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Caiena: colônia francesa

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 19h51 | Última atualização em Quinta, 27 de Mai de 2021, 14h34

Ofício de João Severiano Maciel da Costa, desembargador e intendente geral da Polícia de Caiena, para o marquês de Aguiar, tratando das consequências da restituição da colônia aos franceses. O documento demonstra a preocupação das elites locais com a alteração das relações comerciais na região, em virtude da notícia da devolução.

Conjunto documental: Documentos Diversos
Notação: caixa 1192
Datas-limite: 1792-1816
Título de fundo: Caiena
Código do fundo: OF
Argumento de Pesquisa: Caiena
Data do documento: 2 de junho de 1816
Local: Caiena
Folha (s): -

 

“Ilmo. e Exmo. Senhor

Tenho a honra de levar à presença de V. Excelência as contas dos dois anos de 1814 e 1815, retardadas pelos motivos que ponderei no meu ofício precedente. Com a notícia da entrega da colônia em virtude do Tratado de 30 de maio de 1814[1] julguei conveniente abolir a administração do tafiá[2] para evitar os embaraços que necessariamente resultariam da interrupção dela com a chegada dos franceses em qualquer dos meses de 1815[3]. Assim pois se praticou, substituindo um novo direito sobre o consumo interior daquele gênero, que não podia ficar livre, como V. Excelência verá da ordenança inclusa. Vão também os mapas de importação e exportação, e os de população. Deus Guarde a V. Excelência muitos anos. Caiena[4] 2 de junho de 1816. Ilmo. E Ex.mo Senhor Marquês de Aguiar[5], Ministro - Assistente ao Despacho do Gabinete, Presidente do Real Erário e Lugar Tenente da Real Pessoa. O Desembargador Intendente Geral João Severiano Maciel da Costa[6].”

 

[1] TRATADO DE PARIS (1814): tratado assinado em 30 de maio de 1814, que pôs fim à guerra entre a França napoleônica e a chamada Sexta Coalizão, formada pela Inglaterra, Rússia, Prússia, Áustria e Suécia. Com a abdicação de Napoleão Bonaparte, derrotado e exilado na ilha de Elba, o tratado restituiu todos os territórios ocupados pela França revolucionária desde 1792, além de estipular o pagamento de uma indenização às nações que tiveram seus territórios invadidos e aos países vencedores. Com relação aos territórios na América portuguesa, o tratado determinava a devolução da Guiana Francesa, anexada por Portugal em 1809 como represália à primeira invasão francesa de Portugal.

[2] AGUARDENTE: bebida derivada da fermentação e destilação do caldo ou do melaço da cana-de-açúcar, conhecida também como jeribita, táfia, cachaça, vinho de mel, ou ainda garapa azeda. Foi introduzida no Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses, surgindo como subproduto dos engenhos de açúcar. Destinada inicialmente ao consumo local, ficou conhecida por muito tempo como bebida de escravo. Entretanto, pelo altíssimo teor alcoólico e baixo preço em relação ao vinho português, sua venda disseminou-se não só na América, como também em outras colônias portuguesas, de maneira que, no século XVII, já era utilizada como moeda de troca na compra de escravos na costa africana. A concorrência com a produção das Antilhas no Seiscentos fez despencar o preço do açúcar brasileiro no mercado internacional, forçando a procura por outros gêneros com características semelhantes. Foi nessa conjuntura que a aguardente ganhou espaço, sendo considerada como produto compensador da economia açucareira. Mesmo nas fases favoráveis, o açúcar possuía uma grande desvantagem em relação à aguardente: a baixa lucratividade para os seus produtores. Sendo um derivado da cana-de-açúcar, a aguardente era a grande responsável pelos ganhos dos engenhos brasílicos (25%), pois não estava atrelada ao dízimo e não era mercadoria dividida com os lavradores de cana. Devido à alta lucratividade dada aos senhores de engenho na colônia e ao temor da concorrência com o vinho português, a Coroa passou a tributar o produto e proibir sua comercialização. Apesar disso, as engenhocas, que oficialmente fabricavam rapadura, e os alambiques continuaram a produzir aguardente, o que contribuiu para disseminar a expressão a “salvação da lavoura”. Baixo custeio da produção e alta lucratividade fizeram da bebida, tipicamente tropical, o recurso acionado em momentos de dificuldades.

[3] CONGRESSO DE VIENA (1814-1815): em setembro de 1812, Napoleão Bonaparte ocupa a capital russa, Moscou, certo de que seria o primeiro passo para uma dominação sobre o Império czarista. No entanto, o czar Alexandre recusa a rendição, e os invasores franceses logo se viram em uma cidade abandonada por seus habitantes e deliberadamente queimada por eles. Com sérios problemas de abastecimento e escassez crônica de víveres, encurralado pela chegada iminente do inverno, ao exército francês não resta outro meio a não ser a retirada em uma situação cada vez pior: a saída deu-se com as armas inimigas em seu encalço. A perseguição se estendeu por meses a fio e, enquanto o exército russo atravessava a Europa Oriental e Central a caminho da França, uma aliança de apoio começou a se formar, liderada pela Áustria e Prússia e com o apoio da Grã-Bretanha. Assolados pelo frio e pela fome, perseguidos pelos inimigos russos, os soldados chegam de volta à pátria em reduzido número, esfomeados e maltrapilhos. Em março de 1814, o exército de Alexandre entra em Paris e sela o desastre bonapartista. Apesar do seu breve retorno durante alguns meses no ano seguinte, a era de guerras e política imperialista promovidas pelo monarca francês chegava ao fim. Napoleão parte para o exílio na ilha de Elba, de onde sairia no ano seguinte para tentar retomar seu império. O período de ilusão durou cem dias, interrompido pela derrota em Waterloo diante dos britânicos, depois da qual partiria para seu último exílio na ilha de Santa Helena. A aliança formada em torno da Rússia atuou no Congresso de Viena, iniciado em setembro de 1814, tomando para si a tarefa de “reconstruir a Europa”, muito nos moldes do que havia sido antes da ascensão de Napoleão. O objetivo do congresso era, além de reorganizar o mapa político europeu, reestruturar as relações entre seus diversos estados, incluindo aí suas colônias e políticas comerciais. Determinava, então, que as antigas monarquias europeias depostas por Napoleão reassumissem seus tronos, no entanto a monarquia portuguesa estava estabelecida no Rio de Janeiro desde 1808, uma situação considerada ilegítima, sendo Lisboa a sede do governo reconhecida pelo congresso. Para contornar tal objeção, foi necessária a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarve. Além disso, encerrou a chamada “Questão Caiena”, marcada pela discussão entre Portugal e França acerca da delimitação de suas possessões na América pelo rio Oiapoque. Como resultado das discussões em Viena, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, Caiena foi realmente devolvida à França, após a assinatura de um convênio entre este país e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. A questão do tráfico de escravos africanos, também foi abordada pelo congresso. A pressão inglesa contra o comércio da escravatura, iniciada em inícios do século XIX, resultou na interrupção do tráfico ao norte da linha do Equador. Esse acordo comprometia áreas importantes de abastecimento de mão de obra escrava na América portuguesa. Em 1817, d. João VI ratificou a decisão e, por um novo acordo, concedeu à Inglaterra o direito de visita e busca nos navios suspeitos de tráfico em alto-mar, sob pena de terem sua carga jogada no oceano. O tom do congresso, como não podia deixar de ser, era abertamente conservador. As nações mais apegadas às fórmulas do Antigo Regime (Portugal, então metrópole do Brasil, entre elas) apostaram em um recuo das ideias liberais e no fortalecimento do colonialismo. Contudo, se uma onda conservadora varreria a Europa, ela não foi capaz de impedir o desenvolvimento e avanço do liberalismo político por muito tempo e muito menos o de conter o movimento de libertação das antigas colônias, em especial, nas Américas. O colonialismo ganharia outras feições, teria outros senhores a comandar de forma diferente antigos territórios, mas o modelo ibérico encontrava-se esgotado.

[4] CAIENA: capital da Guiana Francesa, situada entre a antiga Guiana Holandesa e o Brasil. As relações entre Caiena e os domínios portugueses remontam ao final do século XVII, principalmente aquelas referentes ao estabelecimento de limites entre possessões francesas e lusas. No século XVIII, as disputas entre França e Portugal sobre o estabelecimento da fronteira foram parcialmente resolvidas com o Tratado de Utrecht (1713-1715), mas a questão persistiu, sendo retomada na década de 1750, no contexto das demarcações do Tratado de Madri. O governador do Estado do Grão-Pará tinha como um de seus principais objetivos resguardar a fronteira com a Guiana, o que fez por meio da construção da vila e fortaleza de São José de Macapá, obra que levou décadas para ser concluída. Em 1809, Caiena foi ocupada pelos portugueses e anexada aos seus domínios. Essa atitude do príncipe regente d. João foi uma resposta à invasão francesa em Portugal dois anos antes. Em 1814, com a derrota de Napoleão Bonaparte, a posse da colônia voltou a ser reivindicada pelo governo francês, agora sob o domínio de Luís XVIII. Como os termos da proposta francesa não foram aceitos por d. João, a questão passou a ser discutida pelo Congresso de Viena no ano seguinte. Nessas conversações, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, os portugueses deixaram Caiena com a assinatura de um convênio entre a França e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Por poucos anos, a conquista de Caiena permitiu aos portugueses o aproveitamento, na capitania do Grão-Pará, de certas plantas raras importadas pelos franceses para o jardim botânico organizado sob a denominação de La Gabrielle. Algumas espécies foram levadas para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

[5] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

[6] COSTA, JOÃO SEVERIANO MACIEL DA (1760-1834): 1º visconde com grandeza e marquês de Queluz. Bacharel em direito pela Universidade de Coimbra, exerceu o cargo de desembargador em Portugal até sua vinda para o Brasil com a família real em 1808. Em 1810, assumiu o governo da Guiana Francesa, anexada pelos portugueses devido à guerra contra os franceses. Foi governador da província de Caiena até a restituição do território aos franceses em 1815. Retornou depois ao Brasil, exercendo os cargos de senador e de ministro.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):

- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
- No sub-tema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A França no final do século XVIII
- O cenário europeu no início do século XIX e as “guerras napoleônicas”
- A Corte Portuguesa no Brasil
- O Congresso de Viena: a restauração das antigas monarquias

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