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A censura e os escritos religiosos

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h20 | Última atualização em Quarta, 28 de Abril de 2021, 01h14

Entre as atribuições da Mesa Censória, estavam aquelas destinadas a controlar a publicação e a circulação de livros e periódicos doutrinários. Um dos principais focos da Mesa foram os escritos e autores religiosos que pudessem causar danos à religião como um todo e fomentar críticas quanto à conduta do governo sobre a expulsão dos jesuítas. O documento sugere a forma como funcionava a censura, um instrumento de manutenção da administração real e do funcionamento da ordem vigente.



Conjunto documental: Livro da administração de Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, Secretário de Estado e Primeiro Ministro de d. José.
Notação: Códice 1129
Datas-limite: 1792-1792
Título do fundo: Diversos Códices - SDH
Código: NP
Argumento de Pesquisa: censura
Local: Lisboa
Data: s.d.
Folha(s): tomo 9, livro 9, cap. 12, pág. 30

Leia esse documento na íntegra

 

“... A Mesa Censória[1] estabelecida para vigiar os escritos perigosos[2], principalmente aqueles que podem atacar a autoridade real, ou a do Ministério; devia ter também a vista atenta sobre os livros, que havia em Estado de causar algum cisma em matéria de religião; como sobre as obras de partido que condenavam a conduta do governo sobre a expulsão dos jesuítas.

Não bastava vê-los recambiados era necessário ainda os impedir de tornarem a vir e aparecerem. O ministro tinha diante dos olhos a história do seu desterro em muitos Estados da Europa e da sua nova introdução.

A árvore jesuítica estava derrubada, mas tinha muitas raízes que a podiam fazer renascer. Apareceram duas brochuras[3] sobre a sociedade que lembraram os rigores que se tinham exercido sobre ela, particularmente sobre a sentença e processo do Padre Malagrida[4]. Isto não era senão repetições do que se tinha dito e escrito muitas vezes, mas era necessário tirá-lo da vista de um povo prevenido a favor destes padres.

O Ministro fez lançar um edital pela Mesa Censória que proibia a leitura do primeiro e condenava o segundo às chamas.

Foi queimado publicamente por mão do algoz em 30 de abril de 1764. A Mesa Censória se estendeu mais longe abraçou as diferentes partes da moral, que conduz sobre diversos exercícios da religião. Por sua ordem a Mesa declarou nulo um breve do Papa Clemente XIV[5], que concedia um júbilo e muitas indulgências aos eremitas conhecidos como Eremitas do Senhor Bom Jesus, que habitam sobre uma montanha às portas da cidade de Braga.

Os que se encaminham a Roma para obter estas sortes de breves[6] , expõem ordinariamente ao chefe da Igreja novos exercícios de piedade, e que não têm outro efeito se não exceder as práticas da religião.

É a doença da maior parte dos homens, de quererem ser mais que cristãos, o que faz com que eles não sejam bem.

Quase todas as heresias têm saído deste falso princípio. Se ... analisar os diferentes erros que tem dividido a Igreja, se achará que eles têm vindo da condescendência que se tem tido, de permitir certos exercícios que não entram na hierarquia da catolicidade.

Estes eremitas eram muito religiosos para conhecerem a verdadeira religião. Eles se perderam em vãos deveres exteriores de religião, que lhes fazem esquecer os principais. Tem-se condenado o Ministro por ter passado os limites do seu ministério, importando-lhe com coisas que não são da sua jurisdição; porém esta arguição é mal fundada. O primeiro dever de um Ministro é obrar de sorte que cada indivíduo seja cidadão, e não hipócrita ou supersticioso.”

 

[1] REAL MESA CENSÓRIA: instituição criada pelo alvará de 5 de abril de 1768, durante as reformas pombalinas, com o objetivo de transferir para o Estado a atribuição de fiscalizar, em Portugal e suas colônias, “a estampa, a impressão, as oficinas, as vendas e comércios de livros e papéis” contrários à moral, à religião e à ordem estabelecida, papel que até então pertencia ao Tribunal do Santo Ofício, ao Desembargo do Paço e às autoridades episcopais. O primeiro presidente da Real Mesa Censória foi o cardeal José Cosme da Cunha, arcebispo de Évora, do Conselho de Estado do Rei e apontado inquisidor-geral em 1770. Ao novo Tribunal cabia o exame e aprovação (ou reprovação) de livros e papeis que se encontrassem em circulação no país, e dos que pretendessem entrar e comercializar, cabia também a concessão de licenças de comercialização, impressão, reimpressão e encadernação de livros ou outros papeis avulsos, além da autorização para posse e leitura de livros proibidos, considerados “perigosos”. Devia ainda informar, atualizar e divulgar a lista com o Índice Expurgatório, composto em sua maioria de livros que versassem sobre a filosofia das Luzes, como os de Voltaire, Hobbes e Rousseau, por exemplo. O regimento da Mesa, elaborado em 1769, previa que fosse composta de presidente, deputados (lentes, doutores e opositores da Universidade de Coimbra, preferencialmente oriundos do clero), secretário, porteiro e contínuo, e os altos cargos na Mesa eram cobiçados por trazerem altos privilégios e recebimentos. Pelo alvará de 4 de junho de 1771 coube também à Real Mesa Censória a administração das escolas menores do Reino, incluindo o Colégio dos Nobres. Em 1787, em decreto de d. Maria I, a instituição passou a se chamar Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros e funcionou até 1794, quando foi abolida. A censura de livros voltou a ser exercida pelo Tribunal do Santo Ofício e o Desembargo do Paço. A Real Mesa Censória desempenhou importante papel na política cultural pombalina, influindo na cultura letrada do Reino e ultramar, no ensino público, na constituição de bibliotecas e na formação intelectual das elites.

[2] ESCRITOS PERIGOSOS: eram os livros, sobretudo de autores franceses, que se propunham a discutir e propagar as ideias iluministas, liberais e revolucionárias, estimulando o questionamento das bases do Antigo Regime. Mesmo listados pelos censores régios e proibidos de circularem no reino e nas colônias, obras como as de Mably, Raynal, Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Dupradt foram encontradas em algumas bibliotecas particulares no final do século XVIII. Apesar de todas as medidas adotadas para impedir o acesso a estes livros, os autores revolucionários e suas ideias chegavam até o Brasil através de licenças concedidas aos chamados “homens de bem”, de um comércio lícito e restrito das obras e ainda através do contrabando, entrando na colônia “sob o capote”.

[3] BROCHURAS: Tipo de encadernação simples em que o miolo do livro é coberto por uma capa mole, geralmente feita de papel ou cartolina, que é colada ou cosida na lombada. O termo também se aplica aos folhetos ou livretos de poucas páginas.

[4] MALAGRIDA, PADRE GABRIEL (1689-1761):  jesuíta italiano, nascido Gabriele Malagrida, na vila de Menaggio, região de Milão, atual Itália. O padre Malagrida ficou conhecido como “apóstolo do Brasil” por ter se dedicado por muito anos a missões destinadas à catequização das tribos do Pará e do Maranhão, e mesmo depois de ter sido retirado das missões nos aldeamentos, ter peregrinado por todo o interior da atual região Nordeste do Brasil, pregando e convertendo à fé católica. Em 1750 foi a Portugal pela primeira vez, mas logo retornou ao Maranhão e às suas atividades apostólicas, voltando a Lisboa, em definitivo, apenas em 1754. Em decorrência do terremoto de Lisboa, publicou um folheto intitulado Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1º de novembro de 1755, no qual defendia a ideia de que a tragédia teria sido castigo de Deus, causado pela modernização e racionalização do Estado e da sociedade portuguesa, contrariando o marquês de Pombal que procurava atribuir as causas do desastre a razões naturais e não ao misticismo religioso. Citando profecias e alegando “ouvir os anjos” o padre condenava severamente os que trabalhavam na reconstrução da cidade e recomendava procissões, penitências e, sobretudo, recolhimento e meditação nos seis dias dos exercícios de Santo Inácio de Loyola. Após ser desterrado para Setúbal, por ordem do ministro de d. José I, foi preso e transferido para Lisboa, sendo entregue à Inquisição e condenado a ser garroteado (estrangulado) e queimado em um auto-de-fé. Foi a última execução pública em fogueira pelo Tribunal do Santo Ofício em Lisboa, tendo sido uma condenação muito mais política do que por razões religiosas.

[5] GANGANELLI, GIOVANNI VICENZO (1705-1774): eleito papa com o título de Clemente XIV, em 1769, seu pontificado compreendeu o período de 1769 até o ano de 1774. Frade da Ordem dos Menores Conventuais, professor de teologia, diretor do colégio São Boaventura (1740) e consultor do Santo Ofício (1746), tornou-se cardeal em 1759. Como papa, ocupou-se da questão da extinção da ordem dos jesuítas, que se estendia desde o pontificado de seu predecessor, Clemente XIII. Diante da solicitação feita pelos Estados católicos, Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus em 1773, por meio da bula Dominus ac Redemptor noster.

[6] BREVES: surgiram como documentos pontifícios a partir do século XV, durante o pontificado de Eugénio IV. Distinguem-se das bulas por serem instrumentos destinados a comunicar resoluções com mais rapidez e menos formalismos. Um breve apostólico ou breve pontifício é um tipo de documento circular assinado pelo Papa e referendado com a impressão do Anel do Pescador. Refere em geral atos administrativos da Santa Sé. Geralmente os breves não contêm nem preâmbulo nem prefácio e tratam de um único tema.


Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes no Brasil de d. João VI
Estrutura administrativa colonial
O Rio de Janeiro colonial

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