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Imprensa e opinião pública

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h20 | Última atualização em Quarta, 28 de Abril de 2021, 01h18

Cópia do ofício de Inácio da Costa Quintela, informando a determinação régia para a censura imediata de todo folheto a ser impresso, como também a autorização para a concessão de licenças quando não houver sessão da Mesa do Desembargo do Paço. A licença para impressão destes folhetos deveria ser concedida após um rigoroso exame, com o objetivo de identificar a existência de críticas à religião, à dignidade do trono e à obediência ao soberano. Por este documento, percebe-se a lógica de Estado da época, que considerava a leitura de determinados textos perigosa à manutenção da ordem pública, posto que incentivariam o questionamento do poder real.



Conjunto documental: Tribunal do desembargo do Paço
Notação: caixa 231, pct.4
Datas-limite: 1811-1830
Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço
Código: 4K
Argumento de Pesquisa: censura
Data do documento: 1º de março de 1821
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

“Ilustríssimo e Realíssimo Senhor

Sendo indispensável nas atuais circunstâncias franquear-se a Imprensa[1], para que se facilite a leitura de Papéis que possam dirigir a opinião pública[2] segundo os princípios de uma bem entendida liberdade civil. E o Rei[3]  Nosso Senhor Servido, enquanto não manda dar outras providências, que logo que se apresentar qualquer folheto para ser impresso, se proceda imediatamente à censura[4]  dele, e se lhe conceda licença para se imprimir, uma vez que não ataque a religião que felizmente professamos, não contenha expressões pouco decorosas à dignidade do trono, ou doutrinas contrárias à obediência que devemos a Sua Majestade, e respeito à sua real família, ou por qualquer maneira possam alterar a segurança e tranquilidade individual e pública.

E querendo o mesmo senhor que não haja demora na expedição destas licenças, há por bem autorizar a vossa ilustríssima para que as possa conceder nos dias em que não houver sessão da Mesa do Desembargo do Paço[5], recomendando juntamente aos censores [6] que desembaracem quanto antes quaisquer dos mesmos folhetos, que lhes forem distribuídos para exame.

O que de ordem de Sua Majestade participo a vossa ilustríssima para que assim se execute, fazendo a vossa ilustríssima presente na sobredita Mesa para sua inteligência e execução na parte que lhe toca.

Deus guarde a vossa ilustríssima, Paço, em 1º de março de 1821. Inácio da Costa Quintela[7].”

 

[1] IMPRENSA: o termo imprensa surgiu no século XV, com a criação da prensa móvel por Johannes Guttenberg (1390-1468) que imprimia, com caracteres móveis, palavras e frases em papel. A invenção da tipografia é considerada como marco fundamental que alicerçou e tornou possível a progressiva divulgação do conhecimento, até a sua massificação atual. Já a imprensa periódica, surge na Europa no século XVII, utilizando-se da mesma tecnologia para imprimir jornais, gazetas e pasquins. A primeira tipografia portuguesa surge no século XV e só em 1641 começa a circular o primeiro jornal periódico português: A Gazeta. No Brasil, a imprensa foi criada pelo decreto de 13 de maio 1808, por ocasião da transmigração da corte portuguesa. A Impressão Régia visou atender à necessidade de divulgação da legislação e atos governamentais, sendo facultada, na ausência destes, a impressão de obras variadas. Para administrar o novo estabelecimento, foi instituída uma junta diretora, composta por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dois deputados da Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro e da Bahia. À Junta coube o exame dos papéis e livros a serem publicados até setembro de 1808, quando houve a nomeação dos primeiros censores régios. No entanto, o historiador Marco Morel chama atenção para a existência de impressos no Brasil antes mesmo de 1808, apesar de toda proibição e censura, como é o caso de um prelo no Recife; uma oficina tipográfica no Rio de Janeiro em meados do século XVIII; além de imprensas instaladas pelos jesuítas na região das Missões (MOREL, M. Os primeiros passos da palavra impressa. MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tânia Regina de (orgs.). Hino Campo de Santana, no Rio de Janeiro stória da imprensa no Brasil. São Paulo: editora Contexto, 2013. p. 24). Com relação aos impressos periódicos, há dois marcos fundadores: a criação, por Hipólito da Costa, do Correio Braziliense em Londres e o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro, ambos em 1808. Por ser publicado em Londres, o Correio Braziliense foi o primeiro periódico em língua portuguesa a circular sem censura. Já a Gazeta, era um jornal oficial, limitando-se aos comunicados do governo e impresso na tipografia régia. Em 1821, as restrições à imprensa diminuíram, devido a decisões das Cortes portugueses, aumentando o número de tipografias, jornais e panfletos no Brasil.

[2] OPINIÃO PÚBLICA: enquanto expressão da modernidade política, o conceito de opinião pública surgiu no século XVIII. Em Portugal essa categoria emerge na segunda metade do Setecentos e se afirma no início do XIX como processo decorrente das Luzes, no qual a esfera íntima e da vida privada é relegada, como parte de um processo pelo qual “não sendo uma criação artificial das elites esclarecidas, a opinião pública afirma-se de forma difusa, a partir do discurso filosófico e da argumentação plural de normas, valores, ideias e aspirações coletivas, pensados em função dessa entidade superior que é o público” (Ana Cristina Araújo, « Opinião pública », Ler História [Online], 55 | 2008, http://journals.openedition.org/lerhistoria/2260). No processo de afirmação dessa instância, a imprensa teve uma atuação importante ao interagir diretamente na formação e condução dessa consciência no espaço público. Também na América portuguesa, a opinião pública emergiu entre 1820 e 1821, em função das revoluções constitucionalistas nos países ibéricos e da consequente intensificação da atividade de imprensa. Em 1820, foram decretadas a liberdade de imprensa e a circulação de impressos portugueses para além do reino. No ano seguinte, foi a vez da censura prévia ser suspensa provisoriamente. A partir de então, firmam-se os debates através da imprensa periódica, possibilitando a formação de uma opinião assentada numa leitura individual e crítica acerca dos interesses públicos.

[3] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4] CENSURA: exame crítico de obras diversas para o controle do governo, destinado a evitar a propagação de ideias contrárias à religião, à ordem moral e à política vigente. Para muitos autores a censura, sobretudo a tratados científicos e filosóficos modernos, produzidos no bojo da Revolução científica, foi responsável pela lacuna constatada entre Portugal e outras potências europeias. Em outra perspectiva, a atividade dos censores nos séculos XVII e XVIII também demonstra um comprometimento com o debate em torno da religião, da política, da arte e da literatura, como assinala Márcia Abreu. (O controle à publicação de livros nos séculos XVIII e XIX: uma outra visão da censura. Fênix. Outubro/ novembro/ dezembro de 2007, vol. 4, ano IV nº 4). Ainda conforme essa autora, a censura foi exercida desde o século XVI em Portugal e no Brasil através de três instâncias independentes, porém complementares. No reinado de d. José I, o Estado assume essa função com a criação da Real Mesa Censória (1768 – 1787), seguida da Real Mesa da Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros (1787 – 1794) a que advém a instauração, pela administração Mariana, do sistema tríplice a cargo do Santo Ofício, Ordinário e Desembargo do Paço (1794 – 1820). Selecionados por nomeação régia, os censores possuíam um variado conhecimento da literatura da época, da biografia dos autores e dos acontecimentos históricos mais recentes. Era um cargo de grande prestígio e de remuneração vantajosa, ocupado por perfis variados como professores de retórica, membros da Real Academia de Ciências de Lisboa e, ainda, religiosos confessores da Casa Real, Corregedores do Crime ou deputados da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, conforme destacou Maria Beatriz Nizza da Silva (Cultura no Brasil colônia. Ed. Vozes, 1981). Além do regimento da Real Mesa Censória, a partir de sua criação os censores se conduziriam ainda pela Regulamentação da Censura Tríplice até 1795. Os dois documentos eram similares, estabelecendo os parâmetros para a censura das obras. No Brasil, com a instalação da Corte e da Impressão Régia, a censura ficou a cargo da junta diretora da Real Mesa Censória, passando a ser atribuição da Mesa do Desembargo do Paço e Consciência e Ordem meses depois. A partir de então, a impressão e a importação de obras e periódicos ocorreriam mediante a licença dessa Mesa.

[5] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[6] CENSORES: funcionário do governo responsável pelo exame crítico de obras diversas, para evitar a propagação de ideias liberais e revolucionárias. Devidamente selecionados, os censores possuíam um variado conhecimento da literatura da época, da biografia de seus autores e dos acontecimentos históricos mais recentes.

[7] QUINTELA, [MANUEL] INÁCIO DA COSTA (1763-1838): vice-almirante da Armada portuguesa, grã-cruz da ordem da Torre e Espada, Quintela ingressou na Academia da Marinha, tendo concluído o curso em 1791. Foi rapidamente promovido na carreira militar, chegando, em 1801, a comandar uma corveta portuguesa em batalha vitoriosa contra uma fragata francesa. Comandante da nau Afonso, integrou a esquadra que trouxe a família real e a Corte portuguesa para o Brasil em 1807. Chegou ao posto de major-general pouco antes de assumir, em 1821, o cargo de ministro do Reino e da Justiça de d. João VI. Quando retornou a Portugal com a corte e o rei, passou a ocupar a pasta da Marinha. Retirou-se da vida pública em 1826, dedicando-se à poesia, à tradução de textos clássicos, e à redação de uma obra intitulada Anais da marinha portuguesa, publicada postumamente em 1839 e 1840 pela Academia Real de Ciências de Lisboa, da qual foi membro.

 
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes no Brasil colônia
- Estrutura administrativa colonial
- O Rio de Janeiro colonial
- Economia colonial: comércio de livros

 

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