, comerciantes de víveres, e um sem número de “sem destinos”, indivíduos que vagavam à margem da sociedade e da riqueza da qual se apossavam poucos privilegiados. De forma não muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, em regiões em que uma fonte potencial de riqueza é subitamente descoberta e explorada, os lucros e benefícios da nova atividade tendem a se concentrar de forma intensa, deixando à margem uma quase horda de excluídos, muitos deles vivendo a vã esperança de partilhar as sobras possíveis. Não é à toa que a paisagem arquitetônica desenvolvida ao longo do século XVIII impressiona até os dias de hoje, e lançou para a história nomes como Manuel Francisco Lisboa, que planejou a igreja do Carmo, em Ouro Preto (antiga Vila Rica). Artistas locais, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, desenvolveram uma versão nativa de barroco/ rococó e beneficiavam-se do grande afluxo de riquezas. Patrocinadas pelas irmandades e ordens terceiras – organizações religiosas de indivíduos sem vínculo com a Igreja, mas que se dedicam a um culto específico –, que tiveram um papel crucial na vida social da região das minas, as opulentas igrejas se multiplicaram, exibindo o esplendor de uma era que chegaria ao fim com o século XVIII. Após a década de 1760 percebe-se que a comarca do Rio das Mortes passou a apresentar um crescimento demográfico substancial, em oposição à comarca de Vila Rica, que começava a perder população. Isso se deveu ao declínio da produção de ouro – estreitamente relacionada à Vila Rica – e a diversificação e florescimento da agricultura, da pecuária e até mesmo, em certa medida, da nascente produção manufatureira em Rio das Mortes. Esta transformação marca o início da queda da produção de ouro na região e indica a diversificação de atividades para além da mineração.
[7]ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar. A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.
[8]COMBOIEIRO: muito dos víveres e produtos necessários ao trabalho e às atividades produtivas no interior da colônia vinha da Europa e alcançava as regiões no interior depois de longas e penosas viagens. Estes comboios, de homens livres, escravos e animais de carga, atravessavam a serra e a mata fechada dias a fio, levando víveres, trazendo riquezas para o litoral a fim de serem levadas para a metrópole. O comboieiro era um homem de posses que montava tais caravanas.
[9]LAVRAS: terrenos em que se realiza a extração de minerais ou de pedras preciosas, as lavras eram concedidas a poucos privilegiados, que conseguiam provar sua capacidade de financiar a exploração das minas e que pagavam pelo direito de explorá-las. Há várias formas de extração de minerais de seus veios originais e, no Brasil colônia, consistia basicamente na utilização de bateias para separar os cascalhos do ouro e diamantes. O método exigia concentração acentuada de quem faz o garimpo, pois pedras menores poderiam, facilmente, passar despercebidas. O uso das bateias de madeira foi uma inovação atribuída aos escravos; antes disso eram usados pratos de estanho, de manuseio mais difícil. O uso das “canoas”, onde se estende um couro de boi ou uma flanela para reter o ouro apurado com a bateia, também é atribuído aos escravos. A princípio, o cascalho é levado a um local onde não possa ser carregado pela água, processo inicialmente feito com auxílio da bateia em crivos. Mas, por se perderem muitas pedras nesses crivos, passaram a utilizar mesas contendo bicas, onde se lançavam os cascalhos. Grades de ferro foram inseridas, após algum tempo, nesse processo, para conter pedras e areias grossas. O que passava por essas grades ficava em tabuleiros de madeira que serviam de canais para tanques e, em seguida, eram apurados nas canoas. Quando o cascalho era pobre, passava-se antes no bolinete (tabuleiro grande com vinte e cinco palmos de comprimento). Aos cativos que encontrassem boa quantidade dessas riquezas abria-se a possibilidade de ascensão e alforria.
[10]REGIMENTO DE CAVALARIA: um regimento é uma unidade militar composta por várias subunidades pertencentes à mesma arma. A palavra teve origem no exército francês no século XVI e acabou se disseminando por toda a Europa. Cada regimento era comandado por um coronel e incluía diversas companhias comandadas por capitães. A infantaria é a arma mais antiga das forças armadas, seguida da cavalaria. Inicialmente, esse regimento, destinava-se ao combate montado, além de missões de reconhecimento. Sua velocidade e mobilidade eram suas características e vantagens principais, e tais atributos determinaram a importância desta força durante a Antiguidade e Idade Média. Na Europa, durante o período medieval, a cavalaria era marcada também pela utilização de pesadas armaduras e armas de porte. A partir do século XVII o peso da unidade de cavalaria começou a diminuir, e no século XVIII poucas utilizavam armaduras tradicionais. Inicialmente a cavalaria era composta apenas por homens da nobreza que combatiam montados. Com o tempo surgiram tropas de soldados que faziam uso de cavalos para seu deslocamento, mas que combatiam no solo (inicialmente vinculados à infantaria), os chamados “dragões”, cujos soldados não partilhavam do mesmo estatuto da cavalaria tradicional, e passaram a ser considerados parte do regimento de cavalaria.
[11]CORPOS DE AUXILIARES: as Milícias ou Corpos de Auxiliares, criados em Portugal em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Funcionavam como forças de apoio as tropas pagas, e em geral eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário.
[12]VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).
[13]CARTA RÉGIA DE 8 DE FEVEREIRO DE 1730: estabelecia algumas medidas relativas a exploração de ouro e também dos recém-descobertos diamantes na região de Minas Gerais. Esta carta representou a primeira comunicação oficial de reconhecimento da existência e tentativa de regulamentação da extração dos diamantes da América portuguesa. Ficou estabelecido que a permissão para exploração das pedras seria concedida mediante pagamento por captação, ou seja, proporcional ao número de escravos empregados nessa mineração. Com relação à exploração do ouro, determina-se a construção de Casas de Fundição em comarcas além de Vila Rica, pois, para os mineradores de regiões mais distantes, a atividade acabava encarecida pelos custos de transporte.
[14]ALVARÁ DE 3 DE DEZEMBRO DE 1750: determina nova alteração no sistema tributário relativo à exploração de ouro na colônia portuguesa na América, com o retorno ao sistema de casas de fundição em detrimento do sistema de capitação. Orientava a respeito da cobrança do quinto e de como e em que situações deveria ser realizada a derrama.
[15]CASTRO, MARTINHO DE MELO E (1716-1795): nascido em Lisboa, foi secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1770 até sua morte. Estudou latinidade, filosofia e teologia na Universidade de Évora, além de direito canônico, em Coimbra, onde se formou bacharel em 1744. Diplomata, iniciou seus trabalhos em 1751, como embaixador em Haia, Holanda, e atuou de forma decisiva na solução de questões conflituosas entre Portugal e Inglaterra, decorrentes da Guerra dos Sete Anos, o que levou à sua nomeação para a Secretaria de Estado. Durante sua gestão como secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, desempenhou papel central no planejamento e execução das viagens e expedições filosóficas às colônias portuguesas. Melo e Castro foi o principal agente da Coroa envolvido no planejamento das viagens e na interlocução com os naturalistas e administradores locais, com vistas à solução de problemas no decurso das expedições. O secretário foi, ainda, diretor do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda e destinatário das remessas de produtos naturais provenientes das viagens, encaminhados aos museus de História Natural em Lisboa e Coimbra para sistematização, análise e classificação. Demonstrou habilidade na administração pública, muito embora seus escritos apontem que não foi um grande político ou teórico, não reconhecendo o início da crise do sistema colonial durante sua governação. Foi sob sua gestão que ocorreu a Conjuração Mineira (1789), tendo partido de Melo e Castro a ordem para que o governador da capitania de Minas Gerais, Luis Antonio Furtado de Castro, visconde de Barbacena, promovesse a devassa dos envolvidos.
[16]MENESES, LUÍS DA CUNHA (1743-1819): conde de Lumiares. Proveniente de uma importante família portuguesa, era filho de José Félix da Cunha Meneses e Constança Xavier de Meneses, e neto de Luís de Meneses (Marquês de Louriçal e Conde de Ericeira) e Ana Xavier de Rohan. No ano de 1777 foi nomeado governador da capitania de Goiás, cargo que ocupou entre 1778 e 1783, e no qual promoveu a exploração de metais, a “pacificação” de tribos indígenas e a criação de corpos militares para defesa das fronteiras. Como governador de Minas Gerais no período que precedeu a Conjuração Mineira, Luís da Cunha Meneses chegou à região em 1783. Trazia consigo uma fama de venal e de favorecer seus amigos portugueses: exonerou grande número de funcionários para entregar os cargos aos amigos, enquanto multiplicavam-se as extorsões a pretexto de cobrar taxas e impostos. Durante o período em que exerceu o cargo, até 1788, foi acusado de utilizar a estrutura administrativa da Coroa para praticar extorsão e de conceder graças e contratos a amigos seus, mesmo tendo que burlar a legislação vigente para tal. Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa tornaram-no para sempre infame em suas Cartas Chilenas, obra a eles atribuída, em que a personagem central, o Fanfarrão Minésio, claramente se baseia no governador. Cunha Meneses substituiu Rodrigo José de Meneses Castro, e viria a ser sucedido por Luís Antônio Furtado de Castro de Rio de Mendonça e Faro, visconde de Barbacena.
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