Os órfãos desamparados constituíam uma parcela sensível da população do Império português, que preocupava Estado e Coroa, motivando uma série de ações para conter e administrar o problema da infância desvalida. Enquanto os herdeiros de “boas famílias”, com mais ou menos posses, podiam contar com o cofre dos órfãos, rendimentos, tutores e curadores, os órfãos pobres viviam à custa do assistencialismo e da caridade do Estado, da Igreja e de particulares. Quando as Casas de Misericórdia e outras instituições católicas começam a surgir, logo iniciam a prática de recolher os órfãos desamparados e cuidar deles até certa idade ou até que conseguissem uma família que os aceitasse. O princípio da caridade era o motor das ações institucionais e das doações individuais, sendo apropriado pelos homens bons para reafirmar seu poder e influência, de acordo com a moral cristã. A Igreja se ocupava de recolher os desamparados – o termo abandonado passou a ser usado no século XX para se referir à criança sem família deixada à própria sorte – e dar-lhes o primeiro sacramento, o batismo, para que não morressem pagãos. As casas de assistência e caridade encaminhavam, por sua vez, os órfãos às “criadeiras”, amas de leite e parturientes que recebiam um pagamento por amamentar e cuidar dos órfãos até a idade de 7 anos. Essa prática, muitas vezes, apresentava problemas graves: mulheres que recebiam as crianças, mas não tinham condições de amamentá-las; outras que privilegiavam o tratamento dos filhos legítimos, deixando os órfãos à míngua e, ainda, havia as que os tornavam criados desde muito cedo, tratando-os com violência e indiferença. Eram poucas as criadeiras que permaneciam com as crianças depois dos 7 anos, prazo estabelecido pelas instituições religiosas e pelo Estado para que ficassem sob seus cuidados financeiros. Depois desta data, eram deixadas às vezes à própria sorte, contando com a caridade alheia, com uma família que os abrigasse, ainda que, praticamente, como escravos ou com a experiência das ruas, dos que viviam à margem da ordem. As meninas eram mais protegidas pela Igreja para que não se desvirtuassem. Muitas eram encaminhadas para o serviço religioso. Esse “desamparo”, que teve um salto significativo entre fins do século XVIII e início do XIX, passou a preocupar a Coroa e a administração do reino, metrópole e colônias, visto que gerava uma população ociosa infantil, que poderia evoluir e tornar-se perigosa, além de criar adultos improdutivos no futuro. Com a finalidade de controlar e administrar as crianças e os jovens desvalidos e desamparados, o Estado passou o cuidado com os órfãos para as câmaras municipais, que deveriam criar escolas para meninos e meninas pobres, além das que já havia dirigidas pela Igreja Católica e, posteriormente, estabelecer postos de trabalho para que aquela população se tornasse útil ao Estado. Essa mudança não foi muito significativa a princípio, já que os religiosos continuavam a acolher órfãos desamparados e expostos e a maior parte das câmaras pouco fazia pelas crianças, alegando falta de recursos para o estabelecimento de novas escolas e abrigos, mal conseguindo manter os já existentes. Muitos órfãos desamparados continuavam contando com a caridade, outros se tornavam vadios, e havia, ainda, crianças e jovens que eram mandados pelas câmaras para serem criados em alguma família, que era obrigada a aceitá-los, constituindo uma prática chamada adoção compulsória. Essa prática acontecia em Portugal: as câmaras alegavam não ter recursos para construir casas para os órfãos, mas poderiam determinar bons vassalos do reino para serem compulsoriamente tutores de órfãos, obrigados a recebê-los e custeá-los até quando fosse determinado pela vereança.