Os peixes-boi, ou manatis, como são chamados na América Central e África, são sirênios, mamíferos aquáticos herbívoros, que ocorrem nas costas americanas, africanas e asiáticas, e em rios de água doce. No Brasil, encontramos a espécie marinha (Trichechus manatus) no litoral do nordeste e o peixe-boi amazônico (Trichechus inunguis), também chamado pelos portugueses de vaca marinha, espécie menor do que os parentes marítimos, que vive exclusivamente em água doce. A exploração do peixe boi amazônico remonta ao início da colonização portuguesa no norte, relatada pelo colono Gabriel Soares de Souza em seu Notícia do Brasil ou Tratado descritivo do Brasil (1587): “Goaragoá é o peixe que os portugueses chamam boi, que anda na água salgada e nos rios junto da água doce (…). A carne é muito gorda e saborosa; e tem o rabo como toucinho sem ter nele nenhuma carne magra, o qual derretem como banha de porco, (…), que presta para tudo que presta a de porco (...)”. Outros colonos e viajantes em passagem pelo Brasil registraram a pesca e os usos do peixe-boi, especialmente o consumo de sua carne, como Fernão Cardim em 1583 em Tratados da terra e gente do Brasil; Spix e Martius entre 1817 e 1820 nas anotações de sua Viagem pelo Brasil; Henry Bates em O naturalista no rio Amazonas de 1850; o casal Agassiz em Viagem ao Brasil de 1867, entre muitos outros. Com impressões que variavam pouco, a maior parte dos escritores, ressaltava e se impressionava com o tamanho do animal que, apesar de ser considerado um peixe mais se assemelhava a um boi, com a paladar de sua carne, e com o fato de amamentar sua cria. Seus principais usos eram a carne, muito apreciada, comparada, conforme o preparo, à de boi ou de porco – nunca à de peixe –, que podia ser cozida, assada à moda de um churrasco, ou salgada para que durasse, já que um único peixe-boi poderia alimentar muitas pessoas. Outra característica importante do herbívoro era sua preciosa gordura, ou banha, que entremeava a carne e se acumulava na cauda. Ao ser retirada e derretida, era considerada tão boa quanto a do porco, além de saborosa e de alta durabilidade. Usada para cozinhar e fritar outros alimentos (como um azeite); para conservar a carne já frita dentro e, também, como manteiga, era artigo raro e caro naquela região da colônia. O couro e os ossos do peixe ainda eram aproveitados, o que o tornava muito útil e considerado uma droga do sertão de alto valor. A docilidade dos animais, a despeito de seu tamanho, aliada ao seu valor, faziam deles presas relativamente fáceis e foram sendo mortos indiscriminadamente ao longo da história. Espécie considerada ameaçada pela caça predatória e devido ao impacto no meio ambiente e em seu habitat natural, entrou em risco de extinção no século XX e, atualmente, diversos programas de proteção se encarregam de recuperar a espécie em cativeiro, que ainda é alimento importante para as populações ribeirinhas dos rios da Amazônia.