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Ouro e Diamantes na Colônia Americana

Alteração de pena

Publicado: Quarta, 23 de Mai de 2018, 12h54 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 17h27

Carta régia em que é comunicada ao conde de Rezende a alteração da pena de Antônio da Costa Sampaio, que foi preso transportando setecentas oitavas de diamantes. O degredo para Angola que havia sido determinado era substituído pelo envio do criminoso para a corte de Lisboa. A medida resultava da pobreza em que o preso se encontrava depois do sequestro dos seus bens e de considerações de caráter pessoal, não explicitadas no documento.

 

Conjunto documental: correspondência da Corte com o vice-reinado
Notação: códice 67, vol. 18
Datas-limite: 1790-1794
ítulo do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código de Fundo: 86
Argumento: diamantes
Data: 20 de janeiro de 1792
Local: Lisboa
Folha: 146

 

Conde de Rezende[1], Dom José de Castro, vice-rei[2] e capitão general de mar e terra do Estado do Brasil, do meu Conselho[3]. Eu, a rainha[4], vos envio muito saudar como aquele que estimo. Sendo-me presente que Antônio da Costa Sam Paio, fora apreendido no caminho do Distrito Diamantino[5] com uma partida de setenta e duas oitavas de diamantes[6] brutos que trazia extraviados, pela culpa havendo sido preso e sentenciado pela relação[7] dessa cidade do Rio de Janeiro[8] e condenado nas penas de dez anos de degredo[9] para o Reino de Angola[10] e do perdimento dos referidos diamantes e o dobro de seu valor, se achava nos termos de não poder ir cumprir o sobredito degredo, pela miserável situação a que havia reduzido a larga prisão em que se achava, e última indigência em que ficava, pelo sequestro em que todos os seus bens se havia feito. Temos consideração ao referido e a outros justos e particulares motivos que se fizeram da minha real consideração. Hei por bem, e por graça especial que não será a `...] para exemplo de comutar ao sobredito Antônio da Costa Sam Paio a pena de degredo dos dez anos para o Reino de Angola, em outros tantos anos de degredo e residência neste reino, para onde o fareis remeter com guia em forma e residência neste reino, para onde digo em forma, que haja de apresentar a um dos meus corregedores do crime[11] da corte, do qual obterá certidão de apresentação, para vos ser remetido e se juntar aos autos, que se processarão, e sentenciarão contra ele, pela referida culpa. O que me pareceu participar-vos para que tendo o assim entendido o façais executar nesta conformidade. Escrita em Salvaterra de Magos em vinte de janeiro de mil setecentos e noventa e dois. Rainha.

 

[1]CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

[2]VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).

[3]CONSELHO DE ESTADO [PORTUGAL]: o Conselho de Estado foi criado no século XVI para ser um órgão de consulta do monarca e por este presidido. Depois da reforma das secretarias de Estado de 1736, o conselho passou a ser a reunião dos secretários ministros que aconselhariam o rei em assuntos de Estado. Essa instituição não teve grande destaque durante a regência e o reinado de d. João, e só passaria a adquirir força e importância política depois da revolução liberal do Porto, de 1821, quando desempenhou papel central ao longo do período da monarquia constitucional em Portugal.

[4]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[5]DISTRITO DIAMANTINO: "Única na história é essa ideia de isolar uma região, na qual toda a vida civil foi subordinada à exploração de um bem exclusivo da coroa." Spix & Martius. Viagem pelo Brasil. Uma das consequências mais imediatas e visíveis da descoberta de jazidas minerais na colônia americana de Portugal, ainda no final do século XVI, foi o surgimento de núcleos populacionais urbanos nas áreas de mineração. Alguns desses núcleos, em especial aqueles situados em áreas estratégicas, se tornaram oficialmente vilas, o que permitia ao governo metropolitano um controle formal maior sobre as atividades desenvolvidas na região e sobre a população local. Assim nasceu o arraial do Tejuco, em meio à exploração da região por indivíduos e agentes do estado em sua incessante busca por ouro (principalmente) e pedras preciosas. Em 1729, ocorre a oficialização da descoberta de diamantes na região deste arraial, já que há anos se sabia da existência das pedras na região, cujo comércio ilegal era levado a cabo inclusive por funcionários da Coroa. Em 1731, foi decretado o monopólio régio de exploração das pedras, mas este decreto jamais foi posto em prática. O arraial do Tejuco, principal centro de exploração de diamantes, continuou a receber pessoas dispostas a se aventurar na mineração. Mais uma vez, em 1734, o governo da metrópole interdita não só a exploração de diamantes, mas a região como um todo, como forma de evitar uma exploração desenfreada que já fazia com que os preços das pedras começassem a cair. Pela primeira vez, um decreto regulamentando a atividade mineradora na área procurava controlar não apenas os rios, mas os povoados e o território de forma mais ampla. O decreto de 1734 estipulou a demarcação territorial do Distrito Diamantino “com a colocação de seis marcos cuidadosamente fixados nas divisas estabelecidas e, cerca de oito postos fiscais que controlavam a entrada e saída do distrito”. Estabeleceu-se um quadrilátero em torno do arraial do Tejuco – sede – que incluía também povoados e arraiais como Gouveia, Milho Verde, São Gonçalo, Rio Manso, entre outros. A exploração de diamantes foi suspensa, para que os preços no mercado internacional se estabilizassem. Nesse mesmo ano, foi criada a Intendência dos Diamantes, cujo intendente era a autoridade suprema no distrito, que prestava obediência à Junta Diamantina, localizada em Lisboa. Em 1739, a Coroa reabriu a exploração e estabeleceu o regime de contratos para a exploração das lavras de diamante, sistema este que favoreceu a corrupção e o nepotismo, excluindo um grande número de pessoas da atividade mineradora. A dificuldade para se controlar uma rede de contrabando anterior ao estabelecimento do Distrito Diamantino, que começava no Tejuco e alcançava Portugal, pode ser percebida pela quantidade de decretos específicos editados para tentar evitar o descontrole sobre a exploração e o comércio ilegal de diamantes. O arraial fervilhava em função da exploração diamantífera e as riquezas, legal ou ilegalmente adquiridas, trouxeram consigo um grande crescimento no comércio de todo o tipo de bens, que vinham ou da Europa, ou mesmo de outras regiões do Brasil, à guisa do que aconteceu na região mineradora de ouro, em Vila Rica e adjacências. Em 1771, o marquês de Pombal extingue o sistema por contratos e cria a Real Extração de Diamantes, que custearia diretamente a mineração e teoricamente permitiria maior controle sobre a atividade. As leis específicas ao distrito, diversas àquelas que regiam o restante da colônia, foram reunidas em um volume intitulado Livro da Capa Verde, que continha todo o regimento do Distrito Diamantino. A existência deste distrito foi suspensa em 1821, com a Revolução do Porto.

[6]DIAMANTE: material constituído por moléculas estáveis de carbono, de maior dureza entre as substâncias naturais, o diamante tem uma infinidade de utilizações, indo de componentes industriais ao adorno em joias. Embora as primeiras referências à existência de diamantes na região sudeste do Brasil remontem ainda ao século XVII (Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Brandão, escrito em 1618, já enumerava os diamantes como uma de suas riquezas), sua exploração teve início, comprovadamente, durante o governo de d. Lourenço de Almeida (1720-1732), nas lavras de Bernardo da Fonseca Lobo, na comarca de Serro Frio. O diamante, durante algum tempo, foi extraído sem conhecimento da Coroa, possivelmente com a ativa participação do próprio governador Lourenço e do ouvidor de Serro Frio, Rodrigues Banha. No fim dos anos 1720, já não era possível esconder a existência de veios tão ricos da mais preciosa das pedras, e o próprio governador Lourenço tratou de comunicar a descoberta ao rei de Portugal, d. João V, que, em julho de 1729, recebeu em sua Corte o proprietário das notáveis lavras, Bernardo Fonseca Lobo. Em grande quantidade e de qualidade superior, os diamantes brasileiros correram mundo e inúmeras foram as formas encontradas para ludibriar a vigilância oficial e evitar o pagamento de impostos. A quantidade da pedra em dado momento era tão grande que o governo português se viu obrigado a limitar sua exploração, posto que o mercado, com a súbita afluência de diamantes, começava a baixar o seu preço. A exploração prosseguiu até meados do século XIX, mas, assim como a exploração do ouro, a atividade foi prejudicada frente ao esgotamento dos veios e à falta de técnicas mais modernas de exploração.

[7]RELAÇÃO DA BAHIA: também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representá-la e ao mesmo tempo torna-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer as leis e a ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias.  

[8]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[9]DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[10]ANGOLA: localiza-se na região sudoeste da África. Como colônia portuguesa tem seu início em 1575, a partir do contrato de conquista e de colonização recebido da Coroa pelo explorador Paulo Dias de Novaes, face ao sucesso obtido na corte do Ndongo, conforme J. Vansina no capítulo “O reino do Congo e seus vizinhos” (História Geral da África, vol. V, Unesco, 2010). A colônia viria a se chamar Angola, nome atribuído pelos portugueses, inspirado no título ngola dado ao rei do Ndongo, região constituída mais pela submissão de grupos a uma autoridade maior, por alianças ou guerra, do que por uma delimitação territorial como explica Marina de Mello e Souza (Além do visível: poder, catolicismo e comércio no Congo e em Angola. São Paulo: Edusp, 2018). No ano seguinte é criada a vila de São Paulo de Luanda, da qual Dias de Novaes foi o primeiro governador e capitão geral, conforme o modelo implantado no Brasil, instalando-se com famílias de colonos e soldados portugueses. As pressões metropolitanas para se impor na região e as suspeitas surgidas entre os líderes locais de que os portugueses vinham para ficar levaram à eclosão de uma guerra iniciada em 1579 que durou até 1671. Entre 1641 e 1648, Angola esteve sob domínio holandês, em um movimento que não pode ser dissociado da ocupação da região nordeste da América portuguesa. Se desde o início de sua presença, os portugueses dedicaram-se ao comércio de escravos, primeiro para São Tomé e depois para o Brasil, esse negócio tornar-se-ia a principal atividade econômica da região, fazendo de Angola a grande exportadora de mão de obra compulsória para a América. Segundo a base de dados americana Atlantic Slave Trade, calcula-se que tenham saído de Angola, entre 1501 e 1866, quase 5,7 milhões de escravos. Criaram-se relações bilaterais entre Brasil e Angola, onde o primeiro produzia matérias-primas e alimentos – quer para a agro exportação, quer para o mercado interno, e Angola forneceria a força de trabalho cativo. Este eixo é, para parte da historiografia, constitutivo do sistema atlântico luso e sustenta a concepção de uma monarquia pluricontinental, na qual Angola, destacando-se a cidade de Luanda, já no século XVII era um dos seus polos. A independência de Angola só foi declarada em 1975, marcando também o fim do colonialismo português.

[11]CORREGEDOR DO CRIME DA CORTE E CASA: magistrado superior criminal, o cargo estava previsto como um dos ministros que integravam a Casa de Suplicação. Também servia à Casa Real, e atuava na comarca onde estava instalada a Corte, comandando, em matéria de justiça, as vilas da região.

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