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Passaportes

Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h36 | Última atualização em Sexta, 20 de Agosto de 2021, 02h20

Registro de recebimento de aviso recebido por conde de Galveas e enviado pelo marquês de Aguiar, no qual era encaminhado ofício do conde dos Arcos relatando a situação de navios negreiros apresados na África por súditos britânicos. No referido ofício o conde dos Arcos, governador da Bahia, também exigia uma explicação sobre a forma com que eram emitidos passaportes aos navios que traficavam escravos.

Conjunto documental: Missões Diplomáticas
Notação: IR3 17
Datas-limite: 1807-1849
Título do fundo: Série Relações Exteriores
Código do fundo: BA
Argumento de pesquisa: repressão ao tráfico
Data: 29 de dezembro de 1813
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

Recebi o aviso que V.Exa. me dirigiu na data de 23 do corrente mês, remetendo-me os dois ofícios que tinha recebido do Conde dos Arcos[1], governador e capitão general da capitania da Bahia, no primeiro dos quais participava a tomada que tinha feito das embarcações daquela praça os comandantes ingleses na Costa da Mina[2], e expondo a viva sensação que este sucesso tinha ali causado, pedia uma explicação categórica sobre o modo, porque se devia regular na concessão dos passaportes[3] para as embarcações do comércio da escravatura, os quais tinha facilitado em virtude do aviso régio expedido pela secretaria de estado dos negócios da marinha e domínios ultramarinos em 2 de agosto de 1811. Ainda pela resposta que dei a V.Exa. em 11 do corrente mês, julgo ter respondido ao contendo dos mencionados ofícios, contudo, visto que V.Exa. novamente pede o meu parecer a este respeito devo acrescentar que, tendo-se feito por esta secretaria de estado as mais fortes e enérgicas representações à Corte de Londres contra o procedimento verdadeiramente hostil dos comandantes ingleses para com as nossas embarcações que pacificamente comerciavam na África, como a V.Exa. já é constante pelos documentos que lhe transmiti com a minha precitada carta , representações as quais a mesma corte por ora não tem dado senão a simples e pouco satisfatória resposta, constante da cópia junta que torno a enviar a V.Exa., e que de nenhum modo afiança poder se continuar tranqüilamente naquele tráfico[4], parece-me muito acertado, e até mesmo útil, que, sem primeiro se ajustarem e concluírem estas reclamações satisfatoriamente, não seria prudente por ora conceder passaportes às embarcações para o resgate de escravos[5] na Costa da Mina, pois que seria este o meio de entregar nas mãos daqueles piratas[6] as mesmas embarcações que inocentemente fossem ali comerciar, salvo porém se os respectivos donos das ditas embarcações quiserem, de seu próprio arbítrio sujeitarem-se aos perigos que possam suceder, sem a menor responsabilidade do governador da mencionada capitania. Quanto aquela parte do ofício do mesmo Conde dos Arcos sobre a concessão dos passaportes que facilitará em consequência do aviso régio expedido pela secretaria da marinha, tenho a dizer a V.Exa. que parece laborar em equivocação, não somente porque combinando-se tanto a data do ofício o Conde dos Arcos, relativo aos embaixadores dos reis de Arda[7], e Abomé[8] como do referido aviso régio em resposta à este ofício, datados aquele em 7 de maio, e este 11 de agosto de 1811, se conhece que ainda nessa época não tinha sucedido a fatal captura das embarcações da dita praça da Bahia, que teve lugar do ano de 1812, e portanto não podia o mesmo Conde antes deste sucessor ter receio de conceder passaportes para as embarcações que fossem comerciar ali, como também porque o referido aviso régio não tratava deste assunto absolutamente, e só falava das nossas relações políticas com aqueles potentados. O que participo à V.Exa. de sua inteligência, restituindo-lhe a carta e os dois ofícios do Conde dos Arcos, como V.Exa. me pediu no seu supracitado aviso. Deus guarde a V.Exa. Paço em 29de dezembro de 1813. Conde das Galveas[9]. Ao Marques de Aguiar[10]

 

[1]BRITO, D. MARCOS DE NORONHA (1771-1817): oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

[2]COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

[3]PASSAPORTE: o documento emitido pela intendência de polícia, imprescindível não apenas às embarcações em viagem marítima, mas também aos grupos que viajavam por terra para comerciar com outras províncias. Os navios envolvidos no comércio marítimo deveriam portar passaportes específicos para a função a que se destinavam, incluindo aqueles envolvidos com o comércio de escravos. Tais passaportes eram numerados e assinados por autoridades competentes, válidos apenas por uma viagem, onde deveria constar o porto de saída e de destino, o número de escravos que deveriam ser levados a bordo equivalentes ao permitido pela tonelagem do navio, o número da tripulação, entre outros dados. No entanto, era prática comum a emissão de passaportes falsos para se conseguir embarcar escravos ao sul do Equador, onde o tráfico negreiro continuou legal para os nacionais portugueses até 1836. Registre-se ainda a atuação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro que tinha, desde 1762, poderes para emitir atestados para aqueles que pretendiam obter passaportes para o Brasil. Em trabalho intitulado A Companhia do Alto Douro e a emissão de passaportes para o Brasil, os autores Fernando Sousa e Teresa Cirne chamam a atenção para os portugueses do norte de Portugal que, entre 1805 e 1832, saíram para o Brasil, até 1822 como “passageiros”, no quadro do império colonial, e a partir de então, como emigrantes. Todos eles eram obrigados a levantar passaporte, para a obtenção do qual tinham de “justificar-se”, de forma a poderem demonstrar que obedeciam às condições legais exigidas para abandonarem Portugal Continental rumo ao Brasil.

[4]TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas, foi, durante séculos tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

[5]ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[6] PIRATAS: o saque, a pilhagem e o apresamento de embarcações e povoados vulneráveis foram, durante séculos, realizados por grupos organizados, que atuavam sob as ordens de um soberano ou de forma independente. O termo pirataria define uma atividade autônoma, sem qualquer consideração política ou razões de Estado (comerciais ou estratégicas). Sem nacionalidade juridicamente reconhecida, os piratas lançavam-se ao mar pilhando embarcações ou atacando regiões costeiras para angariar riquezas. Há registro de ataques piratas à costa brasileira, no período colonial, motivados pelo contrabando de produtos como o pau-brasil, bem como pela captura de escravos indígenas. Tornaram-se célebres os piratas franceses Jean Florin, Laudinière, Montbars, os irmãos Lafitte e Jean Davis, conhecido como o Olonês, que atuaram na região das Antilhas. Em um universo majoritariamente masculino, algumas mulheres disfarçadas também fizeram história, como Mary Head e Anne Bonney. O último reduto da pirataria ocidental foi o Mediterrâneo, onde piratas gregos e berberes eram atuantes desde a Idade Média. Não se deve confundir piratas com corsários. O corsário tem sua origem na Idade Média, mas se tornou especialmente importante durante os tempos modernos. Ao contrário do pirata, do ponto de vista do direito internacional, o corsário é um combatente regular, ligado a um Estado, a quem o governo dava uma carta de corso. Poderia ser mantido diretamente pelo governo ou por um particular. Não há grande diferença dos piratas quanto aos métodos. Porém, o corso reservava de 1/3 a 1/5 do butim para o tesouro real e executava ataques encomendados pelos Estados a que serviam, tal como DuGuay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro em 1711 a serviço da Coroa francesa no âmbito da guerra de sucessão espanhola, colocando em lados opostos França e Portugal, aliados, respectivamente, à Espanha e à Inglaterra.

[7]ARDA: também Ardres ou Alladá, possuía sede ou capital em Porto Novo na África. Era um reino vizinho à cidade-estado de Oió e compunha o antigo reino do Daomé. Localizava-se na chamada Costa dos Escravos, e até meados do século XVII foi o foco de comércio da escravatura. Posteriormente, viria a ser conhecida como centro de irradiação de cultos tipicamente africanos, apesar da existência de religiosos que atuaram na propagação da fé cristã.

[8] ABOMÉ: por vezes refere-se à capital do reino do Daomé (atual Benim, África), outras ao próprio reino, com o qual a cidade se confunde. O reino do Daomé sucedeu ao reino litorâneo de Alladá, que se estabeleceu no planalto de Abomé por volta de 1620. Posteriormente conquistaram as aldeias portuárias, iniciando o período de expansão do Daomé. Os reis do Daomé, que lucravam, principalmente, com o comércio, se envolveram então em guerras para expandir seu território utilizando rifles e outras armas de fogo compradas aos europeus em troca dos prisioneiros, que foram vendidos como escravos nas Américas.

[9]CASTRO, JOÃO DE ALMEIDA DE MELO E (1756-1914): 5º conde de Galvêas, foi um nobre e político português. Seguiu a carreira diplomática, tendo sido ministro de Portugal em Londres, Haia, Roma e embaixador em Viena de Áustria. Foi secretário para os Negócios Estrangeiros entre 1801 e 1803 e Ministro dos Negócios da Marinha e do Ultramar a partir de 1811, acumulou, posteriormente, as pastas da Fazenda (Real Erário) e da Guerra. Fundador do primeiro laboratório brasileiro, o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro (1812-1819), cujo propósito era o desenvolvimento de pesquisas químicas com finalidade comercial.

[10]CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

 

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