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O Juramento dos Numes

Publicado: Sexta, 03 de Fevereiro de 2017, 16h03 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 20h03

Revisão feita por Luiz Melo do folheto que continha uma resposta de D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho à censura pública feita pelo redator do jornal O Patriota à sua peça intitulada “O Juramento do Numes”. A revisão – realizada a pedido do Marques de Aguiar - critica tanto o redator quanto o autor do drama que estariam excedendo-se em ofensas pessoais, das quais o público não estaria tirando nenhum proveito. Ao contrário do redator, Luiz Melo recomenda a impressão do manuscrito da peça pois não encontrou neste nenhuma expressão que “ofendesse a religião, o Estado ou os bons costumes” e também porque o autor riscou duas passagens que poderiam ofender o decoro público. 



Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, Pct. 3
Datas – limite: 1808-1830
Título do fundo: Ministério da Justiça
Código do fundo: 4V
Argumento de pesquisa: Patrimônio, teatros
Data do documento: 23 de agosto de 1814
Local: Rio de Janeiro
Folhas: - 

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo príncipe  O folheto justo, que revi, e examinei por ordem de Sua Alteza Real participada em aviso de 3 do corrente mês contém uma resposta a censura que fez o redator do Patriota ao drama intitulado = O Juramento dos Numes[1] = composto Por Dom Gastão Fausto da Câmara[2] , que pretende agora desafrontar-se com vantagens dos erros e defeitos, que o referido redator achou naquele poema, e publicou no seu jornal. Estes dois êmulos e rivais em vez de se conterem nos limites de uma disputa literária, de que tiraria proveito o público, e eles glória, transcenderam-nos e misturaram sarcasmos, e ditos picantes com observações e raciocínios eruditos, e fartos de poesia, e critica. Assim acontece as mais das vezes neste gênero de discussões literárias, e não é muito, que se verificasse entre estes dois contendores, quando entre sábios de quando engenho e saber tem havido diatribas  amargas e pesadas sendo até a este respeito célebre o grande Voltaire[3], que tanto se demasiou com o filósofo de Genebra, com Malpertuis[4] , e outros. O Ponto está porém em averiguar-se se merece o manuscrito a permissão de imprimir-se. Não encontrando neste expressão, que ofenda e religião, o Estado, ou os bons costumes persuado-me, que se lhe pode conceder a licença pedida, pois que tendo o seu autor riscado duas passagens, que me pareceram mais ásperas contra o seu contendor, que mais, que podem ter ressaibos de personalidade não ofendem o decoro público, e correm parelhas com as de que rechaçou a sua censura o redator do Patriota[5] , que foi quem tirou a terreiro o seu competidor, que tentam a desafrontar-se não ficou atrás com o seu estilo, e tom desenjoado, e em que meu bem misturou erudição com sal amargo. E suposto não se possam pesar ouro e fio as expressões de um e outro, ilegível, que se não ficam devendo nada, e o público só tira desta disputa o ver tratadas com mais trabalho algumas questões de gramática, poesia e linguagem. A vista do exposto é o meu Parecer, que pode imprimir-se o folheto, cujo autor não tem menor direito, que o do Patriota para por em público e raso os que chama erros do seu contendor. -Vossa Excelência o decidira com mais Judicioso e acertado parecer. Ilegível a Vossa Excelência. Rio 23 de agosto de 1814

Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquez de Aguiar Luiz José de Carvalho e Melo

 

[1] JURAMENTO DOS NUMES, O: na noite de inauguração do Real Teatro de São João, no dia 12 de outubro de 1813, foi apresentado o espetáculo lírico intitulado “O Juramento dos Numes,” de autoria do escritor e dramaturgo português d. Gastão Fausto da Câmara Coutinho, com música de Bernardo José de Souza e Queiroz, mestre e compositor oficial do mesmo teatro. A apresentação da peça foi precedida por uma intensa polêmica entre o redator do jornal “O Patriota”, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, e o autor da peça, que trocaram acusações e ofensas pessoais através da imprensa. Araújo Guimarães havia feito uma censura pública ao texto de d. Gastão na edição de outubro de O Patriota, que respondeu com uma publicação intitulada “Resposta defensiva e analítica à censura que o redator do Patriota fez ao drama intitulado O Juramento dos Numes”. Na edição de janeiro-fevereiro de 1814 de O Patriota, Araújo publicou sua tréplica intitulada “Exame da resposta defensiva e analítica à censura que o redator do Patriota fez ao drama intitulado O Juramento dos Numes”. Câmara Coutinho, por sua vez, responde mais uma vez com o texto “Recenseamento ao pseudo-exame que o redator do Patriota fez à resposta defensiva e analítica do autor do Juramento dos Numes”. Segundo Paulo M. Kuhl, em seu artigo “L.V. De-Simoni e uma pequena poética da ópera em português” (Rotunda, Campinas, n.3, outubro 2004, p. 36-48), a última informação a respeito da discussão foi uma resposta indireta do redator de O Patriota com uma citação de Alexander Pope, poeta e escritor inglês do século XVII, na edição de setembro-outubro de 1814 do mesmo jornal: “There is a woman’s war declar’d against me by a certain Lord: his weapons are the same, which women and children use, a pin to scratch, and a squirt to bespatter, &c.”

[2] COUTINHO, GASTÃO FAUSTO DA CÂMARA (1772-1852): escritor e dramaturgo português entrou para a Armada Real em 1792, onde se tornou capitão de fragata. Também exerceu o cargo de bibliotecário da Marinha. Era membro do Conservatório Real de Lisboa e acompanhou a vinda da Família Real ao Rio de Janeiro, onde produziu a peça O Juramento dos Numes, apresentada na noite de abertura do Real Teatro de São João, no dia 12 de outubro de 1813. De volta a Portugal, aderiu à Revolução de 1820, também conhecida como Revolução do Porto, da qual foi um dos poetas oficiais. Recebeu a comenda de Cavaleiro da Ordem de Cristo.

[3] VOLTAIRE (1694-1778): François-Marie Arouet, conhecido como Voltaire, foi filósofo, dramaturgo, poeta e historiógrafo francês, mas sobretudo um polemista satírico contra o Antigo Regime. Nascido em uma família de pequena nobreza, foi figura importante do Iluminismo francês e grande defensor das liberdades civis, inclusive religiosa e econômica, tornou-se membro da Société du Temple – associação de livres pensadores – sendo detido na Bastilha em 1717, devido a sua atividade panfletária contra o regente francês, Filipe II, duque de Orléans. Libertado, continuou em suas obras provocadoras, que lhe renderam uma segunda prisão, por discussões e ofensas ao príncipe de Rohan-Chabot, e a exigência de se exilar na Inglaterra. Lá, toma conhecimento das teorias de Isaac Newton e a filosofia de John Locke, que o influenciariam consideravelmente. Sua principal obra, Cartas filosóficas (1734) – um estudo comparativo entre a Inglaterra liberal e a França absolutista – denotava seu apreço pelo sistema político britânico. Ao retornar à Paris, tornou-se membro da Academia Francesa em 1746 e tornou-se um divulgador da obra de Newton, especialmente de seu trabalho sobre a ótica, escrevendo o livro “Elementos da filosofia de Newton”. Sua visão newtoniana da ciência lhe rendeu uma discussão com Pierre L. M. de Maupertuis, na época presidente da Academia de Berlim. Voltaire dirigiu a Maupertuis vários panfletos satíricos, como o Diatribe do dr. Akakia em 1752, criticando as interpretações teológicas que Maupertuis deu a alguns princípios científicos. Tal desavença indispôs Voltaire com o rei Frederico II da Prússia, levando o filósofo a transferir-se para Suíça, onde terminou suas maiores obras históricas: Um Ensaio sobre os costumes e o Espírito das Nações e A Era de Luís 14, publicações de grande impacto para a história e mesmo para uma visão de algum modo antropológica, que tratam da história europeia, desde Carlos Magno, passando pela colonização da América e de territórios no Oriente. Escritor prolífico, produziu romances, ensaios, poemas, peças de teatro, sátiras, muitas cartas e panfletos, nos quais fazia duras críticas aos reis absolutistas, à alta nobreza e ao clero. Foi um dos principais influenciadores iluministas da Revolução Francesa.

[4]  MAUPERTUIS, PIERRE LOUIS MOREAU DE (1698–1759): matemático e astrônomo francês, membro da Academia de Ciências Francesa (1723) e da Royal Society de Londres (1728). Foi convidado para ser presidente da Real Academia de Ciências da Prússia pelo rei Frederico, O Grande, em 1740, cargo que ocupou entre 1745 e 1753. Persuadido pelo rei, de quem se tornou grande amigo, participou da batalha de Mollwitz em 1741, na Guerra de Sucessão Austríaca (1740-1748). Com a derrota, foi feito prisioneiro pelos austríacos, mas libertado em pouco tempo e voltou a Paris. Responsável por introduzir na França a teoria gravitacional de Newton, escreveu numerosos trabalhos sobre astronomia, filosofia, matemática, física, geografia, cosmologia, biologia, história natural e até música. Envolveu-se em uma grande polêmica acerca de sua teoria do Princípio da Ação Mínima, que foi atribuída ao filósofo e matemático Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716). Foi criticado duramente por Voltaire por ter se apropriado do princípio, tanto que esse criou o personagem Dr. Akakia, satirizando e ridicularizando as relações de Maupertuis com o Rei no panfleto intitulado Histoire du Docteur Akakia et du Natif de St Malo. Frederico II ordenou que queimassem todos os exemplares dos panfletos que o filósofo francês escreveu em praça pública, o que aconteceu em 1752. Durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que envolveu a França e a Prússia em lados opostos, Maupertuis enfrentou desconfianças de ambos os lados; retirou-se para a Suíça, onde faleceu.

[5] O PATRIOTA: Jornal Literário, Político e Mercantil, que circulou de fevereiro de 1813 a dezembro de 1814. O redator era Manuel Ferreira Araújo Guimarães (1777-1838) e entre seus colaboradores estavam Domingos Borges de Barros (1780-1855), barão e visconde de Pedra Branca; Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1846), general do exército português, sócio e secretário da Academia Real das Ciências de Lisboa; Mariano Pereira da Fonseca (1773-1846), Marquês de Maricá e autor das famosas Máximas, Pensamentos e Reflexões e José Bonifácio de Andrada e Silva (1765-1838), o “Patriarca da Independência”. Foi o primeiro jornal brasileiro a publicar, ao mesmo tempo, artigos literários, científicos, políticos e mercantis, tendo um papel precursor na difusão das luzes no império luso-brasileiro. Entre as principais reportagens do jornal estão a primeira publicação de Memória Histórica e Geográfica da Descoberta das Minas, extraída de manuscritos de Cláudio Manuel da Costa; o inquérito promovido pelo Senado da Câmara, junto aos médicos do Rio de Janeiro, sobre as moléstias endêmicas e epidêmicas da cidade, e uma memória escrita por Ricardo Franco sobre a necessidade de uma povoação na cachoeira do Rio Madeira.

 

Sugestões de uso

Eixo temático:
História das relações sociais da cultura e do trabalho
História das representações e relações de poder
 
Temas:
Práticas e costumes coloniais
Costumes no Brasil de d. João VI
O Rio de Janeiro colonial
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