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Restauração do Algarve

Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h43 | Última atualização em Segunda, 23 de Agosto de 2021, 20h21

Correspondência do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, d. Rodrigo de Souza Coutinho, conde de Linhares, ao marquês de Aguiar, d. Fernando José de Portugal e Castro, ministro dos Negócios do Reino, encaminhando as notícias e os requerimentos pelos habitantes de Olhão, no Algarve, na ocasião da Restauração. O príncipe, desejoso de distinguir a vila por ter sido a primeira a aderir ao movimento militar que expulsou os franceses do Algarve, mandou criar instituições da administração portuguesa, como alfândegas, e uma medalha especial para os habitantes.

 

Conjunto documental: Avisos e ofícios. Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra
Notação: caixa 367, pct. 01
Datas-limite: 1808-1812
Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo: 7X
Data do documento: 10 de outubro de 1808
Local: Palácio do Rio de Janeiro
Folha(s): -

Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor,

 

Passo as mãos de Vossa Excelência os diferentes requerimentos dos algarvios que vieram no caíque com a notícia da Restauração do Algarve[1] e que pretendem vários ofícios sobre cuja concessão Vossa Excelência receberá as Reais Ordens devendo eu somente prevenir a Vossa Excelência de que Sua Alteza Real[2] querendo dar uma perpétua distinção a Terra de Olhão[3] como a primeira que deu o sinal de restauração tem determinado erigi-la em vila com o título de Olhão da Restauração, criando ali Alfândega e mais Administrações com que se tornam célebres as vilas do Reino, permitindo que os seus habitantes usem de uma Medalha na qual esteja gravado um O dentro do qual haja esta legenda = Viva a restauração e o Príncipe Regente Nosso Senhor =

Deus Guarde a Vossa Excelência, Palácio do Rio de Janeiro[4] em 10 de outubro de 1808.

Rodrigo de Souza Coutinho[5]

Sr. D. Fernando José de Portugal[6]

 

[1] ALGARVE: província situada ao sul de Portugal. Com o fim do Império Romano, foi invadida por diversos povos bárbaros, como vândalos e suevos, mas primordialmente pelos visigodos. Estes disputaram a região com o Império Bizantino ao longo do século VI, mas foi a partir do VIII que a região esteve sob domínio mouro até 1249, quando foram expulsos por d. Afonso III (1210-1279), dando início ao processo de formação do Estado português. O Tratado de Badajoz, de 1267, estabeleceu definitivamente o pertencimento do Algarve a Portugal, apesar das pretensões do reino de Castela. Entre os séculos XV e XVI, constituiu uma das seis comarcas que dividiam Portugal, até que, após o censo efetuado entre 1527 e 1532, se desse início à criação de novas comarcas por meio da subdivisão das antigas, denominadas a partir de então províncias ou regiões. O Algarve faz parte da história dos Descobrimentos, tendo do porto de Lagos partido as primeiras expedições portuguesas em direção ao Marrocos e à costa oeste africana. Outro elo com a história da expansão marítima europeia estaria no papel desempenhado pela região de Sagres, embora a historiografia contemporânea tenha desfeito o mito da Escola de Sagres, uma aula de navegação criada pelo infante d. Henrique (1394-1460). No final do século XVI, durante a União Ibérica, a região foi atacada por corsários e piratas ingleses, que chegaram a saquear e afundar naus da Carreira da Índia portuguesa. Também nesta época surgiram as ameaças de uma invasão britânica, em decorrência do ataque e da tomada de Cádiz, que obrigaram o Reino a proteger suas fronteiras marítimas, fazendo surgir na região do Algarve fortes e outras construções voltadas para defesa dos portos e cidades, destacando-se Vila Nova de Portimão, Lagos e Tavira. Apesar de referido como Reino Unido a Portugal, essa divisão oficialmente nunca chegou a existir. Provavelmente resultou do fato de a província ter tido uma identidade própria, diferente do restante de Portugal, desde a época da Reconquista devido à variedade de povos que habitaram a região em diferentes momentos.

[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[3] TERRA DE OLHÃO: cidade portuguesa no distrito do Faro, situada na região do Algarve, sul de Portugal. Essa vila, cuja principal atividade econômica era a pesca, teve um papel importante nas guerras contra os franceses [invasão francesa]. Em 1808, os moradores de Olhão, notadamente os pescadores, fizeram um levante contra medidas abusivas implementadas pelo governo francês, liderado por Junot, como a criação de tributos e penas mais severas a quem desrespeitasse as novas regras, sobretudo para a produção pesqueira e seu comércio. Embora a recomendação do governo de Lisboa fosse para não resistir aos franceses, focos de levantes no sul da Espanha e em outras regiões portuguesas, incitaram os "olhanenses" a uma rebelião em junho de 1808. Apesar da rápida reação francesa contra a insurreição, o estímulo à revolta já havia se espalhado pelo Faro e todo o Algarve. A revolta de Olhão teve uma dupla vitória ao conseguir a expulsão dos franceses não apenas da cidade, mas também de todo o reino do Algarve. Após a conquista, sob o comando do mestre Manuel Martins Garrocho e do piloto Manuel de Oliveira Nobre, uma tripulação com dezessete homens embarcou no caíque Bom Sucesso e, seguiu em direção ao Rio de Janeiro, com o objetivo de dar a notícia a d. João. O príncipe regente, tomando conhecimento do episódio, que deu início à restauração do Algarve ao reino de Portugal, e talvez visando ao incentivo a outras rebeliões, autorizou a elevação da então freguesia de Olhão a Vila de Olhão da Restauração.

[4] PALÁCIO DO RIO DE JANEIRO: referência ao edifício público Paço Imperial, situado na atual Praça XV de Novembro no centro do Rio de Janeiro. Construído a partir do projeto do engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim, por determinação do governador da capitania, Gomes Freire Andrade, e inaugurado em 1743, a Casa dos Governadores inspirou-se na arquitetura do Paço da Ribeira, residência real em Lisboa, em acordo com seu sentido original de palácio, casa nobre, onde vive o soberano. As construções que começaram a ocupar as adjacências, tal como um chafariz e o convento das Carmelitas, delimitaram um largo ou praça – o Terreiro do Paço – uma das áreas mais valorizadas da cidade. Em 1763, quando a cidade se torna sede do poder colonial, a casa ganha o título de Palácio dos Vice-Reis e, em 1789, é construído outro chafariz junto ao novo cais, atribuído ao escultor, entalhador e arquiteto Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim. Com a mudança da corte para o Rio de Janeiro, converteu-se em Paço Real, abrigando a família real e o governo. No entanto, em pouco tempo, o paço mostrou-se inadequado, dada a extensão da máquina administrativa e o número de membros da comitiva real. A aquisição da quinta de São Cristóvão [Quinta da Boa Vista] como local de moradia permanente da família real fez do Paço Imperial, assim denominado a partir de 1822, a sede do governo e das cerimônias oficiais, das festas da família real e outros rituais.

[5] COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[6] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

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