Correspondência de Aires de Saldanha de Albuquerque, governador da capitania do Rio de Janeiro, ao vice-rei do Brasil, Vasco Fernades de Menezes, tratando dentre outros assuntos, das contendas entre os terceiros e os religiosos do convento de Santo Antônio.
Conjunto documental: Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades
Notação: códice 84, vol. 01
Datas-limite: 1718 - 1724
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Ordens terceiras
Data do documento: 27 de setembro de 1723
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 72v a 74
"Pelo Bargantim[1] do contrato do ferro recebi a carta de Vossa Excelência[2] de vinte de agosto, pela qual me avisa haver Vossa Excelência recebido as minhas cartas de dois do corrente.
(...)
Não há dúvida que recusei dar ajuda, e favor ao Ouvidor geral[3] para meter de posse aos terceiros[4] expulsos do convento de Santo Antônio[5], e para isto tive o fundamento primeiramente de ver que o dito Ouvidor, inclinado à parcialidade contrária, obrava nesta matéria mais com paixão que com razão, para o que darei conta a Vossa Excelência da origem destas bulhas entre terceiros e frades[6].
Por umas penitências, que um comissário dos terceiros[7] quis dar a uns deles, os quais as não quiseram admitir, se excitou bulha entre os frades e terceiros, do que resultou expulsarem os frades a todos os terceiros da capela, e do Convento, ao que se seguiu uma demanda entre uns e outros, esse interim que se litigava se dividiram entre si os terceiros, e formaram duas mesas[8] cuja divisão foi a decidir ao seu Geral e a Roma, estando nestes termos, chegou a sentença dessa Relação para que se intrometessem os terceiros na sua capela, na qual se achava uma das mesas, e a outra se acha em um hospício, que tem eregido nesta cidade: qual das duas é a verdadeira, é certo que não se sabe: o que suposto, parece que não devia o ouvidor geral encostar-se a uma das partes para insultar a outra, e sim dar conta da separação que havia das mesas e depois disto obrar o que a Relação[9] lhe ordenasse: além disso os Frades estão tão obstinados que me persuado, que morreriam na empresa primeiro do que deixar à entrar a capela, que é contígua com o Convento para o que tinham juntas muitas pedras nas partes que pareciam necessárias, e cuido que armas, que escondem em parte, em que não será fácil dar-se lhe com elas, porque estavam acautelados já com alguma notícia, que tiveram de que eu lhe queria mandar dar busca no Convento, e sobre tudo isto creio firmemente que haveria neste povo uma batalha, e segundo a obstinação, e o ódio que estão uns terceiros contra os outros, envolvendo em si a Ordem mais de mil e quinhentos terceiros: e como esta ação não envolvia em si utilidade nenhuma do povo, e poderiam seguir-se as consequências, que ficam ditas, tinha eu ajustado com o Ouvidor Geral; em que não se bolisse em matéria pertencente a frades, e a terceiros sem nova ordem de Sua Magestade[10], que Deus guarde, a quem eu sobre este particular dei conta, dizedo-lhe que suspendia ainda a execução da sua real ordem até que o dito senhor resolvesse a dúvida, que se me oferecia, sendo a mesma real ordem contra uma parcialidade de frades unidos aos que pretendiam a diligência do ouvidor, isto suposto se Vossa Excelência entende que devo dar ajuda ao Ouvidor, mande-mo por ordem sua, que logo o executarei.
(...)
Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1723
Ayres de Saldanha de Albuquerque[11]
[1]BERGANTIM: os bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.
[2]MENESES, VASCO FERNANDO CÉSAR DE (1673-1741): agraciado com o título de conde de Sabugosa após ter ocupado o cargo de vice-rei do Brasil entre 1721 e 1735, era militar de carreira, filho de Luís César de Menezes e sobrinho de d. João de Lencastre, que também haviam governado o Brasil. À frente do governo da Índia (1712-1717) assegurou o domínio português do território e reorganizou a Junta Comercial com os mercadores de Diu. A segunda experiência, como governador ultramarino da coroa lusa seria no Brasil. Nomeado 4º vice-rei da colônia portuguesa em novembro de 1720, desembarcou na Bahia em 19 de março do ano seguinte. Logo nos primeiros anos de seu governo promoveu a produção da farinha de mandioca, a criação de gado e combateu os atravessadores de víveres como forma de debelar uma crise de abastecimento que acometia diversas regiões do Brasil. A sua administração facilitou a ligação por terra entre o sul e o centro-oeste, melhorando, principalmente, o tráfego de muares, e entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Fundou uma das primeiras academias literárias do século XVIII, Academia Brasílica dos Esquecidos, em 1724, na cidade de Salvador. A instituição reunia letrados da Bahia e promovia reuniões quinzenais no Palácio do governador-geral onde se discutia ciências, geografia e história do Brasil. Entre as publicações promovidas pela Academia consta a História da América Portuguesa, de Sebastião da Rocha Pita.
[3]OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.
[4]TERCEIROS: termo que designa os membros de uma ordem terceira – associações religiosas formadas por leigos, identificados a uma ordem religiosa tradicional. Funcionavam como representantes no mundo secular das ordens primeiras. O estabelecimento das ordens terceiras no Brasil foi favorecido no período conhecido como União Ibérica, quando as coroas portuguesa e espanhola estiveram unidas (1580-1640). A Espanha era adepta das ordens mendicantes como instrumento de conquista espiritual das suas colônias na América, o que permitiu que, durante a União Ibérica, o monopólio da atuação dos jesuítas no Brasil fosse dividido com outros grupos religiosos. A chegada das ordens terceiras na colônia esteve, na maioria das vezes, associada ao estabelecimento anterior das congregações mendicantes às quais estavam vinculadas. Assim, em geral, os terceiros se instalavam no mesmo terreno onde já se encontravam os conventos dos religiosos. Entretanto, tal lógica se inverte nas regiões de colonização mais recente, onde muitas vezes a presença dos religiosos não era permitida, como foi o caso de Minas Gerais. Tais associações sustentavam-se a partir de doações de seus membros, que não raro legavam propriedades às ordens. Para que uma ordem terceira fosse reconhecida oficialmente, e assim passasse a funcionar, seu compromisso deveria ser aprovado por três instâncias, em primeiro lugar, o bispo diocesano; em seguida pelo rei e por último, pelo papa. A dificuldade em obter a aprovação era grande, o que reduzia o número de ordens atuantes na colônia. Aqueles que desejassem ingressar nessas associações religiosas deviam passar por um processo seletivo baseado em critérios de pureza de sangue. Em princípio, era vetado o ingresso a pessoas de ascendência negra, judaica, escravos, forros, mulatos. No entanto, nem sempre tais regras eram seguidas à risca. Após aprovado, o novo membro deveria passar pelo período denominado de noviciado, no qual ele aprenderia as normas de conduta da ordem e seria instruído na educação religiosa. As regras deviam ser seguidas por todas as filiais, o que as diferenciavam de outras associações como as irmandades e as confrarias. Já os estatutos eram formulados pela filial, o que tornava possível as diferenciações dentro da mesma ordem. O sucesso das ordens terceiras durante o período colonial podem ser associado ao fato de estabelecerem um elo entre os dois lados do Atlântico, já que possibilitavam a circulação entre membros de diferentes filiais. Assim, tais associações religiosas serviam de referência aos portugueses recém-chegados da Europa, os quais as procuravam como forma de inserção social no Novo Mundo.
[5]CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO: os primeiros franciscanos chegaram ao Rio de Janeiro em 1592. Os freis Antônio dos Mártires e Antônio das Chagas vinham do Espírito Santo e ocuparam a ermida de Santa Luzia, ao pé do morro do Castelo. Mais de uma década depois, um novo grupo de franciscanos chega à cidade e transfere-se para novo terreno localizado no então Monte do Carmo, onde havia uma pequena capela dedicada a Santo Antônio. Entre o grupo estava Frei Vicente do Salvador, autor da primeira História do Brasil. O convento de Santo Antônio, que veio a rebatizar o morro, teve sua construção iniciada em 1608, mas os frades começaram a residir no prédio apenas em fevereiro de 1615. Na época de sua fundação, o convento localizava-se em uma região distante do núcleo de ocupação da cidade, facilitando a catequese dos índios dos atuais bairros de Santa Teresa, Catumbi e Rio Comprido. O mesmo documento que garantiu aos religiosos a posse das terras lhes concedeu o monopólio de culto público e de formação de confrarias em torno dos principais santos da Ordem: São Francisco e Santo Antônio. Passado um século, o edifício de apenas um piso, tornou-se pequeno e insuficiente para o número de religiosos, e em 1748 iniciou-se a construção do atual convento, finalizado apenas em 1780. Em torno do claustro havia sete capelas internas, lá se encomendavam os corpos dos frades mortos que eram enterrados no corredor. Desde 1650, funcionavam no convento cursos de filosofia e teologia para formação intelectual dos religiosos. Em junho de 1776, os cursos superiores ministrados na instituição ganham o status de “universitários”. Além dos frades, leigos e alunos do seminário São José dividiam-se nas aulas de retórica, grego, hebraico, filosofia, história eclesiástica, teologia dogmática, moral e exegética. As aulas eram realizadas na Sala do Capítulo, no primeiro andar. Alguns frades que viveram no convento tiveram destaque em diversas áreas do conhecimento: na história, frei Vicente do Salvador; na botânica, frei Mariano da Conceição Velloso, autor da Flora Fluminense; na pintura, frei Francisco Solano Benjamin. A escola não formava exclusivamente religiosos, recebeu leigos e esteve aberta a estudos experimentais. O convento tornou-se referência pela sua atuação evangelizadora, convertendo-se em base para os franciscanos em sua expansão para o sul. Também desempenhou um papel fundamental na independência do Brasil, já que sediou reuniões políticas em torno da independência, promovidas por frei Sampaio, inclusive com a participação de d. Pedro. Sampaio é autor do discurso do Fico e do esboço da primeira constituição do Império Brasileiro. Foi também nas dependências do convento que Vitor Meirelles pintou o célebre quadro a Batalha do Riachuelo, período em que abriu o teto do aposento para melhorar a iluminação. A portaria do governo imperial de 19 de março de 1855, que proibia a entrada de noviços em todas as ordens religiosas, foi determinante para a decadência do convento. Neste período, o espaço foi ocupado pelo Arquivo Público, que lá permaneceu até o ano de 1872. O Ministério da Justiça também instalou o júri em 1855 e por fim, o Sétimo Batalhão de Intendência ocupou boa parte do edifício, onde permaneceu entre 1885 e 1901. Somente a partir da instauração da República, com a separação entre Igreja e Estado e a chegada de franciscanos alemães, o convento de Santo Antônio voltaria a viver um período próspero.
[6] BULHAS ENTRE TERCEIROS E FRADES: em 20 de março 1619, Luis de Figueiredo e sua mulher d. Antonia Carneiro fundaram a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro. Como era habitual na época, a Ordem convivia nos espaços da Igreja de Santo Antônio, onde fundou um pequeno santuário em homenagem à Nossa Senhora da Conceição. Em meados do século XVII, os terceiros começaram a construir a Igreja de São Francisco da Penitência no terreno do Convento de Santo Antônio. A presença dos irmãos terceiros movimentou a vida social e religiosa no morro de Santo Antônio com suas festas e procissões. As divergências entre os religiosos do convento e os irmãos da Ordem Terceira de São Francisco manifestaram-se com maior ou menor força ao longo do século XVIII, com crescentes reivindicações dos terceiros por maior autonomia, questionando o direito dos religiosos legislarem sobre as questões referentes às regras e estatutos da fraternidade. O primeiro conflito de grandes proporções envolvendo os irmãos da ordem terceira e os religiosos do Convento de Santo Antônio ocorreu em 1701, durante a visita canônica do padre provincial frei Miguel de São Francisco. De acordo com o padre, os terceiros franciscanos eram insubordinados ao ministro, não prestavam assistência às reuniões, entre outras coisas. Visando resolver tais problemas, o prelado provincial formulou uma série de pontos sobre a observância às regras e aos estatutos. O décimo quinto abordava a delicada questão, a qual se opunham os terceiros, da prerrogativa que tinham os prelados provinciais de correção e castigo do ministro e mesa da ordem terceira. O embate entre os diversos ordenamentos jurídicos, como os estatutos locais e os gerais, e a disputa entre autoridades, como os ministros e os prelados, eram motivos de discórdia entre os terceiros e os religiosos. Durante o ministério de Francisco Seixas Fonseca, entre 1715 e 1719, agravaram-se as contendas (bulhas), que culminaram na cisão da Ordem em 1720. O partido liderado por Francisco Seixas Fonseca passa a ocupar um hospício erigido no centro da cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, reivindica no Tribunal da Relação direito à capela anexa ao convento de Santo Antônio da qual haviam sido expulsos. O ouvidor decide favoravelmente aos terceiros expulsos do convento. Entretanto, a resistência dos frades impediu a retomada do prédio. Em 1725, os terceiros insubmissos são impedidos de praticarem suas cerimônias no hospício e obrigados à obediência ao provincial e ao comissário visitador do convento. O líder da mesa dissidente é preso e desterrado em Pernambuco e a unidade da associação restabelecida.
[7]COMISSÁRIOS DOS TERCEIROS: o comissário visitador era o dirigente máximo da Ordem Terceira da Penitência de São Francisco no que dizia respeito aos assuntos eclesiásticos. Era designado pelo prelado provincial, funcionando como delegado deste. Os irmãos terceiros deveriam submeter-se à autoridade religiosa do comissário visitador, seu superior imediato no plano espiritual, que os orientaria nos exercícios espirituais condizentes com aquela regra. O comissário na ordem terceira era eleito em definitivo pelo voto provincial e mais religiosos. As tarefas referentes ao comissário contemplavam os sermões, práticas, profissões de irmãos e outros exercícios espirituais. Também tomava parte nas reuniões da mesa. Em relação às eleições, caberia aos religiosos escolherem o comissário de determinada ordem terceira, a partir de uma lista prévia elaborada pelos irmãos. Os estatutos de 1801 da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro reforçavam o poder dos terceiros, em seu artigo 48, que definia que estes tinham o direito de requerer aos religiosos um comissário espiritual da Ordem, mas quando este não fosse a contento, poderiam eleger um irmão clérigo secular, desde que aprovado pelo prelado ou através de bula papal.
[8]ORDEM TERCEIRA DA PENITÊNCIA: associação religiosa formada por leigos, organizados em torno das ideias e preceitos de São Francisco de Assis. Norteia-se pela utopia franciscana que prega a prática da pobreza, a fraternidade e a igualdade. O surgimento das ordens terceiras, a partir do século XII, está relacionado a um contexto de renovação do exercício da espiritualidade, inspirada em um cristianismo que valoriza o que teriam sido as práticas dos primeiros discípulos de Cristo, resultando em uma maior participação dos leigos. Foi a primeira das ordens terceiras, intitulada de Ordem da Penitência de São Francisco. Recebeu reconhecimento formal da cúria romana por meio do Memoriale propositi fratum et sororum de poenitentia, em 1221, considerada a primeira Regra da Ordem. Segundo esta, os “irmãos e irmãs da penitência”, como eram conhecidos, deveriam manter a austeridade nos trajes, privar-se de bailes, banquetes e ajuntamentos solenes, observar a prática do jejum em alguns dias da semana, além de, regularmente, frequentar os sacramentos da confissão e da comunhão. Em 18 de agosto de 1289, através da bula Supra montem, o papa Nicolau IV lhe conferiu reconhecimento canônico como Ordem Terceira de São Francisco de Assis. As primeiras ordens terceiras franciscanas chegaram ao Brasil ainda no século XVII. Em 20 de março de 1619, foi fundada a Ordem Terceira de São Francisco Assis na cidade do Rio de Janeiro. Além das regras que eram comuns a todas as filiais da mesma ordem, havia os estatutos particulares de cada associação que variavam conforme a localidade. Para ingressar na associação o candidato devia apresentar informações sobre seu ofício, estado e “qualidades”; enquanto às mulheres exigia-se autorização de seus maridos. De maneira geral, as exigências relativas à entrada de um membro se baseavam nos critérios de pureza étnica, excluindo-se os descendentes de negros, judeus e cristãos novos, embora o último caso nem sempre tenha ocorrido. O estatuto dos terceiros franciscanos do Rio de Janeiro, de 1801, aboliu o impedimento ao ingresso dos judeus convertidos. É importante ressaltar que esses critérios não incluíam os descendentes de escravos africanos. Após o processo de seleção, o membro passava por um período de preparação para profissão religiosa denominado noviciado. Durante o noviciado, o indivíduo era submetido a exercícios espirituais, além de ser instruído nas regras da associação. Dentro da hierarquia da ordem, os postos de comissário visitador e irmão ministro representavam os mais altos cargos nos planos espiritual e temporal, respectivamente. Ao comissário cabia os sermões, práticas, profissões de irmãos e mais exercícios espirituais. Somando-se a isso, o comissário visitador participava como membro votante nas reuniões convocadas pela mesa administrativa da ordem. O fracionamento da Ordem Terceira da Penitência em dois partidos antagônicos implicou a formação de duas mesas administrativas, uma favorável à direção dos religiosos do convento de Santo Antônio e outra composta pelos que apoiavam Francisco de Seixas Fonseca, que havia sido irmão ministro entre 1715 e 1719. O segundo grupo discordava da ingerência dos religiosos na associação e pleiteava a equiparação do estatuto desta ao das irmandades laicas. Expulsos do convento, refugiaram-se no hospício erigido na rua do Rosário, pleiteado desde 1716 por Francisco de Seixas Fonseca. Entre 1721 e 1724, a administração da ordem esteve dividida entre a capela contígua ao convento e o hospício.
[9]RELAÇÃO DA BAHIA: também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representá-la e ao mesmo tempo torná-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer as leis e a ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias.
[10]JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.
[11]NORONHA, AYRES DE SALDANHA DE ALBUQUERQUE COUTINHO MATOS (1681-1756): nascido em Lisboa, era membro de uma das principais famílias da corte portuguesa e foi homem-gentil da câmara do infante d. António, quinto filho de Pedro II de Portugal. Prestou serviços militares no norte da África e em Portugal. Nomeado governador e capitão-general do Rio de Janeiro por carta patente de 3 de janeiro de 1719, Ayres de Saldanha assumiu a administração a 13 de maio do mesmo ano, cargo que ocupou até 1725. O período de seu governo coincide com uma crescente valorização da capitania como centro de atividades mercantis, já que do seu porto escoava-se o ouro das Minas. A localização estratégica do porto também atraia muitos estrangeiros que navegavam pelo Atlântico Sul, causando preocupação à metrópole com a segurança e a conservação da capitania. Em carta ao rei, no ano de 1719, Ayres de Saldanha, aflito com a quantidade de navios no entorno da cidade, defende que se corte relações com estrangeiros, por conta da incidência de piratas. Em decorrência da contínua entrada e saída de navios, do aumento das transações comerciais e da grande circulação de pessoas, a alfândega tornou-se alvo de atividades ilícitas como contrabando e sonegação de impostos. As precárias instalações físicas da alfândega não comportavam todo o material a ser armazenado, o que facilitava os furtos, além de faltarem guardas e outros funcionários para garantir o controle da arrecadação. Ciente de tais problemas, o governador forneceu, já em seu primeiro ano, parecer ao Conselho Ultramarino, segundo o qual defendia a instalação de balança apropriada em um lugar adequado, sob orientação de um juiz nomeado especificamente para tal função, pois sem tal providência, a arrecadação de fazendas continuaria a sofrer prejuízos. Outra importante medida de seu governo foi a adução das águas do rio Carioca, prolongando as obras até o campo de Santo Antônio, atual largo da Carioca. Inspirado no aqueduto das Águas Livres de Lisboa, ligava o morro do Desterro (Santa Teresa) até o morro de Santo Antônio. Concluída a obra em 1723, a fonte da Carioca passaria a ser abastecida com suas águas. O conflito entre espanhóis e portugueses na colônia do Sacramento, que estava sob jurisdição da capitania do Rio de janeiro, também foi uma preocupação constante durante sua administração.
Redes Sociais