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Caiena: queda de Luís XVIII

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 19h51 | Última atualização em Quinta, 27 de Mai de 2021, 15h03

Carta ao marquês de Aguiar enviada por João Severiano Maciel da Costa relatando os últimos acontecimentos na França, lamentando a recuperação do trono francês por Bonaparte e o fim do reinado pacífico de Luís XVIII. O documento mostra ainda o temor das elites  de Caiena com uma possível invasão na região, uma vez que eram desconhecidos os propósitos do novo Rei da França em relação aos domínios americanos recém-conquistados. 
 
Conjunto documental: Documentos Diversos
Notação: 1192
Datas-limite: 1792-1816
Título de fundo: Caiena
Código do fundo: OF
Argumento de Pesquisa: Caiena
Data do documento: 9 de julho de 1815
Local: Caiena
Folha (s): -

Leia esse documento na íntegra

 

“Ilmo. E Exmo. Senhor

Depois de esperar tão longo tempo pelas ordens para a entrega desta colônia[1], e com os inconvenientes inseparáveis do estado de incerteza, recebemos em meio de Maio a espantosa notícia da recuperação do trono de França por Bonaparte[2]. Não era necessária vista muito aguçada em política para prever que ou de uma ou d’ outra sorte o reinado pacífico de S. Majestade Luís XVIII[3] não podia ser verdadeiro. Não se passa, com o exercício pacífico de virtudes civis, um povo revolucionário, habituado ao ferro e a rapina, sem freio nenhum moral, ao estado de par, principalmente conservando se lhe diante dos olhos e no seu seio os instrumentos que o formaram e entusiasmaram no amor da vida militar. A vida de Bonaparte era um sacrifício indispensável a par do mundo, ou ao menos deviam ser reduzidas a impossibilidade de obras por ele, esses generais, que não tenho nada a esperar do novo Rei, tinham muito que temer. O caso é que nós achamos com a França[4]como são princípios da guerra; e por que a missão da Escuna Curiosa neste porto se acha finda, tomei como Governador[5] a resolução de expedi-la, o que vai a ser em pouco dias; (...) Com a opinião da entrega próxima de Caiena, se fizeram expulsões para aqui de comércio, suposto que com despachos para outros portos, para o Ministério Francês repugnava dá-los em direitura. Com este motivo e o da letra e espírito da Ordem Régia de 25 de Agosto que declara suspeitos os indivíduos da Nação Francesa, de cujo governo de S. A. R.[6] que há motivos para supor uma tentativa a força viva contra este país, - opus me a admissão do primeiro que se apresentou, vindo de Nantes[7]. O Governador entendeu d’outra sorte, e depois de vários dias d’alterações, vendo que a equipagem tinha já comunicado com os habitantes, e provavelmente seria instruída de novas forças que não deixaria de comunicar a Divisão Francesa que se supunha sobre a Costa, consente que entrasse neste porto. (...)

Deus guarde a Vossa Senhoria. Caiena, 9 de julho de 1815.

Ilmo. E Exmo. Senhor Marquês d’Aguiar[8], Ministro Assistente ao Despacho do Gabinete. João Severiano Maciel da Costa

 

[1] CAIENA: capital da Guiana Francesa, situada entre a antiga Guiana Holandesa e o Brasil. As relações entre Caiena e os domínios portugueses remontam ao final do século XVII, principalmente aquelas referentes ao estabelecimento de limites entre possessões francesas e lusas. No século XVIII, as disputas entre França e Portugal sobre o estabelecimento da fronteira foram parcialmente resolvidas com o Tratado de Utrecht (1713-1715), mas a questão persistiu, sendo retomada na década de 1750, no contexto das demarcações do Tratado de Madri. O governador do Estado do Grão-Pará tinha como um de seus principais objetivos resguardar a fronteira com a Guiana, o que fez por meio da construção da vila e fortaleza de São José de Macapá, obra que levou décadas para ser concluída. Em 1809, Caiena foi ocupada pelos portugueses e anexada aos seus domínios. Essa atitude do príncipe regente d. João foi uma resposta à invasão francesa em Portugal dois anos antes. Em 1814, com a derrota de Napoleão Bonaparte, a posse da colônia voltou a ser reivindicada pelo governo francês, agora sob o domínio de Luís XVIII. Como os termos da proposta francesa não foram aceitos por d. João, a questão passou a ser discutida pelo Congresso de Viena no ano seguinte. Nessas conversações, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, os portugueses deixaram Caiena com a assinatura de um convênio entre a França e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Por poucos anos, a conquista de Caiena permitiu aos portugueses o aproveitamento, na capitania do Grão-Pará, de certas plantas raras importadas pelos franceses para o jardim botânico organizado sob a denominação de La Gabrielle. Algumas espécies foram levadas para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

[2] BONAPARTE, NAPOLEÃO (1769-1821): nascido em Ajáccio, na Ilha da Córsega, começou a se destacar no período da Revolução Francesa conhecido como Diretório (1795-1799), quando a alta burguesia financeira, com o apoio do exército, ascendeu ao poder. Foi também uma época de grande agitação militar. A França enfrentou a Áustria na campanha da Itália e, depois, na campanha do Egito, o que muito contribuiu para a celebridade de Napoleão Bonaparte, um jovem e talentoso oficial do exército que foi promovido a major-general. No entanto, existia uma grande desaprovação por parte da população francesa ao governo do Diretório e, em 1799, o golpe de Estado do 18 Brumário derrubou o governo, abrindo caminho para a formação do Consulado, quando o general Bonaparte ascenderia ao poder com o título de cônsul. O novo governo, na verdade, conservou o ideário liberal burguês, mas agora centralizado na figura popular de Napoleão. Em 1804, sagrou-se imperador dos franceses com o título de Napoleão I. Como resultado das guerras napoleônicas e das conquistas territoriais, o mapa político europeu adquiriu uma nova configuração. Derrubando as tradições monárquicas em cada território conquistado, Napoleão propagaria os princípios liberais que norteavam o governo francês, levando a uma grave crise do Antigo Regime no continente europeu. Contudo, a hegemonia da força industrial britânica ainda era um grande obstáculo econômico e, em 1806, instituiu o Bloqueio Continental, decreto que proibia todas as nações europeias de estabelecerem comércio com a Inglaterra, sob ameaça de invasão do exército francês. Nos dois anos seguintes, cumprindo tais determinações, Napoleão empreendeu ocupações na Espanha e em Portugal. Em 1814, a dinastia dos Bourbons foi reconduzida ao poder. Derrotado, com a assinatura do Tratado de Fontainebleau (1814), Napoleão foi desterrado na Ilha de Elba, mas conseguiu fugir e voltar à França para organizar o que ficou conhecido como o “Governo dos Cem Dias” (1815). Nesse mesmo ano, os exércitos napoleônicos foram aniquilados pelos ingleses na batalha de Waterloo e Napoleão foi exilado na Ilha de Santa Helena, onde faleceu. Ainda em 1815, as nações europeias reunidas no Congresso de Viena negociaram a volta às antigas fronteiras dos Estados.

 

 

[3] LUÍS XVIII (1755-1824): Louis-Stanislas-Xavier, conde de Provença, tornou-se rei da França em 1814, com o título de Luís XVIII. Neto de Luís XV e irmão mais jovem de Luís XVI, foi o primeiro Bourbon a reinar na França pós-revolucionária. Comandando do exterior a invasão de tropas à França, com a queda de Napoleão, entrou triunfante em Paris. Declarado rei, jurou uma constituição que previa um sistema monárquico, um parlamento bicameral, além da tolerância religiosa e dos direitos civis. Seu reinado foi interrompido por Napoleão que, em 1815, estabeleceu o chamado “governo dos cem dias”.

[4] FRANÇA: Localizada na Europa Ocidental, a França entrou tardiamente na disputa por territórios coloniais à época das grandes navegações, sobretudo devido a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, praticamente travada em território francês o que exauriu financeiramente e militarmente o país. Com sua conhecida contestação do Tratado de Tordesilhas (1494), que dividia o ultramar entre lusos e hispânicos, a França investiu na atividade corsária. No litoral brasileiro, a presença de embarcações francesas realizando escambo do pau-brasil com a população nativa era uma constante. Na segunda metade do século XVI, o rei francês Henrique II, apoiou a tentativa do Villegagnon em fundar a França Antártica na baia de Guanabara e outras tentativas de colonização no território luso-americano. No quadro político moderno, a França passaria pelo processo de centralização do poder político, tornando-se exemplo máximo do absolutismo de direito divino, personificado na figura de Luís XIV, o rei-sol. Em fins do século XVIII, foi palco da principal revolução política do período, a Revolução Francesa: assinalou o fim do Antigo Regime no país e fez da França centro irradiador  do ideário das Luzes, ameaçando as estruturas de antigo regime europeu, influenciando movimentos de influência no continente americano e endossando importantes movimentos sociais ao redor do mundo. Seu alcance universal foi também atemporal, perpetuando-se, como modelo e em seus princípios, na história contemporânea.

[5] GOVERNADOR: pessoa responsável pela administração de uma praça, província ou capitanias.

[6]  JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[7] NANTES: região litorânea da França, foi um importante entreposto comercial de sal e vinhos para toda Europa. Estabeleceu-se como principal porto da região, atingindo seu apogeu no século XVIII graças, sobretudo, ao comércio triangular praticado entre a costa africana, as Antilhas, no continente americano, e a Europa. Em seus cais, eram movimentados produtos como açúcar, rum, madeira, índigo e, principalmente, escravos. O comércio de africanos escravizados, por ser altamente lucrativo, tornou-se a principal atividade marítima de Nantes.

[8] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):

- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
- No sub-tema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A França no final do século XVIII
- O cenário europeu no início do século XIX e as “guerras napoleônicas”
- A Corte Portuguesa no Brasil

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