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Comentário

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Quinta, 09 de Agosto de 2018, 13h39
A cidade de Caiena 

   
Ana Carolina Eiras Coelho Soares
Mestre em História - UERJ

Elaine Cristina Ferreira Duarte
Mestre em História - UErJ

A cidade de Caiena foi fundada em 1634, tornando-se a capital e o principal porto da Guiana Francesa. A localização geográfica dessa colônia francesa – situada ao Norte do atual Estado do Amapá –  rendeu para o mundo luso-brasileiro sérias questões de fronteira, somente resolvidas na década de 1810.  Desde o século XVII, as Coroas de França e Portugal discordavam quanto ao seu local exato na América:  para os portugueses,  o limite entre os seus domínios e os dos franceses era o rio Oiapoque, também chamado Vicente Pinzón;  para os franceses, o limite entre os dois territórios era a margem setentrional do rio Amazonas.  A questão das fronteiras gerou um impasse, uma vez que estava em jogo a navegação  do rio Amazonas. 

Em 4 de março de 1700,  França e Portugal assinaram um tratado provisório  - o primeiro a tentar por fim a esse embate – no qual foi permitido aos vassalos de ambas as coroas estabelecerem-se livremente na região compreendida entre os rios Oiapoque  e Amazonas,  resultando na neutralização provisória do território contestado até a concepção de um ajuste definitivo. Esse tratado, porém, foi anulado por ocasião da Guerra de Sucessão Espanhola (1701-1714) que colocou em lados opostos as duas Coroas. Como resultado desse conflito, em 11 de abril de 1713,  França e Portugal assinaram o Tratado de Ultrecht, buscando por termo à questão dos limites no continente americano.  Determinava esse Tratado  que o limite entre as duas possessões seria o rio Oiapoque,  tal como reivindicavam os portugueses.

Contudo,  as questões existentes entre os dois países não se encerraram nesse momento. Com a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder na França, declarando-se imperador (1804) e dando início as chamadas “guerras napoleônicas”,  as relações entre as duas Coroas voltaram a se estremecer, culminando com a invasão de Portugal pelos exércitos franceses e com a declaração de guerra do príncipe regente d. João à França em maio de 1808, já no Brasil.   Uma vez declarada a guerra aos franceses, d. João e seu ministro da Guerra, d. Rodrigo de Souza Coutinho, preparam um ataque aos domínios franceses na América do Sul. Em novembro de 1808, partiram do Pará as tropas portuguesas sob o comando do tenente-coronel Manoel Marques. Em janeiro de 1809, Caiena capitulava e era anexada aos domínios de Portugal. Manoel Marques governou provisoriamente Caiena até que o desembargador  João Severiano Maciel da Costa  assumisse a administração da colônia em março de 1810.

Caiena não era a principal colônia da França,  mas teve um papel importante na história do Brasil colonial especialmente em função do seu jardim de aclimatação chamado La Gabrielle.  Com a posse sobre La Gabrielle, Portugal  procurou fomentar o Horto Botânico do Pará, criado em 1796, através da remessas  de mudas de plantas exóticas (especiarias), que possuíam um alto valor no mercado internacional. É interessante ressaltar que se essas remessas antes eram feitas na clandestinidade, a partir de 1809 os portugueses podiam dispor dessas mudas a qualquer momento.
 
A cana caiena, a noz-moscada, o cravo-da-ìnida, a fruta-pão e talvez a carambola e a fruta do conde foram introduzidas no Brasil através dessa cidade.  Também vieram de Caiena as primeiras mudas de café ainda no século XVIII. Data do final de 1809, a primeira remessa  de espécies de Caiena para o Belém do Pará sob a da nova condição de colônia portuguesa.  Ao total, foram enviadas 82 espécies acompanhadas das instruções para o seu plantio.   Com a criação do Real Horto (1808), no Rio de Janeiro, e do Horto de Olinda (1811), consolidou-se a rota  de remessas de plantas exóticas  de Caiena para o Pará, e de lá para os demais hortos do Brasil.  Merece menção a atuação de João Severiano Maciel da Costa na supervisão da administração de La Gabrielle,  adotando medidas para a proteção do cultivo e do comércio das especiarias.

Esta relação profícua entre o La Gabrielle e o Horto do Pará encerrou-se com a restituição da colônia de Caiena à França, em função da queda de Napoleão e das determinações do Congresso de Viena (1815). Mais uma vez a questão das fronteiras veio à tona e, de acordo com o Congresso de Viena, os limites estabelecidos pelo Tratado de Ultrecht seriam mantidos. A retomada da colônia pela França apenas se concretizou em 1817,  com a assinatura de uma convenção particular entre as duas Coroas.

O Arquivo Nacional possui uma coleção de documentos relacionados à Caiena, nas primeiras décadas do século XIX. Esse conjunto contém fontes que permitem um maior conhecimento a respeito da Guiana Francesa, como os mapas descritivos que traçavam um perfil da população (Dezembro de 1813). Comprovam também a preocupação de um maior controle administrativo, através dos mapas de importação e exportação (Dezembro de 1813) e o controle de entrada e saída de embarcações (06 de Fevereiro de 1810). Além disso, situações administrativas gerais, como cobranças de impostos, e casos criminais (27 de Setembro de 1809), também eram assuntos de interesse das autoridades.

Através desta coleção é possível constatar a importância das expedições naturalistas e do cultivo das especiarias. As referências sobre La Gabrielle ratificam a valorização das plantas exóticas e especiarias como produtos de grande valor. Para a produção em larga escala era necessário, sobretudo, a mão-de-obra escrava - principal força de trabalho do período - e a legalização destes escravos constam em requisições presentes na Coleção Caiena (24 de Abril de 1809).

Outros assuntos relativos às invasões francesas e a posse de Portugal pela região da Guiana fazem-se presentes, por exemplo, através de inventários das armas de fogo, munições e artifícios de fogo (17 de maio de 1816); e de cartas que abordam o temor de uma invasão francesa (09 de julho de 1815). Mas, durante a conquista portuguesa de Caiena, as relações da Guiana Francesa com o Brasil podem ser percebidas especialmente através do interesse nas plantas e produtos naturais, abundantes na região. Nesse sentido, La Gabrielle foi bastante explorado pelos portugueses, beneficiando a agricultura luso-brasileira.

Através da documentação disponível no Arquivo Nacional, descortinam-se alguns aspectos econômicos, sociais e políticos de Caiena. A importância desta cidade no contexto ultramarino fez-se presente em diversas situações, influenciando, principalmente, as relações entre Portugal e França.
 

 

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