Entre os séculos XV e XVIII em Portugal e seus domínios ultramarinos, o crime de sodomia era uma generalização para todos os comportamentos “desviantes” da moral religiosa católica: homossexualidade, travestimento, sexo heterossexual não convencional, mas nenhum desses crimes era tão combatido e grave quanto as relações sexuais propriamente ditas entre pessoas do mesmo sexo, especialmente os homens. No direito canônico que regia em parte as Ordenações Filipinas, era equiparado ao crime máximo de heresia, e no direito civil, ao de lesa-majestade. As práticas sodomitas eram combatidas com fervor pela Coroa e pela Igreja Católica, tanto que as Ordenações (Livro V, título 13) previam a punição com a morte na fogueira para os “fanchonos” (ou sodomitas) comprovados. Basta dizer que era um crime da alçada do Tribunal do Santo Ofício, que chegou a executar na Europa a pena máxima para esses ofensores. No Brasil havia muitos denunciados, mas menos condenados: entre esses os mais pobres eram punidos com prisões, castigos, galés, enquanto os senhores da elite normalmente passavam com penas mais suaves. Entretanto, apesar de considerado crime gravíssimo, os comportamentos “desviantes” da moral da época não eram incomuns e muitos nem mesmo muito escondidos, sendo até alvo de piadas e trovas entre os locais. Apesar da condenação desses comportamentos, havia uma certa tolerância e escolhia-se diversas vezes ignorar as evidências, já que poderia ser difícil obter provas concretas. A mudança nesta mentalidade e na moralidade vem no século XIX com o início do Romantismo, coincidente com a ascensão da burguesia ao poder e à criação de um modelo de comportamento exemplar e moralmente correto. Em um mundo em franco progresso de secularização, o discurso de normalidade religioso começa a ceder lugar a uma normalidade científica e médica, quando esses modos impróprios vão tornando-se, além de pecado, também desvios, anormalidade, patologias. No mundo normatizado burguês, do casamento tradicional por interesses sociais e econômicos, soma-se o casamento por amor (romanceado nas novelas oitocentistas), entre homens e mulheres, para fins de procriação e perpetuação do nome, da família e do patrimônio. Os casamentos somente de fachada, ou apenas por conveniências, os hábitos sexuais fora do matrimônio e fora do usual tornam-se errados, condenáveis, e com o apoio do discurso evolucionista, médico e higienista que toma conta da Europa e depois das Américas, ganham status de aberrações, involução, comportamentos não-naturais, doenças, além de passarem a ser vistos como repugnantes. Ao pecado e ao crime penal soma-se o medo da execração pública e a sexualidade em geral passa a ser do universo privado, reprimida, negada, interdita e silenciada. Aos “anormais” que não poderiam assim existir nas famílias padrão restava procurar lugares afastados, escondidos, onde prostitutas, travestis, clientes, rufiões eram “autorizados” a existir na surdina, longe da cidade higiênica e ordenada dos novos tempos.